Acórdão nº 796/08.1TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução09 de Julho de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: I.

AA, LDA propôs esta acção, com processo comum na forma ordinária, contra HOSPITAL ..., E.P.E.

Pediu a condenação do réu: a) a reconhecer que se mantém em vigor o contrato de cessão ou concessão do ajuizado estabelecimento comercial, sendo o réu cedente ou concedente e a autora cessionária ou concessionária; b) a reconhecer que ele, réu, incumpriu o dito contrato e se mantém em situação de incumprimento; c) a cumprir integralmente o mesmo contrato; d) a restituir em definitivo à autora o mesmo estabelecimento que lhe está concessionado, para a legítima exploração da Cantina/Bar, o seu local e todos os bens que o compõem e que do mesmo espaço retirou; e) a restituir em definitivo à autora todos os bens móveis afectos ao mesmo estabelecimento e que à autora pertencem em propriedade e que ele também do mesmo espaço retirou; f) a repor no estado em que se encontrava em 29.02.2008 toda a estrutura física deste estabelecimento, que ele réu destruiu, com as suas ligações e estruturas eléctricas, de água e de gás, aberturas, divisões de espaço, pavimentos, revestimentos, pinturas, materiais componentes e cobertura; g) ou a suportar o real custo dessa reposição que vier a ser liquidado; h) a repor à autora todos os bens, equipamentos e utensílios perdidos ou desaparecidos; i) ou a pagar à autora o respectivo valor, que for liquidado; j) a reparar todos os bens, equipamentos e utensílios daquele estabelecimento que foram danificados; k) ou a suportar todo o custo dessa reparação, que vier a ser liquidado; I) a pagar à autora, a quantia de € 1.005.723,00, como indemnização pelos danos já liquidados, acrescida de juros moratórios desde a citação e até total pagamento; m) a pagar à autora, como indemnização pelos demais danos materiais, sejam danos emergentes sejam lucros cessantes, e imateriais, o que vier a ser, entretanto, liquidado ou que vier a ser liquidado em execução de sentença, sempre acrescida de juros moratórios desde a citação e até total pagamento.

Como fundamento, alegou que vem, há vários anos, explorando um estabelecimento de cantina/bar, sito nas instalações do hospital gerido pelo R., mediante renda paga mensalmente. Em 1 de Março de 2008, o Réu impediu os trabalhadores da Autora de acederem à referida cantina/bar e nos dias seguintes, os representantes e enviados daquele, forçaram a entrada por arrombamento da porta do mencionado estabelecimento, começando a retirar daí móveis, equipamentos, matérias-primas, produtos alimentares da autora e dinheiro, assim como documentação, levando tudo para local então desconhecido. A Autora instaurou procedimento cautelar de restituição provisória de posse, que foi decretada, mas, aquando da respectiva execução, a cantina/bar estava totalmente reduzida a escombros, sem tectos, chão ou parte das paredes, e com um amontoado de entulho no seu interior, verificando-se igualmente que todos os bens e equipamentos que a integravam dela haviam sido retirados e amontoados de qualquer maneira noutro local do hospital. Parte dos bens, equipamentos e utensílios foram encontrados na zona de armazenamento da cantina/bar, outra parte foi encontrada numa garagem sita também no hospital e outra, ainda, não foi encontrada, nem apareceu. Por via da actuação do réu sofreu, e continua a sofrer, diversos danos, na estrutura física do estabelecimento, em bens, equipamentos, utensílios e produtos consumíveis do estabelecimento, e com encargos com o pessoal afecto ao mesmo, bem como danos do próprio negócio e lucros cessantes.

O Réu contestou, alegando que por diversas vezes comunicou à autora a necessidade de proceder à desocupação do aludido estabelecimento, com vista à realização de obras de reestruturação, de carácter estrutural, integradas na empreitada geral de renovação e ampliação das suas instalações, tendo dado prévio e expresso conhecimento à autora do que iria fazer no dia 1 de Março de 2008, e de que deveria retirar do estabelecimento todos os equipamentos e produtos até às 18 horas do dia 4 desse mesmo mês, disponibilizando o R. os meios necessários ao transporte e armazenamento temporário dos equipamentos e dos produtos não perecíveis. Não tendo a autora feito comparecer no local qualquer representante ou funcionário, decidiu proceder à abertura da porta de entrada do estabelecimento, selando a porta do respectivo escritório, sendo então efectuado o inventário de todos os equipamentos e bens encontrados naquele local, procedendo de seguida à retirada dos bens e equipamentos para fora do estabelecimento, a fim de o mesmo ficar devoluto, os quais foram transportados para a garagem das suas instalações, onde foram acondicionados e guardados, ficando ao inteiro dispor da Autora para serem levantados, com excepção dos produtos perecíveis, que foram doados a uma instituição de solidariedade social. O R. procurou uma solução negociada para a desocupação da cantina/bar e, tendo-se frustrado, uma vez que em Março de 2008 não era possível adiar mais o início da intervenção, porquanto tal implicaria a paralisação de todas as obras em curso, com gravosas consequências operacionais e financeiras, o Réu recorreu para salvaguarda do interesse público à acção directa, desocupando nessa data o estabelecimento. A autora não dispõe de qualquer título que legitime a exploração do mencionado estabelecimento comercial, dado que o vem fazendo com base em mero acordo verbal não reduzido a escrito, conforme legalmente exigido, e sempre o Réu considerou resolvido, desde dia 1 de Março de 2008, tal acordo verbal.

Em reconvenção, pediu que seja declarada a nulidade, por vício de forma, do aludido contrato de cessão de exploração do ajuizado estabelecimento comercial, com todas as legais consequências, ou, quando assim se não entenda, que seja declarado resolvido, desde 1 de Março de 2008, o referido contrato.

Pediu ainda a condenação da Autora a restituir-lhe o espaço físico onde estava instalado o ajuizado estabelecimento comercial e a pagar-lhe a quantia de € 650.000,00, a título de indemnização pelos danos já liquidados decorrentes da paralisação das obras de construção civil, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a notificação até integral pagamento e nos montantes que vierem a ser liquidados, também acrescidos de juros de mora.

A Autora apresentou réplica, respondendo à matéria de excepção e de reconvenção, e sustentando o abuso de direito por parte do Réu ao invocar a nulidade do contrato por vício formal.

O réu treplicou, pugnando pela improcedência do abuso de direito suscitada pela autora.

Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença com este dispositivo: "Pelo exposto julga-se parcialmente procedente a presente acção em consequência do que se condena o réu: a) a reconhecer que se mantém em vigor o contrato de cessão de exploração do ajuizado estabelecimento comercial, sendo o réu cedente e a autora cessionária; b) a restituir em definitivo à autora o mesmo estabelecimento, para a legítima exploração da cantina/bar, o seu local e todos os bens que o compõem e que do mesmo espaço retirou; c) a repor no estado em que se encontrava em 29 de Fevereiro de 2008 toda a estrutura física deste estabelecimento, com as suas ligações e estruturas eléctricas, de água e de gás, aberturas, divisões de espaço, pavimentos, revestimentos, pinturas, materiais componentes e cobertura; d) a pagar à autora a quantia já líquida no montante de € 10.520,00 (dez mil quinhentos e vinte euros ), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento; e) a pagar a importância que se vier a apurar em incidente de liquidação referente aos danos em bens, equipamentos e utensílios do estabelecimento, encargos com o pessoal afecto ao estabelecimento e danos próprios do negócio e lucros cessantes.

Outrossim decide julgar-se improcedente o pedido reconvencional absolvendo a autora dos pedidos contra si formulados".

Discordando desta decisão, o réu interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Ainda inconformado, veio o réu interpor recurso de revista excepcional, nos termos do art. 672º, nº 1, a) e c), do CPC, que foi admitida.

No recurso apresentou as seguintes conclusões: 1. a 19. (admissibilidade da revista excepcional) §. Da nulidade do acórdão recorrido 20. Nas conclusões com que findou as alegações de recurso de apelação - sendo, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso -, o Recorrente, a dado passo, suscitou a seguinte questão a propósito da invocada nulidade, por vício de forma, do ajuizado contrato: IIXC. Como decorre do preceituado no art. 286º do CC, a nulidade é invocável a todo o tempo e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal, pelo que poderia (e deveria) o douto Tribunal a quo ter declarado a nulidade do contrato em apreço, por preterição de forma legal, com as consequências previstas no art. 289º do CC.

XCI. Contudo, pese embora ter esse poder-dever que não sofre qualquer contestação quer doutrinária, quer jurisprudencial, o Tribunal a quo não emitiu tal juízo de invalidade contratual, conduta omissiva essa que resulta claramente violadora do disposto no citado art. 286º e que, portanto, não se pode aceitar.

  1. Acontece que, compulsado o acórdão recorrido, verificamos que o Tribunal da Relação não atentou minimamente nesta questão suscitada pelo Recorrente, tendo-a ignorado por completo, sendo que esta é uma verdadeira questão que cumpre ao Tribunal solucionar. Mais, estamos perante uma questão cuja decisão não se revela prejudicada pela solução que tenha sido dada a outra questão que haja sido apreciada.

  2. Assim sendo, o acórdão recorrido padece de nulidade por omissão de pronúncia, na justa medida em que os Exmos. Senhores Juízes Desembargadores deixaram de pronunciar-se sobre uma questão que deviam apreciar, o que se invoca para todos os legais efeitos, nos termos do disposto nos arts. 615.°...

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