Acórdão nº 3317/14.3JFLSB-F.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Agosto de 2015

Magistrado ResponsávelRAÚL BORGES
Data da Resolução07 de Agosto de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

O cidadão nacional AA, arguido no inquérito n.º 3317/14.3JFLSB, pendente na Instância Central de Lisboa – 1.ª Secção Instrução Criminal, Comarca de Lisboa, vem nos termos do artigo 222.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, requerer providência de Habeas Corpus, em virtude de prisão ilegal, nos seguintes termos e fundamentos: 1. É fundamento de habeas corpus o estar alguém em prisão que se mantenha «para além dos prazos fixados por lei ou por decisão judicial» [alínea c) do nº 2 do artigo 222° do CPP].

O habeas corpus integra uma situação de abuso de poder, mas como o configurou o Acórdão do STJ de 07.05.03 [processo n.° 1859/03, CJ-STJ, 2003. II, 168] «o abuso de poder em que se funda a prisão ilegal não tem que ser intencional, bastando-se com um erro grosseiro na aplicação do direito, de modo que se possa dizer que existe uma ilegalidade clara», 2. É, no entender do requerente, o que se passa com a sua pessoa, conforme se explicitará.

  1. O requerente encontra-se preso à ordem dos presentes autos, ininterruptamente, desde 31.01.2015, data em que foi decretada a sua prisão preventiva a convolar-se em obrigação de permanência na habitação com sujeição a vigilância eletrónica logo que se mostrassem reunidas condições para o efeito, o que veio a suceder.

    Afigurando-se porém que tal facto não impede que possa fundamentar providência de habeas corpus, conforme aliás o entendimento unânime do Supremo Tribunal de Justiça, vide neste sentido o acórdão de 13-02.2008 do STJ «Encarando-se a medida de coação de obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, como privação de liberdade, muito embora em grau muito diferente - e menos elevado - da prisão preventiva, serão de tomar extensivas a tal medida as garantias conferidas à prisão preventiva.» 4. Porquanto, aquando da aplicação da medida de coação, o Tribunal considerou que o arguido se encontrava fortemente indiciado da prática dos crimes de peculato p. e p. pelo nº 1 do artigo 375° do CP, de falsidade informática p. e p. n.° 1 e 3 do artigo 3º da Lei nº 109/2009 de 15/09 e falsificação de documento p. e p. pelo nº 1 alínea d) do Código Penal.

  2. Até à presente data não foi deduzida acusação.

  3. Em 10 de Julho de 2015 foi ordenada pela Meritíssima Juiz de Instrução a notificação do ora requerente para se pronunciar sobre a eventual declaração de excecional complexidade do processo requerida pelo Ministério Público.

  4. Tendo a mandatária do arguido, ora signatária, sido notificada do mencionado despacho via fax no mesmo dia 10.07.2015.

  5. Mediante despacho proferido em 21 de Julho de 2015 foi declarada a excecional complexidade do processo.

  6. Decisão essa que foi impugnada pelo ora requerente, por irregularidade processual decorrente da sua não audição, através de requerimento apresentado em 23 do corrente mês, conforme adiante se explicitará.

  7. O prazo máximo de prisão preventiva, sem que tenha sido deduzida acusação ou validamente decretada a especial complexidade do processo é, nos termos do disposto no número 2 do artigo 215° do CPP - ex vi n.° 2 do artigo 218° do CPP, de 6 meses.

  8. Porquanto, pese embora tenha sido declarada a excecional complexidade, a mesma não poderá operar os seus termos, em virtude de não ter sido respeitado o disposto no nº 4 do artigo 215° do CPP, ou seja, a audição do requerente.

  9. Pois embora o requerente tenha sido notificado para o efeito do exercício desse seu direito [consagrado na alínea b) do nº 1 do artigo 81° do CPP], ainda no decurso do prazo que lhe foi fixado, por despacho de 21.07.2015 foi proferida decisão que decretou a excecional complexidade.

  10. Pelo que, concedendo ao arguido o prazo de 10 dias para ele se pronunciar sobre a excecional complexidade, só o arguido - pessoa em benefício da qual o prazo foi estabelecido - podia renunciar ao decurso do prazo ou praticar o ato processual antes de o mesmo se esgotar.

  11. Podendo, nos termos do disposto nos artigos 107°, 107° A do CPP que remetem para o artigo 145° do CPC [actual artigo 139º] o ato ser praticado, independentemente de justo impedimento, nos termos e com as mesmas consequências em processo civil.

  12. Isto é, dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao seu termo.

  13. Pelo que o prazo limite para o requerente se pronunciar sempre terminaria em 23 de Julho de 2015.

  14. Conforme aliás veio a fazer em 22.07.2015, pronunciando-se contra a mencionada declaração, tendo liquidado a imposição prevista na alínea b) do artigo 107°AdoCPP.

  15. Razão pela qual, ao proferir despacho sobre a excecional complexidade no dia 21 de Julho de 2015, ainda antes de decorrido o prazo para o arguido se pronunciar sobre a mesma, o Tribunal violou o disposto no nº 4 do artigo 215° do CPP.

  16. Que impõe que a declaração de excecional complexidade apenas seja declarada ouvido o arguido ou decorrido o prazo concedido para o mesmo se pronunciar.

  17. Violação essa que configura, além do mais irregularidade, a qual foi, nos termos do disposto nos artigos 123°, 105°, 107°, 107°A e 215° n.° 4 todos do CPP, expressa e tempestivamente arguida.

  18. Não se pretendendo que tal seja apreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça na presente providência em virtude de a mesma, tendo sido tempestivamente arguida, decorrer da própria lei.

  19. Termos em que, não havendo válida declaração de excecional complexidade se impõe considerar-se ultrapassado o prazo máximo da medida de coação de obrigação de permanência na habitação a que o requerente se encontra sujeito.

  20. Sendo por isso ilegal a sua prisão, por manter-se para além do prazo máximo de duração previsto na lei.

  21. Nestes termos deve ser decretada a libertação imediata do requerente, vista a ilegalidade da privação de liberdade a que está sujeito.

  22. Qualquer interpretação normativa dos artigos 105°, n.° 1, 107°, n.° 1 e n.° 5, 107°A, e 215°, n.º 4, todos do CPP, no sentido de ser admissível o encurtamento do prazo de defesa legalmente estabelecido a favor do arguido, por iniciativa do juiz, sem expressão legal nem suporte na renúncia do interessado a tal prazo, e sem que o arguido, independentemente de justo impedimento possa validamente praticar o ato nos três dias subsequentes ao prazo estabelecido para o efeito, contraria os direitos, liberdades e garantias estabelecidas a favor do arguido e é inconstitucional por violação das garantias de defesa do arguido previstas nos artigos 18°, 20°, nº 4 e nº 5, e 32°, n°s 1 e 5, todos da Constituição da República Portuguesa.

    Nestes termos, deve ser aceite o presente pedido de habeas corpus (artigo 223° do CPP) e deve ser declarada a ilegalidade da prisão, nos termos do artigo 223°, n.º 4, alínea d) do CPP, com imediata libertação do requerente.

    ******* O Exmo. Juiz de Instrução exarou a informação a que alude o artigo 223.º, n.º 1, do CPP, a fls. 7 e 8, nestes termos: “Consigna-se o seguinte: - O requerente do habeas corpus foi detido no dia 28/01/2015 (cf. fls. 317 vol. 2); - Foi presente à 1ª secção de Instrução Criminal - Juiz 2 - no dia 30/01/2015, tendo sido interrogado e ficado sujeito a prisão preventiva (cf. fls. 376-393 e 504-535) indiciado pela prática de crimes de peculato (p. e p. pelo artº 375, n°1 do CP, por referência ao artº 368, al. d) do CP), um crime de falsidade informática (p. e p. pelo artº 3°, n°s 1 e 3 da Lei 109/2009 de 15/09) e um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256, n°1, al. d) do CP.

    - Por despacho datado de 6/2/2015 foi a medida de coacção de prisão preventiva substituída pela de OPHVE (cf. fls. 660-661, Vol. 3); - Por despacho datado de 27/7/2015 foi declarada a especial complexidade do processo (cf. fls. 2953, Vol. 12).

    Assim, em face do...

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