Acórdão nº 106/12.3TREVR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelMANUEL BRAZ
Data da Resolução09 de Julho de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: No Tribunal da Relação de Évora, a procuradora-adjunta Drª AA, mediante pronúncia, foi submetida a julgamento, pela prática de um crime de denegação de justiça e prevaricação p. e p. pelo artº 369º, nº 1, do Código Penal e outro de falsificação de documento p. e p. pelo artº 256º, nºs 1, alínea d), 3 e 4, do mesmo código, tendo, no final, sido proferida decisão de absolvição relativamente a ambos os ilícitos.

Do acórdão que assim decidiu, o MP interpôs recurso, concluindo a sua motivação nos termos que se transcrevem: «1- O acórdão absolutório proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, que julgou, em 1ª instância, a arguida AA, magistrada do Ministério Público, pronunciada pelos crimes de prevaricação previsto e punido pelo artigo 369° n° 1 do Código Penal, como autora material e, bem assim, como autora mediata ou moral de um crime de falsificação de documento previsto e punido pelo artigo 256° n° 1 aI. d), n° 3 e n° 4 do Código Penal, cometeu erro de julgamento sobre a legalidade da prova, erro que afectou a apreciação probatória e que se constituiu em erro de julgamento em matéria de direito como cometeu erro de julgamento da matéria de facto.

2- Da fundamentação do acórdão absolutório resulta que não foram valoradas as declarações prestadas pela arguida, no inquérito, perante magistrada do Ministério Público, no dia 03-05-2013, no estrito cumprimento do estatuído no artigo 141° n° 4 aI. b) e 144° n° 1 d) do CPP, declarações estas lidas em audiência, de acordo com o estatuído no artigo 357° al. b) e 355° n° 2 do CPP, com o argumento de que, porque a arguida, em audiência, se remeteu ao silêncio, houve ausência de oralidade, imediação e contraditório daí resultando a neutralização de tais declarações que, ao fim ao cabo, foram transformadas numa prova proibida.

3- A oralidade e a imediação, como princípios estruturais da fase da audiência de discussão e julgamento, comportam constrangimentos, designadamente, os previstos nos artigos 355° n° 2, 356° e 357° do CPP de que é paradigma o caso dos autos – cfr. artigo 357° n° 1 al. b) – constrangimentos estes que não consubstanciam qualquer derrogação dos aludidos princípios na medida em que são meios de prova que são reproduzidos e renovados em audiência.

4- Constitui violação legal ao estatuído no artigo 355° n° 2, artigo 357° n° 1 aI. b), artigo 141° n° 4 aI. b) e artigo 144°, todos do CPP, a invocação da falta de imediação e oralidade, porque a arguida se remeteu ao silêncio em audiência, normas estas que foram mal interpretadas e violadas pelo tribunal a quo.

5- As declarações validamente prestadas na fase de inquérito e lidas em audiência, de acordo com os ditames legais acima indicados, não podem ser reconduzidas, por parte do julgador, a uma prova proibida.

6- A perfilhar-se o entendimento do acórdão recorrido chegar-se-ia à absurda realidade de com a disponibilidade legítima do direito ao silêncio, por parte do arguido, se retirar eficácia a actos processuais validamente praticados, de forma retroactiva, e apagar, com esse mesmo silêncio, declarações anteriores validamente prestadas.

7- O contraditório pressupõe alteridade e nada tem a ver com o exercício voluntário do direito ao silêncio por parte do arguido, em audiência de discussão e julgamento que, no caso, é a fonte da prova. Por isso, foi tal princípio constitucional, a despropósito, invocado.

8- Ao violar, nos termos em que o fez, o disposto nos artigos 141° n° 4 al. B), 144° n° 1 al) d), 355° e 357° n° 1, al. b) do CPP, incorreu o tribunal a quo em erro de julgamento em matéria de direito que deve ser corrigido por forma a que as declarações lidas em audiência sejam tidas em conta na formação da convicção do tribunal.

9- O tribunal a quo absolveu a arguida da prática dos crimes pelos quais foi pronunciada não só por não ter valorado as declarações que prestou em inquérito, lidas em audiência, nos termos acima indicados, como porque considerou que nenhuma prova (positiva, entenda-se) foi feita que permitam imputar-lhe a prática dos indicados crimes.

10- Consideram-se incorrectamente julgados os factos dados como não provados sob os n°s 2, n° 4, n° 10, n° 11, n° 14, n° 15, n° 16 e n° 18° da matéria de facto dada como não provada.

11- Considera-se que a prova, que a seguir se indicará, impõe se considerem provados os factos constantes no n° 2 aI. a) – à excepção de que tivesse sido transmitido à arguida a hora exacta da detenção – al. d) e n° 4 – com a modificação factual de que o cabo BB perguntou à arguida se se trataria de uma situação para proceder à manutenção da detenção (e não à detenção) – n° 10 aI. d), f) e n° 11, n° 14, n° 15, n° 16 e n° 18.

12- Impõe decisão diversa da recorrida a prova positiva dos factos acima indicados, designadamente, as próprias declarações da arguida que assume que tomou conhecimento que o Assistente agredira um agente de autoridade que, nessa sequência, tinha sido conduzido à esquadra, que fora receber tratamento hospitalar e que não tinha documentos de identificação. Como resulta de forma inequívoca que instruiu o seu interlocutor – o cabo BB – para que o Assistente ficasse ininterruptamente detido durante o fim de semana, instrução que transmitiu entre as 10h24m e as 10h34m, conforme registo de listagens telefónicas a fls. 212 a 215/280 a 283, onde consta que a duração desta chamada foi de 10m e 26 segundos.

13- Como o depoimento da testemunha CC indica que no local da ocorrência, antes das 9H00, comunicou a detenção do Assistente ao cabo BB que lhe disse que ia contactar a senhora procuradora de turno (o que fez, conforme matéria de facto dada como provada sob o n° 10) e, ainda, que aquando da alta hospitalar (sua e do Assistente) recebeu instruções, antes das 10h53m, para conduzir o Assistente para o posto policial de Loulé, onde havia cela para o acomodar, e onde este deveria permanecer detido durante o fim de semana para ser presente no Tribunal de Loulé, na segunda feira, dia 03-09-2012, por instruções da senhora procuradora de turno, a aqui arguida – depoimento parcialmente transcrito na motivação, para onde se remete.

14- Como o registo da chamada telefónica e as próprias declarações da arguida indicam que esta falou, pelas 10h24m, com o cabo BB, durante 10m02, conforme listagens de fls. 212 a 215/280 a 283 tendo-lhe transmitido que o Assistente deveria ficar detido e ser presente na segunda-feira seguinte no Tribunal de Loulé.

15- A sequência cronológica dos factos – a detenção do Assistente, cerca das 8h00, a comunicação da detenção ao cabo BB, ainda no local do acidente, a primeira tentativa de contacto telefónico com a magistrada de turno logo pelas 9H02, a ordem dada pelo cabo BB ao CC antes da alta hospitalar e sequencial à conversação telefónica mantida com a arguida de que resultou que o Assistente fosse encaminhado para a esquadra de Loulé e ficasse detido até segunda-feira a que acresce o teor do próprio auto de noticia (veja-se o artigo 169° do CPP) e os factos nele consignados, designadamente que a magistrada do Ministério Público, de turno, fora contactada pelas 12H05m quando o foi pelas 10H24, em conjugação com as regras da experiência comum e as práticas ancestrais nestas matérias impõem uma modificação da matéria de facto por forma a firmarem-se como provados os factos acima especificados e nos termos indicados.

16- Sendo que as deduções e induções e as regras da experiência permitem, também, firmar que a arguida eximiu-se ao conhecimento formal da situação, não dando ordem para que o detido fosse presente, nesse dia de sábado, no tribunal de turno, e fosse encaminhado para Loulé e que a situação de privação de liberdade não fosse objecto de controlo de legalidade por parte da autoridade judiciária competente, no caso ela própria, actuando de forma voluntária e consciente.

17- Apontando a prova já indicada para que se considere provado que a arguida, ao tomar conhecimento da detenção do Assistente, omite voluntariamente tomar as providências que lhe cumpriam face ao conhecimento desta situação por forma a assegurar que não fosse ultrapassado o prazo das 48H previsto na lei.

18- A decisão recorrida erra, ainda, na interpretação que faz do disposto nos n°s 4 e 5 do artigo 369° do Código Penal quando considera que só há crime de prisão ilegal quando há um excesso de prazo e que este, no caso, não é imputável à arguida. .

19- Resulta da versão da arguida que esta teria ordenado a prisão do Assistente fora de flagrante delito e sem mandado, situação que...

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