Acórdão nº 208/08.0TBPNH.C2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução09 de Julho de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]: AA e BB, residentes na Rua ..., nº ..., ..., ..., propuseram a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra a “CC”, com sede em ..., concelho de ..., e “DD- ..., SA”, com sede na Rua ..., nº ...º dto, Lisboa, pedindo que, na sua procedência, as rés sejam condenadas, solidariamente, a pagar aos autores a quantia global de €416.859,00, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, em consequência da morte de seu marido e pai, respetivamente, sobrevinda por força da queda no interior de um poço, a céu aberto, existente num terreno, afeto ao regime de caça livre, propriedade da ré “Fábrica da Igreja Paroquial de ...”.

Os autores alegam, para tanto, e, em síntese, que, no dia 7 de Novembro de 2004, GG foi caçar, para ..., numa zona que incluía um terreno, propriedade da ré “Fábrica da Igreja Paroquial de ...”, denominado “...”, tendo o mesmo sido encontrado pelos companheiros, no dia seguinte, no interior de um poço, cheio de água, com uma profundidade de cerca de oito metros, envolto em vegetação e tapado por um manto de fetos, que não se encontrava vedado ou equipado com qualquer cobertura eficaz, mas antes encoberto pela vegetação e, dificilmente, detetável a olho nu.

A morte do GG deveu-se a asfixia, por afogamento, por ter caído no poço, propriedade da “Fábrica da Igreja Paroquial de ...”, que, em violação do disposto pelo artigo 42º, nº1, do DL 310/2002, de 18 de Dezembro, não se encontrava tapado.

O referido poço havia, anteriormente, estado afeto à exploração mineira, até 1982 ou 1984, sendo um anexo da mina de urânio para bombear água, mas que, aquando da entrega do terreno, não foi fechado com placa sólida.

A exploração de urânio, na referida mina, estava, inicialmente, a cargo da “EE- EE”, seguindo-se-lhe, depois, a FF, que foi integrada na ré DD, actualmente, responsável pelas jazidas minerais.

Porém, prosseguem os autores, não tendo ocorrido o encerramento da exploração mineira, ou não tendo o mesmo homologação da tutela ministerial, a exploração mineira continua ainda a pertencer, actualmente, à ré DD, integrando-se em área incluída no projecto para medidas de recuperação ambiental, nos termos do DL nº 198-A/2001, de 6 de Julho, lançado no ano de 2007.

A isto acresce que, se a ré DD tivesse implementado o atempado encerramento, com recuperação ambiental da zona onde se situava o poço, não teria ocorrido o acidente, que, assim, é imputável aquela.

Não obstante, nem a ré proprietária, nem a ré, entidade mineira, impediram que aí se pudesse empreender o regime de caça livre, a primeira sabendo que a entrega da propriedade não fora, devidamente, homologada, e a segunda por ter entregue o terreno, sem o devido tratamento a que estava obrigada, sendo, portanto, ambas responsáveis pelo facto ocorrido, incluindo pelo ressarcimento dos danos peticionados.

Na contestação, a ré “CC” conclui pela sua ilegitimidade e, a não se entender assim, pela improcedência da acção, no que a si respeita, reconhecendo ser proprietária do terreno em causa, mas que, desde 1965 e até à presente data, deixou de ter o seu uso, bem como deixou de exercer qualquer utilização no prédio, dado que o mesmo sempre serviu para a exploração mineira de urânio, através de contrato celebrado com a, então, EE, segundo refere, actual DD.

Assim, nunca exerceu sobre o prédio qualquer acto próprio de proprietário e, mesmo depois do fim da exploração mineira, não tomou posse direta sobre o imóvel, dado que nunca existiu o acto de encerramento homologado pela tutela, continuando a exploração mineira a pertencer à entidade mineira, actualmente, a DD, sendo esta a entidade responsável pelas jazidas minerais, dado que aceitou todos os ativos e passivos da FF, com os correspondentes direitos e obrigações.

Acrescenta ainda que, independentemente de ter ou não havido ato de homologação, a FF deveria ter procedido à aplicação de todas as medidas de higiene e segurança, nomeadamente, com vedação e sinalização de toda a área e, no caso dos poços, fecho das suas bocas, sendo sempre tal tratamento da responsabilidade do explorador, sendo certo, por outro lado, que os atuais membros da “CC”, sucedendo àqueles que, inicialmente, cederam a exploração do terreno, desconheciam a presença do poço e sempre estariam convencidos de que, a existir um poço, o mesmo teria sido, convenientemente, tapado, pela entidade mineira responsável.

Por seu turno, a ré “DD, SA”, na sua contestação, impugna os valores peticionados e conclui pela improcedência da acção, no que a si concerne, sustentando, em síntese, não ter qualquer responsabilidade pelo sucedido, desde logo, porque os terrenos arrendados pela ex-EE à “CC” não abrangem o local onde se situa o poço, não se situando, sequer, este no prédio rústico que foi arrendado.

Mas, ainda que assim fosse, nunca a DD teria qualquer responsabilidade, na medida em que, quando a ex-EE cessou a exploração mineira subterrânea, passando as suas actividades a resumir-se à lixiviação estática, a céu aberto e em velhos desmontes da antiga mina, a FF prosseguiu, em 1977, apenas com estas actividades, que cessaram, total e definitivamente, no ano de 1982, não tendo o poço sido aberto por nenhuma delas.

Refere ainda que, após 1982, a FF procedeu aos trabalhos de segurança necessários antes do encerramento das minas e que a área arrendada foi restituída, em 1984, à “CC”, tendo esta declarado aceitar o imóvel, na situação em que se encontrava, sendo certo que, ao contrário do referido pelos autores, a extinta FF não carecia de homologação ministerial para a aprovação do plano de fecho da mina.

Por outro lado, alega que o poço em causa não era um anexo mineiro e ainda que, de uma ou outra forma, nunca a DD, por via de sucessão, poderia ser responsável pelo acidente ocorrido nos autos, dado que nunca foi integrada na FF e, à data em que foi efetuada a transmissão dos activos e passivos (2005), a FF não era, sequer, responsável pela exploração mineira, sendo que as concessões de exploração mineira caducam com a extinção das concessionárias.

Alega, também, que, apenas, depois de ter sido regulamentada a recuperação ambiental das áreas mineiras degradadas, com o DL nº 198-A/2001, serviço público que foi atribuída à “Exmin, S.A”, hoje pertença da DD, não lhe podem ser assacados ou imputados quaisquer danos, dado que se limita a recuperar zonas mineiras por cuja exploração não foi responsável.

A sentença “julgou improcedente a acção e, em consequência, absolveu a ré “CC” dos pedidos contra si deduzidos pelos autores AA e BB, e a ré “DD, …, S.A” dos pedidos contra si deduzidos pelos autores, AA e BB”.

Desta sentença, os autores interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação “concedido parcial provimento ao recurso interposto, julgando, por decorrência, a acção parcialmente procedente, em consequência do que se condenam as rés, “Junta …. ou CC” com sede em … e “DD- …, S.A”, com sede na Rua …, nº... dto, Lisboa, a pagar solidariamente aos AA. a quantia global apurada e explicitada, em decorrência do pedido formulado e da prova produzida, de €249.280,00 (duzentos e quarenta e nove mil e duzentos e oitenta euros)”.

Do acórdão da Relação de ..., as rés interpuseram agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, mantendo-se a decisão proferida em 1ª instância, formulando as seguintes conclusões, que, integralmente, se transcrevem: A RÉ CC: 1ª - Os AA., embora façam referência no objeto do recurso a todo o teor da decisão recorrida, perscrutando a sequência das suas alegações resulta de forma clara e inequívoca que as suas alegações excluem a parte da Douta Sentença que absolveu a R. CC do pedido formulado; 2ª - Os AA. aceitaram o conteúdo da decisão que lhes foi aplicada e apresentaram os respetivos argumentos o que face a tal circunstancialismo e dado que o objeto do recurso não beliscava em nada a pretensão e alegação apresentada pela R. BB, conformando-se com a decisão e com o teor do recurso apresentado e não contra-alegou; 3ª - O objeto do recurso tinha como limites a absolvição da R. CC e condenação da R. DD, com a exclusão da R. CC que havia sido já absolvida e cujas alegações de recurso, nessa parte, não a contraditaram; 4ª - No caso em análise resulta claro e inequívoco que as conclusões formuladas pelos AA. Recorrentes não padecem de deficiência, antes pelo contrário nas conclusões, tal como nas próprias alegações de recurso, o que os AA. pretenderam foi excluir do objeto do recurso a responsabilidade da R. CC; 5ª - As transcrições, quase inexistentes, da sentença na parte que dizem respeito à R. CC, e que constam das alegações de recurso têm um carater instrumental e demonstrativo da contradição existente na decisão proferida, e não a natureza de verdadeiras conclusões em sentido técnico-jurídico; 6ª - Não estamos perante duas decisões distintas, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença lhe for desfavorável; 7ª - Os AA, ao pedirem a condenação solidária das rés a pagar aos autores a quantia global de 416.859,00€ colocaram ao tribunal duas questões ou pretensões, tudo se passando como se houvessem formulado dois pedidos distintos: a condenação da R. CC a pagar-lhes a quantia global de 416.859,00€ e a condenação da R. DD a pagar-lhes a mesma quantia (em termos solidários). E não como entendeu o Acórdão recorrido que assenta no fundamento de que existiu apenas uma decisão na sentença a qual tem por objeto a decisão que julgou a ação improcedente e em consequência absolveu ambos os RR; 8ª - Os apelantes restringiram na parte conclusiva da alegação o objeto inicial do recurso à parte decisória relativa à absolvição da R. DD do pedido. Assim, impõe-se a restrição para reapreciação pelo Tribunal ad quem apenas à responsabilidade da R. DD, é o que resulta do conjunto das conclusões e da alegação dos apelantes; 9ª - Os apelantes omitiram, nas conclusões...

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