Acórdão nº 19/07.0GAMNC.G2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução09 de Julho de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

No âmbito do processo comum com intervenção de tribunal colectivo n.º 19/07.0GAMNC, do então Tribunal Judicial da Comarca de Monção – Secção Única, à data, integrante do Círculo Judicial de Viana do Castelo, foi realizado o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido AA, nascido em ..., natural da freguesia de ..., concelho de ..., ..., ..., residente no Bairro ..., actualmente em cumprimento de pena, no Estabelecimento Prisional do Vale do Sousa, à ordem do processo comum colectivo n.º 42/06.2GAMNC, depois de ter cumprido desde 14-03-2012 a 14-03-2015, a pena de 3 anos de prisão aplicada no processo n.º 80/07.8GAMNC, conforme fls. 360, 370, 415, 551, 597, 598, 643, 648, 728 e finalmente, na sequência do despacho do ora relator de fls. 754, a informação de fls. 756 e a ficha biográfica de fls. 759 a 761. ******* Antes de avançarmos na análise proposta pelo tema do recurso, convém esclarecer um ponto verificado ao nível da tramitação do processo na fase do cúmulo jurídico.

Deficiência e lapsos de tramitação Olhando apenas o presente processo, na sua materialidade física, tal como nos é apresentado, ficamos sem saber a data exacta em que terá sido realizada a audiência de julgamento, a que alude o artigo 472.º do Código de Processo Penal, que sabe-se, de forma segura, terá tido lugar em Março de 2014, tendo sido dispensada a presença do condenado, e tendo-se em vista a elaboração do cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao recorrente em três processos.

A audiência para efectivação de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente foi agendada para 26 de Março de 2014, conforme consta de fls. 622 e 625, tendo sido notificado o Ministério Público em 13-02-2014, data em que é feito um ofício a notificar o Advogado do arguido do dia designado, ut fls. 627.

Acontece que não consta do processo qualquer acta de audiência de julgamento no dia aprazado, ou seja, 26-03-2014, mas encontra-se junto, a fls. 628, ofício dessa data solicitando envio de relatório social para julgamento e nesse ofício, sem nada que o justifique, à luz do que consta do processo, como despacho ou ordem verbal, informa-se o destinatário de que o julgamento se encontra designado para o dia 23-04-2014, às 14 horas, data que é repetida na notificação para o Estabelecimento Prisional do Vale do Sousa, a fls. 629 e original de fls. 634 (aqui referindo-se a “realização da audiência para efectivação de cúmulo jurídico”, sendo que o arguido está dispensado de estar presente), tendo o arguido sido notificado em 1-04-2014, conforme certidão de notificação a fls. 634, em baixo, à direita.

Surpreendentemente, à luz do que consta do processo, em ofício dirigido ao TEP do Porto em 9-04-2014, o Tribunal de Monção informa que se encontra designado para leitura do acórdão do cúmulo o dia 23 de Abril de 2014, pelas 14.00 horas (fls. 638).

Em ofício de 21-04-2014 é enviado o relatório pedido, fazendo fls. 641 a 644.

Imediatamente a seguir surge, sob conclusão com data de 23-04-2014, a fls. 645, o acórdão de cúmulo, fazendo fls. 645 a 662, e datado de 23-04-2014.

Segue-se, a fls. 663, uma acta de leitura de 23-04-2014, sob designação de acta de cúmulo jurídico – Continuação – sendo certo que não existe nos autos qualquer acta com data anterior. De acordo com a acta de cúmulo jurídico – continuação – o acórdão foi lido pela Juíza Adjunta, titular da Comarca, dando nota de que fora assinado pelo Presidente e pelo outro Adjunto. Fica por esclarecer porque é que estando o acórdão no dia 23 de Abril de 2014, pelas 14 horas e 45 minutos, assinado por todos os componentes do Colectivo, como consta da acta de fls. 663, apenas em 2 de Maio seguinte, foi depositado, conforme declaração de fls. 664, tendo sido entregue pelo Juiz Presidente sem qualquer justificação para o atraso de nove dias. Face à deficiência informativa dos autos e às aparentes incongruências de algumas notificações foi necessário contornar o conhecido brocardo “quod non est in actis, non est in mundo” e assim, consultado o Habilus, veio a verificar-se que, no dia 23 de Março de 2014, teve efectivamente lugar a audiência de julgamento, nos termos do artigo 472.º do CPP, sendo ordenado o pedido de envio de relatório e marcada a leitura do acórdão de cúmulo para 23-04-2014.

(A cópia da acta da audiência de 26-03-2014 foi junta a fls. 757/8, na sequência do referido nosso despacho de fls. 754).

E assim, desconhecendo que razões terão levado à ausência da acta de audiência, a junção da cópia retira a deficiência, demonstra a incongruência de algumas das notificações que se devem ter por isso mesmo, como lapsos, já que no fundo o devir processual, expurgado dessas deficiências relacionadas com a acta e apenas ela, claro, estabeleceu coerência quanto à prática dos actos, continuando, contudo, inexplicado o tardio depósito.

Tida por certa a data da audiência realizada podemos avançar.

Foi realizada pelo Tribunal Colectivo da Comarca de Monção, a audiência a que alude o artigo 472.º do Código de Processo Penal, em 26 de Março de 2014, ut cópia de acta ora junta a fls. 757/8, na qual não esteve presente o arguido, porque dispensado pelo tribunal, tendo-se em vista a elaboração do cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao recorrente em três processos.

Por acórdão do Tribunal Colectivo da Comarca de Monção, datado de 23 de Abril de 2014, constante de fls. 645 a 662, e depositado apenas em 2 de Maio seguinte, conforme declaração de fls. 664, efectuado o cúmulo jurídico, foi deliberado: «Condenar: O arguido AA, na pena unitária de oito (8) anos e seis (6) meses de prisão, em operação de englobamento jurídico das penas aplicadas nos presentes autos n.º 19/07.0GAMNC e no âmbito dos processos nºs 42/06.2GAMNC e 80/07.8GAMNC.

À pena ora aplicada são descontadas as penas anteriores que já se mostrem efectivamente cumpridas nos processos referidos, bem como os períodos de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação que o arguido haja sofrido (art.s 80º e 81º do C.P.)».

******* Inconformado, o arguido interpôs recurso dirigido ao Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando a motivação de fls. 665 a 673, juntando um documento (Doc. n.º 1) a fls. 674.

O recurso foi admitido pelo despacho de fls. 675, tal como requerido, ou seja, endereçado àquele Tribunal da Relação.

Respondeu o Ministério Público no Círculo Judicial de Viana do Castelo, conforme fls. 684/5 e, em original, de fls. 686/7, pronunciando-se no sentido da total improcedência.

Por despacho de fls. 688 foi ordenada a subida dos autos ao Tribunal da Relação de Guimarães.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de Guimarães opinou nos termos da fls. 695/7, ou seja, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 9 de Fevereiro de 2015, constante de fls. 712 a 728, foi o recurso julgado improcedente.

De novo inconformado, o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando a motivação de fls. 732 a 736.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 738.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de Guimarães emitiu parecer conforme fls. 741 a 744, pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, de fls. 749 a 751, emitiu douto parecer que se transcreve em parte (tendo-se em conta que teve por objecto o recurso do acórdão da Relação de Guimarães): “III Nossa perspectiva 1.

A fundamentação da medida da pena consta de fls. 725 a 727 do acórdão, que se remeteu para a decisão da 1.ª instância.

Acompanhamos a apreciação efectuada quanto à dimensão do ilícito global e personalidade do arguido e sua conexão com os crimes praticados.

E, efectivamente, são negativamente impressivas as características da personalidade do arguido, com dependência do álcool, e com um historial de crimes contra a propriedade desde 1996.

Por outro lado, o alcoolismo, como outras dependências, ainda que conduzisse a uma diminuição da imputabilidade (e não é esse ocaso), não tem como efeito necessário a atenuação da pena.

Como se acordou, entre outros, 3ª, nos acórdãos deste STJ de 16 de Junho e 17 de Dezembro de 2005, processos n.ºs 1561.05, 5ª e 2967.05, 5ª, a propósito da dependência de estupefacientes, ( ... ) Se nos casos de imputabilidade diminuída, as conexões objectivas de sentido entre a pessoa do agente e o facto são ainda compreensíveis e aquele deve, por isso, ser considerado imputável, então as qualidades especiais do seu carácter entram no objecto do juízo de culpa e por elas o agente tem de responder: se essas qualidades forem especialmente desvaliosas de um ponto de vista jurídico-penalmente relevante elas fundamentarão uma agravação da culpa e um aumento da pena; se, pelo contrário, elas fizerem com que o facto se revele mais digno de tolerância e de aceitação jurídico-penal estará justificada uma atenuação da culpa e uma diminuição da pena.

Ora, no caso e como é enfatizado, as qualidades especiais do agente, atinentes ao seu carácter, violento, são particularmente desvaliosas na dimensão global do facto.

Na verdade, a violência retratada nas agressões praticadas contra a companheira e mãe desta, ao longo de 6 anos, o facto de obrigar a última a mendigar na rua, apoderando-se das quantias que recebia, além de a sujeitar a vê-lo nu, a violência exercida no roubo do processo 80/07 ..., contra pessoa com 85 anos de idade, ou seja, particularmente desprotegida, dá nota clara de um especial desvalor sobre interesses societários muito relevantes, fundamentando a agravação da culpa, e com ela, a agravação da pena.

Diga-se, em contraponto, que não foi dado como provado qualquer propósito ou tentativa de o arguido se submeter a tratamento da sua dependência.

Finalmente, o alegado apoio familiar que afirma ter não tem suporte na matéria de facto provada.

Bem pelo contrário.

O que desta consta é que após «cerca de 10 anos de vida desregrada e de...

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