Acórdão nº 28/11.5TACVD.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução17 de Junho de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça _ Como consta do relatório do acórdão recorrido, do Tribunal da Relação de Évora: “1. No Processo nº 28/1L5TACVD do Tribunal Judicial de Castelo de Vide foi proferido acórdão em que se decidiu condenar o arguido AA como autor de dois crimes de abuso de pessoa incapaz de resistência do artigo 165°, nº2, do Código Penal, na pena de 8 (oito) anos de prisão por cada um dos delitos; de um crime de coacção agravada dos artigos 154°, nº l, e 155°, nº l, alíneas a) e b), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão; em cúmulo jurídico, na pena única de 12 (doze) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Decidiu-se ainda condená-lo, como demandado cível, no pagamento a BB da quantia de €968 (novecentos e sessenta e oito euros), acrescida de juros vencidos e vincendos, contados desde a data da notificação do pedido até integral pagamento, e do montante de €8.000 (oito mil euros), acrescida de juros acrescida de juros de mora, contados desde a data da prolação da presente decisão até efectivo e integral pagamento, este a título de danos não patrimoniais, absolvendo-o da parte remanescente do pedido.

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, concluindo: "]. "Pelos factos dados como provados o tribunal a quo condenou o ora recorrente pela prática de dois crimes de abuso de pessoa incapaz de resistência sexual p. e p. pelo art. ]65° n.º 2 do C. Penal na pena de 8 anos para cada um dos crimes; um crime de coacção na forma agravada, p. e p. pelo art. 164° n.º I e 155º n.º 1 al. a) e b) do C. Penal na pena de 1 ano e três meses de prisão.

  1. Em cúmulo foi condenado na pena única de 12 anos e 6 meses.

  2. Foi ainda condenado no pagamento da quantia de €968 (novecentos e sessenta e oito euros) e da quantia indemnizatória de €8.000 (oito mil euros) á demandante.

  3. Não se conforma, nem poderia conformar o arguido com a medida da pena, seus cálculos e matéria livremente apreciada pelo Tribunal Colectivo.

  4. Entendemos estarem preenchidos pelos menos três pressupostos do crime continuado de acordo com o disposto no art. 30°, n.º 2 do CP.

  5. Existe uma linha de continuidade psicológica que induza à persistência da prática do tipo de crime referente, havendo um s6 crime, mas continuado! 7. Existe crime continuado quando a violação plúrima do mesmo bem jurídico eminentemente pessoal é referida à mesma pessoa.

  6. Por conseguinte, deve o recorrente ser condenado pela prática de um único crime continuado.

  7. A fundamentação do presente recurso passa também pela crítica da medida da pena aplicada, mormente pelo facto de o douto Tribunal não haver decididamente optado por outra decisão.

  8. Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento não podia o Tribunal a quo a]icerçar a sua convicção e motivação da forma que concluiu, o colectivo de Juízes não apreciou com absoluto rigor toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento e junta aos autos.

  9. Referimo-nos desde já aos relatórios médicos/exames clínicos, que o recorrente realizou e indicados a apurar de forma inequívoca e cientifica se era portador do vírus do Papiloma Humano, exames que vieram a ter como resultado ser negativo.

  10. Pelo menos estaríamos perante uma dúvida séria e insuperável.

  11. A Conclusão que se retira da leitura cientifica é que clara que o recorrente não foi o transmissor da doença ao ofendido, pois que não teve qualquer contacto com aquele.

  12. Para além do mais como é possível que só 5 anos depois o ofendido tenha revelado sintomas e lesões descritas na douta sentença na pago 12 no capitulo da fundamentação da matéria de facto dada como provada, acresce que ainda que e como referido na douta sentença e que se cita:" .... justificação do hiato temporal verificado entre a data da agressão sexual e o momento do surgimento das lesões .... oscilando entre algumas semanas ... sendo estimada em três anos a média do aparecimento .... " 14. No caso em apreço falamos de mais de cinco anos.

  13. Por outra banda, e salvo o devido respeito por opinião diversa, sempre que sobrem dúvidas acerca da conduta do arguido deve, em obediência aos mais elementares princípios do direito penal, ser aquele condenado (principio in dúbio pro reo).

  14. É Jurisprudência assente que o principio in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. É um princípio que tem a ver com a questão de facto e que significa que perante factos incertos a dúvida favorece o arguido.

  15. Deverá pois, o Tribunal a quo fazer um juízo segundo as regras da experiência comum aplicada, às circunstâncias concretas da situação, tendo em vista o teor literal do preceito que define os tipos de crime e os princípios relativos à interpretação e aplicação da lei penal.

  16. A sentença recorrida violou, nomeadamente, o princípio in dubio pro reo, bem como as normas constantes do art. 71 ° do Código Penal.

  17. E por isso entendemos que da prova produzida em audiência de julgamento, resultaram fundadas dúvidas acerca do cometimento dos factos por parte do recorrente.

  18. Sem prescindir, ao decidir como decidiu o tribunal a quo violou: o princípio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127 do CPP e o princípio in dubio pro reo, consagrado no art.32.º da CRP.

    2 L Por outro lado, do texto da douta sentença recorrida, resulta a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o art.410º, n.º 2, al. a) do C.P.P.

  19. O douto acórdão recorrido tem pois que ser revogado não só por força da prova feita em audiência que pelo menos muitas dúvidas deixa quanto á pratica do recorrente dos crimes que foi condenado.

  20. O douto acórdão proferido pelo Tribunal a quo violou as seguintes normas jurídicas: artigos 30°, 40° n.º 1, 50° a 54°, 71° e79°doCP.

  21. Analisadas as circunstâncias concretas do caso ora sub judice, entende-se que foi usado um critério desadequado na dosimetria da pena, quanto ao ora recorrente, pelo que se entende que a decisão fez errónea interpretação dos Arts. 70 e 71 do CP.

  22. Desta forma, o douto Tribunal a quo esqueceu completamente a reintegração do agente na sociedade, como uma das finalidades da aplicação das penas (cfr. art. 40°, n.º I do CP), tendo-se preocupado única e exclusívamente com a sua punição.

  23. Atento todo o supra exposto, as penas parcelares, bem como a pena única aplicada ao recorrente mostram-se, assim, injustas, desadequadas e desproporcionais, por excessivas.

  24. Deverão as mesmas ser reduzidas, aplicando-se ao arguido uma pena única de 5 anos de prisão, que deverá ser suspensa na sua execução, uma vez que, tendo em conta todos os factos atrás alegados, encontram-se preenchidos os requisitos previstos no art. 50º, n.º 1 do CP.

  25. A suspensão da execução da pena poderá também ficar subordinada ao cumprimento de certos deveres e/ou regras de conduta por parte do recorrente e acompanhada de regime de prova (cfr. arts. 50°, n.º 2 e n.º 3 e 51° a 54° do CP)." O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência e concluindo por seu turno: "a. O recorrente coloca em crise a matéria de facto dada como provada, alegando que a mesma foi dada como provada por não ter sido valorado positivamente a prova produzida; b. Nos termos do artigo 410.°, nº 2 do Código de Processo Penal o recurso pode ter como fundamento, desde que o vicio resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, o erro notório na apreciação da prova; c. Para que haja erro notório na apreciação da prova é necessário que a decisão do julgador, que foi fundamentada na sua livre convicção, seja uma decisão, de entre as possíveis, aquela que é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum; d. Para que existisse erro notório na apreciação da prova necessário era que fossem dados como provados factos incompatíveis entre si, ou que fossem dados como provados factos contrários à prova produzida; e. Nos termos do artigo [27.° do Código de Processo Penal a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador; f. Assim, na valoração da prova, o julgador é livre de formar a sua convicção desde que, para tanto, a mesma não seja contra as regras da experiência, da lógica e da razão; g. Da leitura da sentença, não resulta claramente um erro notório na apreciação da prova; h. Sendo que face à fundamentação da douta sentença recorrida, assente nas provas produzidas e nas regras da experiência comum e da lógica, é evidente que a decisão do Tribunal a quo era a única que podia ser tomada, sendo inatacável precisamente porque foi proferida em obediência à lei; i. O que o Recorrente pretende é substituir a sua convicção à convicção do tribunal; j. O Recorrente não cumpriu com o estipulado na alíneas c) do n.º 3 do artigo 412.° do Código de Processo Penal, uma vez que não indica quais são as provas que, em concreto, devem ser renovadas, nem as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida uma vez que apenas pretende a reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo Tribunal a quo; k. O princípio do in dúbio pro reo não deve ser interpretado como um princípio de apreciação e valoração de prova, mas somente como um critério de resolução de dúvida insanável, ou seja, nos casos em que a prova não ultrapassa a dúvida razoável.

    I. Ora, pela leitura do acórdão não temos dúvidas que o Tribunal a quo não teve dúvidas, incertezas e hesitações sobre a culpabilidade do Recorrente, bem antes pelo contrário, demonstrando e justificando cabalmente o porquê de terem ficado provados os factos imputados ao arguido.

    m. Para que se equacionasse a hipótese de verificação de um crime continuado, teria de existir, além do mais, um circunstancialismo (externo ao arguido) que tivesse facilitado a repetição da actividade criminosa, circunstancialismo esse que tornasse cada vez menos exigível ao arguido...

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