Acórdão nº 640/11.2TBCMN-B.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelANA PAULA BOULAROT
Data da Resolução20 de Outubro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I Nos autos de Insolvência de L, SA, o Sr. Administrador da Insolvência apresentou a relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos a que alude o artigo 129º do CIRE, tendo a credora V, SA deduzido impugnação à mesma.

Esta credora, V, SA, impugnou a lista definitiva da relação de créditos reconhecidos com fundamento, não no valor do crédito, mas na sua incorrecta qualificação, alegando que o mesmo não tem a natureza de subordinado, tratando-se antes de crédito garantido, tendo por base o direito de retenção que lhe foi reconhecido por sentença transitada em julgado e assim qualificado como tal, pelo A.I., na lista provisória da relação de créditos.

Na resposta, o Sr. Administrador manteve o reconhecimento do crédito da impugnante como subordinado, considerando não poder classificá-lo como garantido, com fundamento em ser seu entendimento ter existido má-fé na celebração do contrato-promessa que esteve na origem do dito crédito porque: - Não se verificou qualquer transacção financeira; não terem a impugnante, a insolvente, nem o ROC enviado ao A.I., a certificação de contas relativas aos anos em que terá ocorrido a transacção; - E baseando-se nas especiais relações entre as duas empresas efectuou resolução de tal contrato em benefício da massa insolvente, que considera não poder ser invalidado pelo facto do contrato–promessa ter sido anteriormente resolvido por sentença judicial; - Não reconhece a existência de direito de retenção em benefício da impugnante.

A credora C, com a actual denominação de Banco…, também respondeu à impugnação deduzida, na qualidade de presidente da comissão de credores.

Alegou assistir razão ao A.I., por ter qualificado o crédito da impugnante como “subordinado”, na lista definitiva da relação de créditos reconhecidos. Alega ainda, em síntese, considerar que o A.I. chegou ao conhecimento de factos que implicavam uma alteração da dita qualificação do crédito, entre eles: ter o entendimento de que a credora V, SA não podia desconhecer a situação económica e financeira da insolvente à data da celebração do contrato-promessa, desde logo por terem insolvente e impugnante, sede no mesmo local nessa data; não ter a impugnante V, SA demonstrado ter sido efectivamente realizado o pagamento do montante do sinal (do contrato-promessa) ou se se tratou de negócio simulado.

Posteriormente foi proferida sentença que julgando improcedente a impugnação deduzida pela credora V, SA, qualificou o seu crédito como crédito comum. Inconformados com esta decisão, dela interpuseram recurso as credoras Banco… e V, SA, tendo a final sido proferido Acórdão a julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo Recorrente Banco… e procedente a apelação interposta pela Recorrente V e, em consequência, anular a decisão recorrida, quanto à qualificação e graduação do crédito desta Recorrente, determinando-se que tal crédito, enquanto dívida da massa insolvente, enumerada no artigo 5.º, do CIRE, fosse paga com prioridade sobre os demais créditos graduados, mantendo-se no mais o decidido.

Deste Aresto recorreu Banco…, apresentando as seguintes conclusões: - O Acórdão em recurso não só desatendeu a pretensão da recorrente no que respeita à qualificação do crédito da recorrida como subordinado, como alterou a decisão de primeira instância, considerando o referido crédito como dívida da massa insolvente e não como um crédito sobre a insolvência, de natureza comum.

- Ora, reconstituindo sumariamente o histórico do processo, constata-se que foram dados como provados em primeira instância os seguintes factos: - Em 10 de Janeiro de 2010 foi celebrado entre a recorrida V, SA, e a sociedade L um contrato-promessa de compra e venda com tradição da posse da promitente vendedora para a promitente compradora; - Tal contrato foi objecto de acção judicial onde era alegado o incumprimento do contrato por parte da L e foi declarada, por sentença transitada em julgado em 11 de Julho de 2011, o reconhecimento da resolução do referido contrato, condenando-se a Ré à restituição do sinal em dobro e ao valor da cláusula penal estipulada de € 500,00 diários até ao pagamento dos valores devidos e sendo ainda declarado o direito de retenção sobre os prédios prometidos vender; - A referida acção não foi contestada pela L; - A recorrida V, SA entregou à L o pagamento do valor do sinal, no montante de € 1.075.000,00; - A sociedade L foi declarada insolvente por sentença de 04 de Janeiro de 2012; - O Administrador de Insolvência efectuou a resolução do contrato-promessa supra referido por carta datada de 24 de Fevereiro de 2012 fundamentando a sua decisão nos artigos 120º nºs 1, 2, 4 e 5 alíneas a) e b) e 121º alíneas a) e b}, do CIRE.

- Contrariamente à posição defendida pelo Sr. Administrador de Insolvência, que havia considerado o acto gratuito por constatar que o valor do sinal previsto no contrato-promessa não estava reflectido nos movimentos financeiros da Insolvente L, considerou a sentença recorrida que o mesmo foi efectivamente pago, na quantia de € 22.000,00 em cheque sacado sobre conta do Banco X titulada pela A SA, anterior designação da V, sendo o restante valor do sinal (€ 1.053.000,00) sido satisfeito por encontro de contas, em conta corrente entre as contraentes, sustentado em contratos de cessão de créditos, um celebrado em 07 de Julho de 2009 com a empresa F, e outro celebrado com a N em 03 de Novembro de 2009.

- Não obstante a prova produzida em audiência de discussão e julgamento no sentido de não haver convergência entre os valores contratualmente plasmados e os referenciados na contabilidade da L, considerou o acórdão em recurso não ser possível concluir pela inexistência de tais créditos, sendo dado como provado que a credora V realizou a “efectiva entrega à Insolvente, do pagamento do valor do sinal acordado no dito contrato, no montante de € 1075.000,00.”.

- Veio então a recorrida sustentar que ao graduar o referido crédito como comum por não integrar nenhuma das restantes classes de créditos, a sentença recorrida enferma de nulidade por aplicação do artigo 126º do CIRE, constituindo o mencionado montante dívida da massa insolvente e não dívida sobre a insolvente, o que teria como consequência o seu pagamento com prioridade sobre os demais créditos graduados.

- Na verdade, determina o artigo 126º do CIRE que a resolução tem efeitos retroactivos, devendo reconstituir-se a situação anterior à prática do ato resolvido, impondo-se a obrigação de restituir, mas com as limitações decorrentes dos números subsequentes.

- Conclui o Acórdão em recurso que assiste à recorrida o direito a que a massa insolvente lhe restitua a quantia paga a título de sinal em decorrência do contrato-promessa em referencia supra, constituindo o direito traduzido no reembolso do que pagou à insolvente, face ao consagrado nos nºs 4 e 5 do artigo 126º do CIRE, uma dívida da massa insolvente.

- A questão que se pretende ver decidida por esse Venerando Tribunal consubstancia-se precisamente na interpretação dos referidos preceitos legais, no sentido de determinar se é possível a identificação e separação da prestação, bem como a determinação do real enriquecimento da massa insolvente.

- Na realidade, os nºs 4 e 5 do artigo 126º do CIRE estabelecem o regime da obrigação de restituição a cargo da massa insolvente em termos distintos consoante o objecto da prestação do credor possa ou não ser identificado e separado dos bens da massa.

- Se a identificação e separação forem possíveis deve o objecto ser restituído ao terceiro e, em caso contrário, deve ser restituído o valor correspondente, seguindo esta restituição regimes diferentes consoante haja ou não enriquecimento da massa.

- Constitui dívida da massa insolvente a parte do valor que represente enriquecimento da massa, constituindo o remanescente, caso exista, dívida da insolvência.

- A preocupação do legislador traduz-se em proteger o terceiro quanto ao que constitua enriquecimento da massa, respondendo esta só na medida em que tenha enriquecido. - Concretizando o caso em apreço, temos que o Sr, Administrador de Insolvência resolveu o contrato-promessa identificado supra, importando determinar se e em que medida, de tal resolução, adveio enriquecimento para a massa insolvente da L.

- Na verdade, resulta da matéria provada em primeira instancia e inexplicavelmente acolhida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que não obstante reconhecer como evidente e manifesta a “promiscuidade” existente entre as empresas envolvidas, valida como assente que a recorrida pagou o valor do sinal estipulado no contrato-promessa de compra e venda, no valor de € 1,075,000,00.

- Sendo tal sinal pago através de um cheque de € 22,000,00, depositado na conta da L no dia 1 de Julho de 2010, acrescido do valor de € 1,053,000,00 por encontro de contas, em conta corrente entre as contraentes, designadamente pelo crédito que a V alegadamente possuía sobre a L.

- O alegado crédito da V sobre a L resultou de contratos de cessão de créditos supostamente celebrados por aquela sociedade com a N e a F, em que estas terão cedido àquela os respectivos créditos sobre a ora insolvente.

- A resolução, operada pelo Sr Administrador da Insolvência, do contrato-promessa de compra e venda, tendo efeitos retroactivos e obrigando à reconstituição da situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado, determina então a restituição à V do valor de € 22000,00 recebido pela L através de cheque, mas igualmente determina a anulação do encontro de contas efectuado no âmbito do referido contrato-promessa, reconstituindo-se, dessa forma, o alegado crédito no valor de € 1.053.000,00 da V sobre a L.

- Admitindo-se que o valor relativo ao cheque de € 22.000,00, pela sua natureza fungível e não obstante ter sido depositado a favor da L apenas seis meses após a respectiva emissão, tenha integrado o património da insolvente e, indirectamente, o património da massa, constituindo, dessa forma...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT