Acórdão nº 754/15.0YRLSB.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Agosto de 2015
Magistrado Responsável | JOÃO SILVA MIGUEL |
Data da Resolução | 28 de Agosto de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa requereu, em 17 de junho de 2015, o cumprimento do Mandado de Detenção Europeu (MDE) emitido pela autoridade da República Italiana – Juíza do inquérito preliminar do Tribunal criminal de Turim, com referência ao processo n.º 23946/13RGNR–, para detenção e entrega do cidadão de nacionalidade portuguesa, AA, identificado nos autos, à entidade judiciária emitente, para fins de procedimento criminal, pela prática de 2 (dois) crimes de tráfico de estupefacientes, agravados.
-
Submetido a interrogatório judicial, no dia imediato, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, o mesmo declarou não consentir na sua entrega nem renunciar ao benefício da regra da especialidade, requereu o prazo de 8 (oito) dias, que lhe foi concedido, para deduzir oposição, bem como foi solicitada a tradução, para português, do MDE. Foi ainda julgada válida a detenção e determinado que aguardasse nessa situação os ulteriores termos do processo.
-
Na oposição, o requerido suscitou a questão prévia da falta de tradução do MDE, que considera formalidade essencial para a sua validade substancial, desse alegado vício decorrendo a impossibilidade de exercício do direito ao contraditório, e, quanto ao fundo, alegou: que não foi informado do conteúdo do MDE; que dos autos constam versões diferentes dos motivos que levaram à emissão do MDE, apenas se mantendo constante a sua qualificação jurídico-penal; e que a forma genérica adotada, que não revela factos, impede o controlo da legalidade do MDE, condiciona a possibilidade de o arguido exercer o seu direito de defesa e frustra a concretização do princípio da especialidade.
Na mesma peça, o arguido declarou, para os efeitos do preceituado na alínea b) do n.º 1 do artigo 13.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, pretender que a decisão de entrega seja sujeita à condição de, após ter sido ouvido, ser devolvido ao Estado português, para aqui cumprir pena ou medida de segurança privativas da liberdade a que for condenado.
-
À oposição respondeu o Ministério Público, que concordando parcialmente com a posição do requerido, pronunciou-se pela necessidade de tradução do MDE para língua portuguesa e pela prestação de esclarecimentos complementares, relativamente ao conteúdo do mandado, quanto à materialização dos factos.
-
Deferidas as solicitações, sendo apresentada a tradução para língua portuguesa do mandado e prestados os esclarecimentos pretendidos, o requerido veio, em 16 de julho de 2015, alegar, além do mais, que os elementos trazidos ao processo não preenchem os requisitos mínimos constantes do Anexo I à Decisão-Quadro (2002/584/JAI, de 13 de junho de 2002), impossibilitando o respeito pelo principio da especialidade e impedindo que o arguido, mesmo que de forma sumária, se possa defender de factos que não conhece.
-
No dia imediato, o Ministério Público promove que, com urgência, se designe dia para alegações orais, em que o arguido seja pessoalmente ouvido, o que veio a ocorrer no dia 24 seguinte, sendo o arguido ouvido sobre os factos resultantes dos esclarecimentos complementares prestados pela entidade emitente quanto aos factos que lhe são imputados. Nas alegações orais, o Senhor Procurador Geral Adjunto defendeu o deferimento do MDE e a Exma Defensora manteve a posição expressa na oposição.
-
Na mesma data foi proferido acórdão, extraindo-se da parte relativa à fundamentação e à questão de facto o seguinte: «De toda prova para os autos carreada e produzida, e das ocorrências processuais relevantes verificadas, consideramos assentes os seguintes factos: 2.1.1. O requerido AA acima identificado, e cidadão português, natural de ..., República Federativa do Brasil.
2.1.2. O presente Mandado de Detenção Europeu (M.D.E.) visa a entrega do requerido AA para efeitos de procedimento criminal a correr termos em Turim, Itália.
2.1.3. O M.D.E. está inserido no SIS II, sob o n.° ... e mostra-se devidamente traduzido.
2.1.4. O aludido procedimento criminal tem por objeto factos que, segundo a legislação italiana, integram 2 (dois) crimes de tráfico ilícito de estupefacientes, agravados, e que consistiram, respectivamente, em o arguido AA: (i) Em Maio de 2014 ou época imediatamente anterior, ter desempenhado o papel de correio de dinheiro na compra, na detenção e na importação da América Latina para Turim, província, de Itália, de 205 quilogramas de cocaína; e (ii) No período compreendido entre 28-Jul.-2014 e 02-set.-2014, ter desempenhado o papel de correio de dinheiro na compra, na detenção e na importação da América Latina para Turim e província, e para a Calábria, Itália, de mais 58 quilogramas de cocaína.
- Os factos foram cometidos por mais de três pessoas, concernem a uma quantidade considerável de substância estupefaciente e têm natureza transnacional, o que agrava os crimes.
2.1.5. Tais crimes são puníveis pela Lei da República Italiana, com penas de prisão até 30 anos.
2.1.6. Ouvido que foi o arguido AA, ora requerido, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 18º da Lei nº 65/2003, de 23-ago., não aceitou a sua transferência e declarou não renunciar ao benefício da regra da especialidade (cf. fls. 33-35 dos autos).
2.1.7. Em 30-JUN.-2015 o requerido opôs-se à execução daquele mandado, invocando: (i) A questão prévia, da falta de tradução do M.D.E., que considera, formalidade essencial para a sua validade substancial (pela necessidade de dar cumprimento ao disposto no artº 3.° nº 2 da Lei 65/2003, de 23-ago.), da qual extrai como efeito a impossibilidade de exercício do direito ao contraditório.
(ii) Quanto ao substrato da oposição que desde logo apresenta aduz: - Que não foi informado do conteúdo do M.D.E.; - Que dos autos constam versões diferentes dos motivos que levaram à emissão do documento, apenas se mantendo constante a sua qualificação jurídico-penal; - Que a forma, genérica adoptada aos referidos documentos, que não revela, factos, impede o controlo da legalidade do M.D.E., condiciona a possibilidade de o arguido exercer o seu direito de defesa, e frustra a concretização do princípio da especialidade.
(iii) O arguido declarou, para os efeitos da alínea b) do nº 1 do artº 13.°, da Lei n.° 65/2003, pretender que a decisão de entrega seja sujeita à condição de, após ter sido ouvido, ser devolvido ao Estado português, para aqui cumprir pena ou medida de segurança a que eventualmente for condenado (cf. Fls. 66-73 dos autos).
2.1.8. Na sequência da oposição da pessoa procurada foi deduzido pedido de esclarecimentos, em resposta do qual a entidade emitente informou que os factos imputados ao arguido/requerido se contém nos seguintes termos: - No que tange ao primeiro crime: «(...) porque, em concurso entre eles e com outros sujeitos não identificados entre os quais o conhecido como "BUGNO", adquiriam, detinham e importavam na Itália 205 quilogramas de cocaína e em particular modo: - BB, CC, DD, EE e FF, dispunham, organizavam e financiavam a importação na Itália da América, do Sul de uma quantidade de 205 quilogramas de cocaína., obtendo com a sucessiva cessão uma receita, de € 240.000 cada um; - BB e CC, operando no Brasil, cuidavam com os fornecedores sul-americanos das modalidades de compra e exportação do entorpecente; - FF, GG e HH, recebiam, contavam e ocultavam a soma total de € 3.842,50 recebida, como pagamento pela cessão dos 205 quilogramas de cocaína, de II, JJ E LL, em particular € 525.000 entregues por II a FF em 5 de Junho de 2014 na Lombardia, € 3.065.000 entregues por JJ como traficante de "SORDIBUGNO" ainda não identificado a FF, GG E HH em 6 de Junho de 2014 no posto de abastecimento de combustível ERG deste último, € 252.000 entregues por LL a GG e HH em 18 de junho de 2014 no local do mesmo posto de abastecimento; - Os seguintes traficantes brasileiros operantes por...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO