Acórdão nº 542/13.8T2AVR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução09 de Julho de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA e mulher, BB, apelaram da sentença que julgou improcedente a acção, processada na forma ordinária, que intentaram contra CC - Energias, S.A., na qual - com fundamento nos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreram por virtude da denúncia infundada, pela última, do contrato de prestação de serviços concluído entre aquela e o primeiro – pediam a condenação da última a pagar-lhes a quantia de € 42 500,00 ou, ao menos, a de 30 016,33 e a compensação, nesta indemnização da quantia de € 9 911,41 que devem à demandada.

No recurso interposto, começaram os apelantes por impugnar a decisão proferida acerca da matéria de facto: porém, a Relação, reponderando tal julgamento, considerou inexistir erro na apreciação das provas, concluindo, por isso, que não havia fundamento bastante para introduzir no quadro factual, fixado pela sentença recorrida, as alterações propugnadas pelos recorrentes.

Passando a pronunciar-se sobre os aspectos jurídicos do litígio, o acórdão recorrido começou por qualificar o contrato em causa como comissão comercial, em estrita consonância, aliás, com a sentença apelada.

Relativamente ao aspecto fulcral do litígio – a licitude da cessação de tal contrato, determinada pela recorrida, discutindo-se se se trataria de denúncia formulada sem respeito pelo prazo de pré aviso consagrado na cl. 6ª do contrato, ou antes de rescisão operada ao abrigo da cl. 7ª, al. a) da dita relação contratual – a sentença apelada havia considerado que a respectiva cessação encontrava suporte na referida cl. 7ª a), assentando no desaparecimento das condições que permitiam a continuação da exploração da estação de serviços em causa, em consequência da determinação da R. CC em alienar o referido posto de combustível, em consequência da perda de rentabilidade do negócio – entendendo ainda que fora respeitado o princípio da boa fé contratual, não tendo existido uma cessação imotivada do contrato que pudesse originar um direito de indemnização, nomeadamente o decorrente da cláusula penal estipulada na cl. 6ª , segundo §.

  1. Sobre esta matéria essencial à dirimição do litígio considerou a Relação no acórdão recorrido: Admita-se, no entanto, que, realmente, quem detinha a qualidade de mandatário/comissário era o apelante – e só ele, dado que, patentemente, o seu cônjuge, não teve, na conclusão do contrato, a mínima intervenção.

    Como se observou, a sentença impugnada concluiu pelo carácter motivado da extinção do contrato, motivação que, segundo aquele acto decisório, decorre da razão determinante da venda do posto: a perda de rentabilidade do negócio. Perda que se subsumiria à previsão da cláusula 7.ª al. a) do contrato, de harmonia com a qual à apelada assistiria o direito de rescindir, a qualquer momento, sem qualquer indemnização da contraparte, o contrato, se não estivessem reunidas as condições que permitissem a continuação da exploração, por ela, da estação de serviço.

    Segundo os apelantes, um declaratário normal, colocado na sua posição, interpretaria a cláusula como relativa a situações imprevisíveis, anormais, irregulares ou de força maior, a quaisquer situações desconhecidas e não controláveis pelos outorgantes. Qualquer outra interpretação teria de ser afastada dado que um homem normal colocado na posição dos autores não iria fazer investimentos e assumir obrigações sabendo que a contraparte podia matar o contrato a qualquer momento, devendo a questão ser analisada a partir da equivalência das prestações, equiparando os direitos a rescindir o contrato por parte da recorrida com os direitos dos autores, como forma de dar conteúdo concreto à cláusula.

    De harmonia com o grande princípio da interpretação negocial - dominado pela conhecida doutrina da impressão do destinatário - o sentido decisivo com que a declaração há-de valer é que aquele que se obtém do ponto de vista de um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante (artº 236 nº 1 do Código Civil). Deve, pois, tomar-se o declaratário efectivo, nas condições reais em que se encontra e, presumindo que é uma pessoa razoável e normal, medianamente instruída e diligente, verificar o sentido que objectivamente atribuiria à declaração de vontade inserta naquela cláusula.

    À luz deste critério, a apontada cláusula deve ser entendida com o sentido de permitir a desvinculação da apelada sempre que ocorresse qualquer circunstância superveniente que, objectivamente, alterasse, em termos tais, as condições, v.g. económicas, de exploração da estação de serviço, que não permitisse, de harmonia com critérios de racionalidade, a continuação, por aquela, dessa actividade – sempre que se verificasse qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, não lhe fosse exigível a continuação da relação contratual, i.e., todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim.

    O resultado interpretativo que, de todo, a cláusula não comporta, é o que a reduza a factos exteriores a qualquer dos contraentes – desde logo porque, patentemente a cláusula foi disposta em favor de um só deles - a apelante - e muito menos a casos fortuitos ou de força maior. É o que decorre da análise do conteúdo destes dois últimos conceitos. A doutrina mais clássica caracterizava de forma idêntica as duas figuras. Assim, o caso fortuito, em sentido lato, compreenderia todos os factos produtivos da impossibilidade de cumprir que o devedor, atendo o grau de diligência a que deva considerar-se obrigado, não possa evitar . Apesar da multiplicidade de critérios adiantados para fazer o distinguo entre ambos , a doutrina orienta-se, praticamente, pelo conceito clássico de caso fortuito – considerado sobretudo na perspectiva da imprevisibilidade do facto – e destacando na força maior a ideia de inevitabilidade do efeito – guerra, terramoto, naufrágio, bombardeamento, tempestade. Na força maior caberiam, de modo especial, os impedimentos resultantes de forças da natureza – o abalo sísmico, a inundação grave, etc. – ou de actos insuperáveis da autoridade pública ou mesmo de particulares – a realização de obras públicas de demolição ou desaterro, a ocupação militar, etc. A força maior caracterizar-se-ia, portanto, pelo carácter irresistível, inevitável, da causa do facto: o facto ocorre devido a uma força superior à qual não se pode resistir, ainda que seja previsível: guerra, inundação, sismo, ou acto de autoridade – factum principis. Como quer que seja, as notas individualizadoras das duas figuras apontam...

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