Acórdão nº 464/11.7TBVLN.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelANA PAULA BOULAROT
Data da Resolução02 de Junho de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I COMPANHIA DE SEGUROS X, SA, instaurou contra M, R e J, acção declarativa com processo ordinário pedindo que: a) Seja declarado que € 214.100,91 dos € 300.000,00 que os Réus receberam do Gabinete Português da Carta Verde na acção que sob o nº … correu termos pela Secção Única do Tribunal Judicial de … visam reparar os mesmos danos que o pagamento de despesas de deslocação, despesas de funeral, subsídio por morte e pensões (ou seu capital de remição) que a Autora como seguradora responsável pelo mesmo acidente na sua vertente de acidente de trabalho pagou e/ou vem pagando aos Réus em cumprimento do arbitrado no processo especial de acidente de trabalho que correu termos sob o nº … pelo Tribunal do Trabalho de …; b) Seja declarado, consequentemente, que até tal valor de € 214.100,91 está a Autora desonerada perante o Réu das suas prestações enquanto seguradora do ramo de acidentes de trabalho – artigo 31º da Lei 100/07; c) Seja declarado nestes autos o direito da Autora a ser reembolsada pelos Réus de tudo quanto até à quantia de € 214.100,91 lhe pagou e/ou vier a pagar condenando-se os mesmos a devolver-lhe as seguintes verbas: - O Réu M a quantia de € 33.573,43; - O Réu R a quantia de € 10.210,02; - O Réu J a quantia de € 10.178,01, verbas estas acrescidas de juros vencidos e vincendos até integral pagamento.

d) Os Réus sejam condenados a aceitar que a Autora. suspenda o pagamento de qualquer verba a título de pensão anual até que se perfaça o dito valor de € 214.100,91 até ao qual está desonerada enquanto seguradora do ramo de acidentes de trabalho.

Foi proferida sentença em que se julgou a acção improcedente e se absolveram os Réus do pedido.

A Autora recorreu desta sentença, tendo a apelação sido julgada improcedente e confirmada a sentença de primeiro grau.

De novo inconformada recorreu a Autora, agora de Revista excepcional, a qual veio a ser admitida, apresentando as seguintes conclusões, no que à questão fundamental de direito concerne: - O Douto Acórdão de que se recorre confirmou a sentença proferida em 1ª instância, não declarando que, dos € 300.000,00 recebidos pelos RR., € 241.100,91, ou, pelo menos, € 200.000,00 ou qualquer outro valor que o Tribunal entendesse fixar respeita a indemnização de danos patrimoniais futuros, indirectos, e, como tal, os mesmos que a Recorrente vem reparando, na sua qualidade de seguradora do ramo de acidentes de trabalho, tudo no âmbito de um acidente de viação que foi, simultaneamente, acidente de trabalho.

- Ambas as instâncias passaram ao lado do objecto do litígio, do principal pedido formulado, julgando improcedente a causa por apreciarem um pedido que não aquele e invocando, em abono da solução que declararam, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 22.06.2011, Proc. 71- A/ 1990.P1.S1 in dgsi, o qual, salvo o devido respeito, nada tem que ver com o caso dos autos - A decisão da primeira instância, assim como a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, ao não perceber nem apreciar o pedido da Recorrente e ao não discriminarem o quantum da indemnização global cível dos Recorridos respeita aos mesmos da nos que a Recorrente vem pagando, enquanto seguradora de acidentes de trabalho, violam princípios de tal modo estruturais do nosso ordenamento e sistema Jurídico que são, verdadeiramente, violadores da ordem pública, devendo por isso ser expurgados da ordem jurídica, cujos princípios e valores norteadores a repudiam.

- As decisões em crise são verdadeiramente violadoras de tais princípios e valores básicos da nossa ordem jurídica, impondo uma má aplicação do Direito, o que só através do presente recurso de revista excepcional se poderá extirpar da nossa ordem jurídica.

- Muitos dos acidentes de viação, rodoviários, são, simultaneamente, acidentes de trabalho, tratando-se do anteriormente designado acidente in itinere, assumindo por isso uma dupla natureza.

- Não só é reconhecido pelo nosso direito positivo (Arts. 31º Lei 100/97 e 17º da Lei 98/2009) que o cumular de indemnizações por um mesmo acidente, quando reveste a dupla natureza de acidente viação e de acidente de trabalho é inadmissível, como ainda tal inadmissibilidade resulta da consideração da ordem pública e dos bons costumes vigentes.

- O cumular de tais indemnizações choca os valores sócio-culturais dominantes, de cuja ofensa pode resultar, por isso, alarme social, pelo menos na medida em que põem em causa a eficácia e credibilidade do Direito.

- Foi mal decidida a reclamação à Base Instrutória tempestivamente formulada pela recorrente, devendo, com vista á boa apreciação e instrução da causa, indagar-se se a matéria de facto vertida no Art. 30º da PI, de modo a saber-se se, como referiu a Mma. Juiz a quo, “no acordo judicial alcançado quanto ao pedido cível dos Réus, foram considerados os valores parcelares aí referidos”.

- O que releva é se a parte alegou ou não factos. Tendo-os alegado, releva apurar através da instrução se são ou não verdadeiros e, a final, apreciar a sua conduta, até para efeitos de condenação como litigante de má-fé.

- Dado que a Recorrente alegou foram factos que a verba indemnizatória A foi reduzida para B, que a verba C foi reduzida para D, e assim sucessivamente, e dado ainda que tais factos perfeitamente essenciais à apreciação e boa decisão da causa, ao decidir como decidiu, o Tribunal “a quo” violou o disposto no Art. 508º-A nº 1 al. e) e 511º nº 1 e 2 do Cód. Proc. Civil. violações estas que, têm óbvia influência no exame e decisão da causa.

- O que determina que deverá ser anulada a sentença proferida e ordenada a ampliação da base instrutória, para que se conheça da matéria alegada pela Recorrente a qual tem interesse na apreciação de tal questão, de resto vital para a boa apreciação da causa assim como para a sua correcta decisão.

- Como estabelecido pelos nº 2 e 3 do Art. 662º CPCiv (actual) tem que ser anulada a decisão de 1ª instância e ordenada a ampliação da Base Instrutória, a ampliação da matéria de facto, com a inerente repetição do julgamento quanto a tal matéria, - O tribunal não percebeu e nem sequer apreciou a questão essencial que lhe foi pedido conhecesse, não se apercebeu nem decidiu o verdadeiro objecto do litígio - O pedido primeiro e essencial dos autos é que seja declarado que determinada verba, in casu, € 214.100,91 dos € 300.000,00 recebidos visam reparar os mesmos danos que o pagamento de despesas de deslocação, despesas de funeral, subsídio por morte e pensões (ou seu capital de remição) que a Recorrente como seguradora responsável pelo mesmo acidente na sua vertente de acidente de trabalho pagou e/ou vem pagando aos RR. em cumprimento do arbitrado no processo especial de acidente de trabalho que correu termos sob o n° … pelo Tribunal do Trabalho de …; - Os Tribunais nunca ficam vinculados às alegações das partes - cfr. nº3 do Art. 5° NCPCiv.

- A decisão em crise não o conheceu mas o objecto essencial da lide era apurar que valores recebidos pelos Recorridos na transacção cível que efectuaram com o Gabinete Português da Carta Verde visam reparar os mesmos danos patrimoniais que a Recorrente vem reparando enquanto seguradora responsável pelo acidente na sua vertente de acidente de trabalho.

- Ocorre assim a nulidade a que se refere a al. d) do n° 1 do Art. 615° NCPCicv - O tribunal deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar.

- Para apreciação do pedido da recorrente interessava interpretar um negócio jurídico transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litigio mediante recíprocas concessões - cfr. Art. 1248º CCiv - Sendo um contrato, aplica-se à sua interpretação as regras dos Arts. 236º a 239º CCiv.

- O que determina que se tem que ter por assente que transacção efectuada abrangeu não só os danos morais ou não patrimoniais como ainda os danos patrimoniais.

- Tal resulta expressamente do teor do ponto 3º da transacção que consagra o seguinte: “3º Com o recebimento dessa indemnização decorrente do acidente dos autos, considera-se integralmente paga e nada mais há a reclamar, por danos dele decorrentes passados, presentes e futuros, seja de que natureza for.” - sic - Assim, é evidente que os danos patrimoniais, tal qual os morais, estão abrangidos pela compensação global acordada com ao Recorridos e não só os danos presentes e passados como ainda todos e quaisquer danos futuros (seja de que natureza for).

- Tentar sustentar, como fizeram os Recorridos, que nem sabiam se os danos indemnizados eram apenas os morais é, além de uma grosseira tentativa de locupletamento, uma verdadeira confissão, já que se trata de factos pessoais ou de que deviam ter conhecimento - Confissão que as instâncias não valoraram.

- Ao mesmo resultado se chega pela consideração de tais dizeres da transacção e da lei - Arts. 236°, 237° e 1248º CCiv, pois e esse e apenas esse o sentido admissível de tal cláusula contratual - Cabendo ao Tribunal apurar, pois era o que se lhe pedia, que parte dos € 300,000,00 que globalmente receberam os Recorridos visa indemnizar os danos patrimoniais que a Recorrente, enquanto seguradora de trabalho, indemnizou e continua a indemnizar ocorreu uma verdadeira omissão de pronúncia da decisão em crise - Trata-se de um verdadeiro non liquet.

- Como é aos Tribunais que cabe apurar qual a solução jurídica para o caso concreto, a decisão em crise violou grosseiramente o Art 5º nº 2 NCPCiv, - A invocação das regras de interpretação dos negócios jurídicos ou do Art. 10° CCiv ou de quaisquer outras regras ou argumentações jurídicas não são questões novas mas meras razões, fundamentos esgrimidos para conseguir deferimento para as questões já levantadas.

- Sendo a transacção de um contrato, tem inteira aplicação o estatuído no Arts. 236º a 239º CCiv quanto à interpretação do negócio celebrado.

- Do que resulta que a única interpretação que respeita o teor dos dizeres do ponto nº1 da transacção celebrada como é ainda o único sentido que um declaratário...

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