Acórdão nº 1256/13.4TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelANTÓNIO LEONES DANTAS
Data da Resolução25 de Junho de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I AA instaurou ação declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra BB, Ld.ª pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 52.215,96, sendo: a) € 483,44, a título de retribuição de 3 dias do mês de dezembro de 2012; b) € 18.531,86, a título de retribuição de 3 meses e 24 dias, de 4 de dezembro a 27 de março, em virtude de a ré não ter emitido a competente declaração para situação de desemprego, tendo a resolução sido fixada em 4 de dezembro de 2012; c) € 4.431,53, a título de subsídio de férias correspondente a 11/12 do ano de 2012 e que se venceriam em 1 de janeiro de 2013; d) € 4.431,53, a título de proporcional de férias não gozadas do ano de 2012; e) € 19.337,60, a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho que o ligou à ré, por sua iniciativa, e com justa causa; f) € 5.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Invocou como fundamento da sua pretensão, em síntese, que foi admitido ao serviço da ré em dezembro de 2008 e que, em dezembro de 2012, resolveu com justa causa o contrato de trabalho que o vinculava à Ré, em virtude desta ter posto em causa a sua honra e dignidade profissional e ter violado culposamente as suas garantias convencionais.

A ação foi contestada pela Ré que, para além do mais, deduziu pedido reconvencional sustentando que inexistindo justa causa de resolução do contrato de trabalho a rutura contratual é de qualificar como denúncia sem pré-aviso, pelo que deverá o autor ser condenado a pagar-lhe, a título de indemnização por falta de pré-aviso, a quantia de € 6.300,00.

Pediu, ainda, a condenação do Autor como litigante de má-fé, em multa e indemnização a seu favor.

A ação prosseguiu seus termos vindo a ser decidida por sentença de 28 de abril de 2014, que integra o seguinte dispositivo: «Por todo o exposto, decide este Tribunal julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência: 1. Condenar a Ré a pagar ao autor a quantia de € 6.090,00, acrescida de juros ( …); 2. Absolver a ré do demais peticionado; 3. Condenar o autor a pagar à ré a quantia de € 6.300,00, acrescida de juros (…); 4. Não sancionar nenhuma das partes como litigante de má fé.

Custas por autor e ré, na proporção dos respetivos decaimentos.

(…).» Inconformado com esta decisão dela apelou o Autor para o Tribunal da Relação de Lisboa, que veio a conhecer do recurso interposto por acórdão de 14 de janeiro de 2015, que integra o seguinte dispositivo: «Em conformidade com os fundamentos expostos, concede-se parcial provimento ao recurso e, em consequência, decide-se: 1. Revogar a sentença recorrida, na parte impugnada; 2. Considerar que o recorrente resolveu com justa causa o contrato de trabalho que o vinculava à recorrida; 3. Condenar a recorrida a pagar ao recorrente uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base por cada ano de serviço e proporcionalmente pela fração de ano restante, devendo incluir-se nessa retribuição a prestação mensal de € 3.150,00, o valor mensal do seguro de saúde, o valor mensal do benefício económico que o autor retirava da utilização pessoal da viatura que lhe estava distribuída e o valor médio mensal das ajudas de custo, relegando-se a fixação dessa indemnização, para incidente de liquidação de sentença. 4. Absolver o recorrente do pedido reconvencional deduzido pela recorrida. 5. Condenar as partes nas custas do recurso, sendo 10% da responsabilidade do recorrente e 90% da responsabilidade da recorrida.» Irresignada com esta decisão recorre a Ré de revista para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «A) De relevante nos presentes autos, importava apreciar e decidir: a) Se no caso vertente verificou-se justa causa de resolução do contrato de trabalho do A.? b) Se o A tem direito às quantias que peticionou? c) Caso inexista justa causa de resolução, se a Ré tem direito à indemnização por denúncia do contrato com falta de pré-aviso? d) E pode compensar esse crédito com os créditos invocados pelo A? B) Para que um trabalhador possa resolver o seu contrato de trabalho, com direito a indemnização, é necessário que a conduta da entidade empregadora configure um comportamento culposo que pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

  1. A jurisprudência e a doutrina dominante têm entendido que é à luz deste mesmo conceito legal de justa causa que deve ser examinado o comportamento da entidade empregadora invocado pelo trabalhador para a resolução do contrato com direito a indemnização.

  2. Portanto, não é um mero conflito entre as partes, ou mesmo uma qualquer ofensa de uma à outra, que pode consubstanciar justa causa de resolução imediata do contrato de trabalho, com direito à indemnização.

  3. É necessário que esse conflito configure uma das situações legalmente integráveis no âmbito da justa causa de resolução e bem assim que ao trabalhador, dada a gravidade e consequências dessa situação, não seja exigível que continue vinculado à empresa por mais tempo.

  4. Quer isto dizer que o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho, sem observância de pré-aviso, e com direito a indemnização, se se verificar um comportamento que seja imputável à entidade empregadora, a título de culpa, e que esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do vínculo laboral.

  5. No caso dos autos, quanto ao fundamento da retirada da viatura de serviço o Autor/Recorrido não alegou nem fez prova de qualquer facto relevante no sentido de qualificar o uso da viatura de serviço como retribuição.

  6. Aliás, o Autor/Recorrido não alegou nem provou que tipo de utilização fazia do veículo em causa, nem tão pouco que prejuízos ou transtornos teve na sua vida pessoal e familiar pelo não uso da viatura de serviço.

  7. E mesmo que tivesse ficado provado que a viatura de serviço fazia parte da retribuição, o que não sucedeu, nunca teria existido qualquer diminuição da retribuição uma vez que apesar de lhe ter sido subtraída a viatura, tal circunstância foi compensada pela atribuição de um subsídio de transporte. J) Acontece que o douto acórdão de que se recorre, veio entender que “A atribuição de uma viatura automóvel ao trabalhador para uso total, constitui uma manifesta vantagem de natureza económica (correspondente ao valor que ele, até essa data, normalmente despendia com a sua própria viatura), tem natureza regular e periódica, uma vez que dela podia usufruir todos os dias e deve considerar-se parle integrante da retribuição. ", e ainda que "O empregador não é obrigado a manter indefinidamente a concessão de um determinado tipo de retribuição e pode até alterar, unilateralmente, os elementos que integram a retribuição dos seus trabalhadores. O que não pode, em caso de alteração dos seus componentes, é reduzir o montante global da remuneração até aí auferido pelo trabalhador." - sublinhado nosso.

  8. Não pode a ora Recorrente concordar com tal entendimento, na medida em que nada se apurou sobre que própria viatura seria essa ou sobre o valor da diminuição.

  9. Se não se chegou a apurar qual o valor como é que se pode afirmar e concluir que houve uma diminuição? M) Mais, se o Autor/Recorrido quando instaurou a presente ação alegou a existência de valores mensais de que beneficiava, tinha o ónus de demonstrar nos autos que valores eram esses, como o seguro de saúde ou o benefício económico retirado com a utilização pessoal da viatura. Isto porque esse prejuízo, supostamente, já existia e encontrava-se liquidado, podendo e devendo ser quantificado.

    N) Não o tendo feito não poderia o acórdão recorrido relegar a fixação da indemnização para incidente de liquidação de sentença.

  10. Quanto à ofensa à honra ou dignidade do trabalhador, salvo melhor opinião, o Autor/Recorrido não provou que as expressões e desconsiderações apontadas tivessem tornado imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

  11. Repare-se que é o próprio Autor/Recorrido quem afirmou na sua carta de resolução datada de 03-12-2012 e que manteve nos presentes autos, que: - "(...) desde há um ano atrás que, a entidade empregadora, reiteradamente viola as garantias convencionadas comigo, nomeadamente, começou desde logo por retirar-me o veículo automóvel que me tinha posto à disposição (...)"; - "(...) a minha tarefa sempre foi exercida de forma tortuosa (...)", - "Também por diversas vezes, mas ultimamente de forma mais reiterada e constante, o referido sócio gerente permitia-se a constantes desabafos (...)"; "Ultimamente, também foram constantes as desautorizações das decisões correntes tomadas por mim, assim como o constante ignorar das propostas estratégicas apresentadas (…)" .

    - "No dia a dia têm sido constantes os comentários e atitudes pouco próprias de alguém que uns dias dizia que quer delegar a gestão e outros diz que não a podia confiar a ninguém e constantemente atropelava a hierarquia, desautorizando, alterando decisões, questionando atos de gestão corrente (...)"; - "Todas estas situações que são muitas e quase diárias (...)" - sublinhado nosso.

  12. O que significa que, não obstante o gerente da Ré/Recorrente poder ter uma personalidade vincada e, porque bem conhecedor da atividade comercial em causa, não concordar em algumas situações com a gestão desenvolvida pelo Autor/Recorrido, o certo é que este manteve-se durante largo período de tempo em funções.

  13. O que só pode significar que, para si, no seu juízo interior, as expressões e desconsiderações apontadas não tornaram imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

  14. É que, a exigência legal de que a resolução do contrato seja promovida num lapso de tempo muito curto sobre o conhecimento dos factos que a justificam (30 dias sobre o conhecimento desses factos pelo trabalhador, nos termos do Art. 395°, nº 1 do CT), não é por acaso. É a...

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