Acórdão nº 99/09.4TBOER.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução18 de Junho de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1. AA (A.) instaurou, em 02/01/2009, junto do Tribunal Judicial de Oeiras, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra a BB (1.º R.) e CC - Representação e Distribuição, Ldª(2.ª R.), alegando, em resumo, que: .

A A. é cantora de música brasileira de reconhecido mérito e popularidade a nível mundial e a 2.

a R. dedica-se à importação e distribuição de produtos fonográficos e derivados; .

No exercício da sua atividade profissional, a A. realizou, em julho de 2000, um concerto em Estugarda, na Alemanha, no âmbito do qual celebrou com a organização desse concerto um contrato pelo qual lhe concedeu o direito de gravar a sua atuação no aludido concerto, mas apenas para ser utilizada com fins exclusivamente promocionais e limitada ao território da Alemanha, Áustria e Suíça, tendo ficado estipulado, além do mais, que essa atuação nunca poderia ser empregue para fins comerciais, nomeadamente videogramas, fonogramas, emissão via internet, venda a terceiros, sem o consentimento escrito da A.; .

No início de 2006, a A. teve conhecimento que haviam sido fabricadas, divulgadas e postas à venda várias cópias de um vídeograma e de um fonograma intitulado DD - Live in Concert, que reproduzia a sua atuação no concerto de Estugarda, sem que tivesse dado qualquer autorização para tal efeito; .

Em Portugal, a entidade que procedeu à distribuição e venda de tais produtos foi a 2.ª R., gerida pelo 1.º R., motivo pelo qual a A. e seus representantes contataram de imediato aqueles, informando-os da situação e da ilegalidade de tais fonogramas e videogramas por inexistência de autorização da artista, pretendendo chegar a acordo com estes, mas os R.R. não procederam à cessação da distribuição e venda de tais produtos; .

Quando concede autorização de distribuição e venda de obras suas, a A. cobra um montante fixo nunca inferior a € 20.000,00, acrescido de um montante variável equivalente a 20% do preço de venda ao público de cada artigo vendido; .

No caso dos autos, a A. não auferiu tais valores, apesar de os R.R. terem comercializado uma obra sua, o que se traduz num prejuízo para aquela derivado da conduta destes; .

Além disso, com diligências, investigações, reuniões e advogados, para que os R.R. pusessem termo à sua conduta ilícita, a A. despendeu valor não inferior a € 15.000,00; .

Por outro lado, a A. é conhecida pela elevada qualidade dos seus trabalhos e obras, seja em termos vocais, seja em termos técnicos de edição, sendo que os produtos que os R.R. comercializaram são de muito fraca qualidade, com o som deficiente e apresentando falhas, com os títulos das músicas errados ou trocados, motivo pelo qual a A. viu a sua honra e reputação profissionais gravemente afetadas, causando-lhe preocupação e angústia.

Concluiu a A. a pedir que os R.R. fossem, solidariamente, condenados a pagar-lhe: A – A título principal: a) – a quantia de € 35.000,00, relativamente aos danos patrimoniais, acrescida dos valores a apurar em sede de liquidação de sentença; b) – a quantia de € 20.000,00, por danos não patrimoniais; c) - os juros de mora sobre tais quantias, vencidos desde a data de citação e vincendos até integral pagamento; B - Subsidiariamente, na impossibilidade de se determinar o concreto prejuízo da A., a indemnização fixada com recurso à equidade, nos termos do art.º 211.º, n.º 5 e 6, do CDADC.

  1. Os R.R. contestaram a ação, em que, no que aqui interessa, além de excecionar a ilegitimidade do 1.º R., impugnaram os factos constantes da petição inicial, sustentando, no essencial, que: .

    Os fonogramas e videogramas em causa foram adquiridos a uma empresa alemã denominada “EE”, a qual lhes assegurou possuir as autorizações necessárias para comercializar tais produtos, nomeadamente em Portugal; .

    A 2.ª R. efetuou junto do IGAC um pedido de autorização de distribuição dos DVD’s e solicitou um reforço de selos, tendo o IGAC permitido a tal distribuição; .

    Nessas circunstâncias, a 2.ª R. fez seguir os Dvd's para o circuito comercial de venda nas lojas, nomeadamente na FNAC, atuando sempre no pressuposto de que tudo estava devidamente licenciado e autorizado; .

    Quando receberam a informação, por parte da A., de que não havia dado autorização para o DVD e CD II DD, os R.R. contataram logo a “EE”, a qual voltou a informar que as autorizações haviam sido dadas, mas, mesmo assim, os R.R. retiraram de imediato do mercado os mencionados produtos, não lhes podendo ser assacada qualquer responsabilidade pelos danos sofridos pela A., já que não atuaram de forma ilícita e culposa; .

    Sabendo a A. que os R.R., depois de interpelados por ela, deixaram de importar os fonogramas e videogramas, litiga agora com má fé, devendo ser condenada em multa e indemnização.

    Concluem os R.R. pela absolvição da instância quanto ao 1.º R. e, no mais, pela improcedência da ação.

  2. A A. deduziu réplica, a sustentar a improcedência da exceção de ilegitimidade do 1.º R., já que este responde na qualidade de gerente pelos atos praticados em nome da 2.

    a R., nos termos do art.º 79.º do CSC, impugnando ainda o alegado pelas R.R., no tocante à existência de autorização assegurada pela empresa alemã “EE” e concluindo pela improcedência do pedido da sua condenação como litigante de má fé.

  3. Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual foi julgada improcedente a invocada exceção de ilegitimidade do 1.º R., sendo, seguidamente, selecionada a matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória.

  4. Realizada a audiência final e decidida a matéria de facto controvertida pela forma constante do despacho de fls. 949 a 957, foi proferida a sentença de fls. 961 a 986, datada de 29/10/2013, a julgar a ação parcialmente procedente, condenando-se os R.R. a pagar à A.: a) – a quantia de € 35.000,00, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento; b) - a quantia de € 20.000,00, por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença também até efetivo pagamento; c) – e ainda, como litigantes de má fé, a quantia de € 5.000,00, além da multa de 5 UC. 6.

    Inconformados com tal decisão, os R.R. apelaram dela para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo sido proferido o acórdão de fls. 1087 a 1107, datado de 09/07/2014, a julgar a apelação procedente com a consequente absolvição dos R.R. dos pedidos e dando sem efeito a condenação destes como litigantes de má fé, por se concluir que: - Tendo a Ré importado da Alemanha diversos videogramas e fonogramas, da mesma empresa alemã, que se afirmava proprietária dos mesmos, e tendo a Ré enviado a necessária documentação para a Inspecção Geral das Actividades Culturais a qual concedeu autorização à distribuição dos mesmos em Portugal, há que entender que a Ré actuou com a diligência normalmente exigível a uma empresa do ramo.

    - Vindo a artista, cujo espectáculo figura num dos videogramas e fonogramas importados, alertar a Ré para a falta de autorização sua para a gravação para fins comerciais do mesmo, e não se provando que perante tal informação a Ré tenha continuado a vender ou a importar tais fonograma e videogramas, não se demonstra a actuação culposa da mesma Ré.

  5. Desta feita, inconformada agora a A. com tal decisão, veio recor-rer de revista, a pugnar pela confirmação da condenação dos R.R. nas quantias peticionadas com fundamento em responsabilidade extracontratual, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - A culpa, na forma de mera culpa ou negligência – como a que aqui está em crise -, consiste sempre num atuar do agente sem que proceda com o cuidado a que, segundo as circunstâncias concretas, está obrigado e de que é capaz; 2.ª - O padrão pelo qual se mede a existência e o grau de culpa do lesante é o de um homem normal, medianamente sagaz, prudente e cuidadoso; 3.ª - O Tribunal ignorou os passos essenciais para a averiguação de existência de culpa dos R.R., pois não cuidou de verificar os conhecimentos e qualidades dos R.R., nem a totalidade dos factos em que se consubstanciou a situação concreta; 4.ª - Os R.R., atentos os seus 15 anos de experiência no sector da distribuição de música, mais do que se encontravam em condições de cumprir com os deveres de diligência e cuidado esperados de um homem médio, de um “bonus paterfamilias”: os seus conhecimentos e experiência colocavam as capacidades dos R.R. bem para além do homem médio; 5.ª - Estando os R.R. na posse de experiência e conhecimentos que ultrapassam, em muito, os do homem médio, sempre a sua conduta teria de ser apreciada à luz de um padrão de exigência mais elevado, só assim sendo possível ajuizar, com justo rigor, se estes agiram de forma culposa; 6.ª - O facto de as obras que os R.R. distribuíram terem má qualidade era, por si só, profundamente suspeito, pois se um homem médio poderia considerar estranho que uma artista da dimensão da A. tivesse colocado no mercado um produto cuja qualidade de som e de imagem estava muito abaixo da média, mais o consideraria um profissional que operava no meio há 15 anos; 7.ª - O Tribunal “a quo” não tem conhecimentos técnicos, nem se socorreu de qualquer elemento no processo, por este inexistir, para afirmar que não é anormal que a qualidade de som e de imagem da obra distribuída pelos R.R. fosse pior, por se tratar de um concerto gravado ao vivo e não num estúdio de gravação, resultando dos autos a gravação, com qualidade, de um concerto ao vivo é perfeitamente possível; 8.ª - A gravação ao vivo, por outro lado, não explica nem justifica que a obra distribuída pelos R.R. contenha erros nos nomes das músicas; 9.ª - Se os factos acima discutidos não bastassem para pôr de sobreaviso os R.R., sempre teria ainda que se ter em conta que: (i) à data dos factos, estava em comercialização uma outra obra da A.; (ii) essa outra obra era distribuída pela EMI (notoriamente, uma das maiores distribuidoras de música do mundo)...

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