Acórdão nº 182/14.4TTGRD.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelANTÓNIO LEONES DANTAS
Data da Resolução02 de Julho de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I O MINISTÉRIO PÚBLICO instaurou a presente ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, nos termos dos artigos 26.º, n.º 1, al. i), e 186.º-K, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, ambos com as alterações introduzidas pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, contra AA, Ld.ª, pedindo que seja reconhecida e declarada a existência de um contrato de trabalho entre a Ré e AA, fixando-se a data do seu início desde em 1/09/2011.

Invocou como fundamento da sua pretensão, em síntese, que a indicada trabalhadora exerce funções, ininterruptamente, desde setembro de 2011, como professora em escola de natação gerida pela Ré, que utiliza instrumentos pertencentes à piscina mas que lhe são disponibilizados pela ré, que acede às instalações munida de um cartão que a ré forneceu, que no início do ano lhe é atribuído um horário pela ré e que fica obrigada a cumprir, que cumpre conteúdos programáticos definidos para cada turma de alunos e controlados pela Ré e que regista as suas presenças e as comunica ao coordenador, auferindo quantias que variam entre os € 128,75 e os € 1.508,75 mensais, consoante o número de horas que leciona.

Contestou a Ré, alegando que contratou profissionais para a prestação de serviço de ensino de natação, remunerados consoante o número de turmas que tem, que não fornece os equipamentos, que a colaboradora em causa não respeita qualquer horário, que são os Serviços Municipalizados de Água, Saneamento e Piscinas de ... (SMAS) que determinam os dias disponíveis para as aulas, que são os próprios colaboradores que asseguram as suas substituições, contactando outro colega. Concluiu pela inexistência de contrato de trabalho, pedindo a improcedência da ação.

A ação prosseguiu seus termos, vindo a ser proferida sentença que a julgou procedente e, em consequência, declarou que entre a Ré e AA, existia um contrato de trabalho, em vigor desde 1 de setembro de 2011.

Inconformada com esta decisão dela recorreu a Ré para o Tribunal da Relação de Coimbra que veio a conhecer do recurso interposto por acórdão de 13 de fevereiro de 2015, que integrou o seguinte dispositivo: «Termos em que se delibera julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e absolvendo-se a ré do pedido de reconhecimento da existência de contrato de trabalho com AA.

Sem custas na ação e no recurso, estando delas isento o Ministério Público (art. 4.º n.º 1 al. a) do Regulamento das Custas Processuais)».

Irresignado com esta decisão vem agora o Ministério Público recorrer de revista para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «1 - Decorre da matéria de facto que a Prof. AA presta a sua atividade para a Ré, sob as ordens, direção e fiscalização desta e a contrapartida monetária que esta lhe paga é a base do sustento daquela.

2 - O Art.º 12.º, do CT., estabelece uma presunção de laboralidade do contrato e visa facilitar a demonstração da existência do contrato de trabalho, face a outros tipos contratuais (nomeadamente, do contrato de prestação de serviços).

3 - E, no âmbito da referida disposição legal, para a qualificação do contrato como contrato de trabalho, basta a existência de duas das características ali enunciadas.

4 - No caso concreto, decorre dos pontos n.ºs 1 e 2 da matéria de facto que a Ré determinou que a Prof. BB exerceria a sua atividade na escola que aquela gere na piscina de ....

5 - Donde, encontra-se verificada a característica indicada no art.º 12.º, n.º 1, al. a), do CT.; 6 - Dos pontos n.ºs 5, 7 e 8, da matéria de facto, cujo teor aqui se dá por reproduzido, resulta que os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pela Prof. BB pertencem ou são-lhe disponibilizados pela Ré. Logo, 7 - Está verificada a característica enunciada no art.º 12.º, n.º 1, al. b), do CT.

8 - Com efeito, tal enunciado (o constante do ponto n.º 5, da matéria de facto) expressa um elemento de facto e não um “facto conclusivo”, como considerado pelo Tribunal a quo.

9 - Sem conceder, mas caso se entenda, na senda do Tribunal a quo, que tal ponto de facto encerra um “facto conclusivo”, deve o S.T.J. ao abrigo do disposto no art.º 682.º, n.º 3, do CPCivil, determinar a ampliação da matéria de facto, face até ao alegado no artigo 7.º, da petição inicial, e ao teor dos artigos 6.º, 7.º e 8.º, da contestação e considerando os factos não assentes, mormente, que não se provou o que a Ré alegou no artigo 7.º, da contestação (vd. decisão de facto, a fls. 237).

10 - Efetivamente, o Tribunal da Relação ao abrigo do disposto no art.º 662.º, n.º 2, do CPcivil, devia ter dado como provado, relativamente a ponto de facto n.º 5, que: «Nas aulas que ministra, a professora utiliza equipamentos e instrumentos de trabalho – placas, alteres, bolas - pertencentes aos Serviços Municipalizados … » ( o resto do ponto n.º 5 deve permanecer igual), pelo que deve o douto Acórdão ser anulado, para ampliação da matéria de facto.

11 - Dos pontos n.ºs 6, 7 e 8 da matéria de facto, cujo conteúdo aqui se dá por transcrito, decorre que à Prof. BB era estabelecido um horário de trabalho. Donde, 12 - Está verificada a característica enunciada no art.º 12.º, al. c), do CT.; 13 - Dos pontos n.ºs 9 e 7, da matéria de facto, emerge que a Prof. BB, em cada período mensal, auferia uma quantia monetária, como contrapartida da atividade por ela exercida para a Ré. E, 14 - Embora tal quantia pudesse variar, o seu pagamento era mensal e regular, pelo que se aproxima da característica expressa no art.º 12.º, al. d), do CT., pois desses pontos de facto resulta que a Ré pagava, mensalmente, à Prof BB uma quantia, como contrapartida da atividade desta.

15 - Está, pois, demonstrado, pela presunção, nos termos do art.º 12.º, do CT, que entre a Prof. BB e a Ré existia um contrato de trabalho.

16 - De resto, mesmo socorrendo-nos do método indiciário, critério preconizado pela doutrina e habitualmente utilizado pela jurisprudência para aferir da existência ou não de um contrato de trabalho, extrai-se que o contrato celebrado entre a Prof. BB e a Ré deve ser qualificado como contrato de trabalho. Com efeito: 17 - Local de trabalho: A Prof. BB exercia a sua atividade na Escola que a Ré gere na piscina de ..., local esse que lhe foi determinado pela Ré (pontos de facto n.ºs 1 e 2); 18 - Horário de trabalho: a Ré fixou à Prof. BB um horário de trabalho, a que esta tinha de cumprir, como decorre da matéria de facto (vd. pontos de facto n.ºs 6, 7 e 8); 19 - Utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo destinatário da atividade: os equipamentos e meios de trabalho eram facultados pela Ré à Prof. BB, como resulta da matéria de facto (vd. pontos de facto n.ºs 5, 7 e 8); 20 - Tipo de remuneração: o pagamento feito pela Ré à Prof. BB era mensal e regular e o montante a pagar era função do tempo de trabalho prestado, como deriva da matéria de facto (vd. pontos n.ºs 9 e 7); 21 - Se o prestador da atividade recorre ou não a colaboradores: da matéria de facto cremos que resulta que a Prof. BB não podia, sem autorização da Ré, fazer-se substituir na prestação da atividade (vd. ponto n.º 6, donde resulta a obrigatoriedade de a Prof. BB cumprir o horário que a Ré lhe fixava, através do seu coordenador; do ponto n.º 8 resulta igualmente que a Ré tinha de comunicar as faltas ao serviço, não estando, assim, na sua disponibilidade fazer-se substituir).

21 - Se o prestador está inserido numa organização produtiva: da matéria de facto, resulta que a Prof. BB estava inserida na organização da Ré, pois que, nomeadamente: a) Participa, como prestadora da sua atividade (“…em todo o período letivo…”, vd. ponto de facto n.º 3) e inserção no coletivo gerido pela Ré, na concretização da gestão e funcionamento que a Ré faz da piscina de ... (vd. pontos de facto n.ºs 1 e 2); b) Recebe, dum coordenador da Ré, os horários por este estabelecidos (ponto de facto n.º 6); c) Cumpre conteúdos programáticos definidos pela Ré para cada turma e modalidade, que são registados periodicamente em folhas próprias, com o logotipo da Ré, que as arquiva após preenchimento; d) Está submetida a controle de assiduidade feito pela Ré (ponto n.º 8); e) Utiliza equipamentos e instrumentos de trabalho que lhe são disponibilizados pela Ré; f) Presta, em média, 20 aulas por semana, durante todo o período letivo (pontos de facto n.º 7 e 3).

g) Usa vestuário que ostenta dizeres da Ré e utiliza um cartão magnético para aceder ao local de trabalho (ponto de facto n.º 5).

22 - Os indícios/indicadores referidos são suficientemente impressivos e relevantes para qualificar o contrato, celebrado entre a Prof. BB e a Ré, como contrato de trabalho, pois definem a essência e núcleo deste.

23 - O douto acórdão impugnado violou, por erro de interpretação e de aplicação, o disposto nos art.ºs 11.º e 12.º, ambos do Código do Trabalho e art.º 662.º, n.º 2., do CPCivil.» Termina pedindo que: «a) Sem conceder, mas caso se entenda que, na senda do douto Acórdão impugnado, o ponto n.º 5, da matéria de facto assente, encerra um facto conclusivo, deve o douto Acórdão ser anulado e determinar-se a ampliação da matéria de facto (art.º 682.º, n.º 3, do CPCivil), mormente se, nas aulas que ministra, a professora BB utiliza equipamentos e instrumentos de trabalho, nomeadamente, placas, alteres e bolas, pertencentes aos Serviços Municipalizados de ..., que lhe são disponibilizados pela Ré, que os gere de acordo com o contrato de adjudicação que celebrou com a autarquia. Mesmo que assim se não entenda, b) O douto Acórdão ser revogado e substituído por outro que, mantendo a douta sentença da 1.ª instância, reconheça e declare que entre a Prof. AA e a Ré existe um contrato de trabalho, que vigora desde 1 de setembro de 2011».

A Ré respondeu ao recurso interposto integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «1. Contém a matéria de facto fixada pela 1.ª instância, com a ressalva oportunamente levada a cabo pelo...

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