Acórdão nº 50/14.0YRGMR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução20 de Outubro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]: AA, advogado, com escritório em ..., Suíça, veio propor contra BB, viúvo, residente na rua de ..., …, …, ..., Suíça, e último domicílio em Portugal, na …, .., … …, a presente ação declarativa, com processo especial, nos termos do disposto pelo artigo 978.º e seguintes, do Código de Processo Civil (CPC), pedindo a revisão e confirmação da sentença, proferida a 15 de Novembro de 2013, pelo 2.º Juízo do Tribunal de Proteção de Adultos e das Crianças da República e Cantão de ..., Suíça, já transitada em julgado, onde foi, nomeadamente, instituída a curatela, de âmbito geral, do requerido, nomeado curador o requerente e autorizado o curador a tomar conhecimento da correspondência do requerido e, se necessário, penetrar no seu alojamento, conforme cópia certificada da sentença traduzida.

Não tendo sido possível citar o requerido, na sua pessoa, por se encontrar impossibilitado de receber a citação, em virtude de estar em tratamento, no Hospital …, ..., por força de um acidente sofrido, em 13 de Novembro de 2013, foi citada a sua irmã, CC, como consta de folhas 35 a 40, a qual não deduziu oposição.

O Ministério Público, nas suas alegações, concluiu pelo deferimento do pedido.

Por decisão singular do Exº Relator do Tribunal da Relação de Guimarães, foi concedida a requerida revisão, confirmando-se a sentença proferida, em 15 de Novembro de 2013, pelo 2.º Juízo do Tribunal de Proteção de Adultos e das Crianças da República e Cantão de ..., Suíça, já transitada em julgado, para que produza todos os efeitos em Portugal.

A requerente DD, notificada do despacho do Relator, proferido em 26 de Fevereiro de 2015, que indeferiu, liminarmente, o recurso de revista que interpôs, por não ser, legalmente, admissível, veio reclamar para a conferência dessa decisão.

A conferência entendeu que o recurso de revista interposto deveria ter sido convolado para reclamação para a conferência, como veio a acontecer, decidindo, porém, não admitir a reclamação, que foi convolada do recurso de revista, relativamente ao despacho do Relator, por falta de legitimidade da requerente/reclamante, e não conhecer da mesma.

Deste acórdão, a requerente DD interpôs recurso de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, pedindo que, na sua procedência, o mesmo seja admitido, sendo, a final, o acórdão recorrido substituído por outro que reconheça a sua legitimidade para a apresentação da reclamação da decisão sumária proferida pelo Exº Relator, e, a final, proferido um acórdão que declare nula a decisão que reconheceu a sentença estrangeira, ou, caso assim se não entenda, que a mesma seja revogada, não sendo a sentença proferida pelo tribunal, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, na sua totalidade: 1ª - O acórdão ora recorrido decidiu não conhecer da reclamação da decisão sumária proferida pelo Exmo. Sr. Juiz Relator do processo com o fundamento da ilegitimidade da ora recorrente para a apresentação da mesma.

  1. - Tal decisão sumária corresponde ao reconhecimento de uma sentença proferida por uma entidade jurisdicional Suíça, nos termos dos arts. 978° e ss. do CPC.

  2. - Tal sentença corresponde à nomeação de um tutor ao requerido, BB, em face da sua incapacidade física para administrar os seus bens e manifestar a sua vontade.

  3. - O referido tutor nomeado foi o requerente da respectiva acção de reconhecimento de sentença estrangeira.

  4. - Requerente esse que pretendia ver estendidos os seus poderes de tutoria também ao território Português.

  5. - A decisão sumária proferida nos autos revestiu um carácter tabelar, desconsiderando toda a factualidade a que o requerente aludiu, e bem, na acção por si interposta.

  6. - Nomeadamente o facto de o requerido ser incapaz, em face de deficiência física e mental de se pronunciar sobre qualquer questão - razão pela qual tem tutor nomeado na Suíça.

  7. - Deficiência física e mental que surgiu em consequência de um atentado selvático em plena via pública, de que o requerido foi alvo em ..., na Suíça, onde residia há vários anos.

  8. - Tal atentado comportou o golpeamento da carótida, no pescoço, tendo aquele ficado inanimado no chão até ser levado para o hospital - facto que atentando contra a sua integridade física, pôs em causa funções vitais e perigado a vida do requerido, pois este ficou sem irrigação sanguínea suficiente, durante algum tempo, no cérebro e outros órgãos vitais.

  9. - Estando o requerido actualmente incapaz de pronunciar mais do que vocábulos simples, comer sem auxílio, andar, no fundo realizar as actividades mais basilares de sobrevivência.

  10. - Razão pela qual jamais o requerido tem capacidade para demandar ou ser demandado em juízo - e disto bem sabia o seu tutor que apresentando-se como requerente ...demandou aquele de quem é tutor !...

  11. - Assim, em face de tal factualidade encontramo-nos perante uma nulidade da citação, nos termos do art. 191 ° do CPC.

  12. - Na medida em que não foi dado provimento pelo Tribunal a quo a qualquer dos normativos legais prescritos para a regulamentação da notificação de pessoas incapazes, nomeadamente os arts. 17°, 20°, 21°, 223° e 234°, todos do CPC.

  13. - Acarretando tal actuação a nulidade de todo o processado posterior ao requerimento inicial, nos termos do art. 187° do CPC.

  14. - Nesse sentido, o requerente, depois de várias diligências e insistências do Tribunal, inclusive junto do Consulado de Portugal em ..., indicou uma irmã do requerido para ser citada para contestar a acção.

  15. - Irmã essa que, assinando o respectivo registo de citação nada mais fez, não zelando pelos interesses do requerido, não se podendo, de forma alguma, considerar que o mesmo foi regularmente citado por essa via.

  16. - Assim, a citação do requerido foi por demais ilegal, violando o art. 980/f) do CPC, e os restantes normativos elencados supra no n.° 12.

  17. - Violando-se consequentemente o direito ao contraditório, constitucionalmente atribuído ao requerido.

  18. - Por outro lado, ao serem reconhecidos poderes de tutoria ao requerente em território Português, está-se a violar gravemente direitos legalmente atribuídos à ora recorrente, irmã do requerido.

  19. - Na medida em que esta é detentora de contas bancárias e outros bens em conjunto com o seu irmão, tendo sempre administrado condignamente todo o património.

  20. - Património esse que apresenta uma linha separadora muito ténue do que pertence efectivamente à ora recorrente e do que pertence ao seu irmão.

  21. - Não se vislumbrando assim como legítima a intromissão de um terceiro no património seu e do seu irmão, sem qualquer razão justificativa para tal e sem ter tido a possibilidade de cabal e legalmente se pronunciar sobre tal facto.

  22. - Correspondendo tal intromissão a uma devassa por demais lesiva dos reais e actuais interesses da ora recorrente.

  23. - Situação essa que consubstancia mesmo uma violação da ordem pública internacional do Estado Português, facto que impossibilita a revisão da sentença estrangeira pelo Tribunal a quo, nos termos do art. 980°/f)-.

  24. - Facto esse que também sustenta a legitimidade da recorrente para interpor o presente recurso, enquanto pessoa directa e efectivemante lesada pelo acórdão recorrido, nos termos do art. 631°/2 do CPC.

  25. - Na medida em que com as actuações lesivas do requerente, curador do seu irmão, a ora recorrente depara-se com um prejuízo real e actual ao seu património pessoal, quer seja patrimonial, quer seja moral.

  26. - Devendo assim o acórdão recorrido ser substituído por um que reconheça a legitimidade da ora recorrente para a apresentação da anterior reclamação.

  27. - E como tal sendo proferido pela conferência do Venerando Tribunal da Relação da Guimarães um acórdão que conheça do mérito da cuasa.

  28. - Sendo a final a decisão que reconheceu a sentença estrangeira ser declarada nula ou ser revogada, jamais se considerando revista a respectiva sentença, e não produzindo esta os seus efeitos em Portugal.

  29. - Declarando-se a final que o requerente não possui qualquer poderes de tutoria do requerido quanto aos bens existentes em Portugal.

Nas suas contra-alegações, o requerente AA sustenta que deve ser mantido o douto acórdão proferido, enquanto que o Ministério Público conclui que a recorrente não alegou qualquer prejuízo direto e efetivo, não tendo, por isso, legitimidade para recorrer, devendo manter-se o acórdão em crise.

* Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objeto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo...

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