Acórdão nº 518/12.2TBSTS-A.P1S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelANA PAULA BOULAROT
Data da Resolução20 de Outubro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I R, P, C e A, vieram por apenso aos autos de acção executiva que lhes move E, SA, deduzir oposição por meio de embargos, pedindo a extinção da execução, alegando para o efeito e em síntese que o cheque dado à execução está revogado uma vez que foi substituído por outro devidamente emitido e assinado por uma nova direcção do Clube Desportivo X, com o acordo da Exequente, sendo que esta apesar de interpelada, nunca devolveu o primitivo título; alegam ainda que não figuram no referido cheque na posição de devedores, pelo que são parte ilegítima na execução em apreço, bem como a inexistência de título executivo quanto às despesas reclamadas, no valor de € 17,50; concluem pela condenação da Exequente como litigante de má fé.

Notificada, a Exequente contestou respondendo às excepções invocadas pelos executados, pela sua improcedência e concluindo pela procedência do Requerimento executivo.

Foi proferida sentença a julgar a oposição improcedente tendo sido determinado o prosseguimento da execução quanto aos oponentes.

Inconformados os Executados interpuseram recurso de Apelação, o qual veio a ser julgado procedente com a consequente revogação da sentença, declarando-se extinta a instância executiva.

Veio agora a Exequente interpor recurso de Revista, apresentando as seguintes conclusões: - O acórdão recorrido, na esteira do argumento enunciado pelos Recorridos, conclui que o saque o cheque em causa nos presentes autos foi regular, não tendo sido excedidos os poderes de representação.

- No entanto, nem os Recorridos, nem o acórdão recorrido, puseram em causa a recusa de pagamento do cheque por parte do banco sacado, o qual apôs como motivo da recusa, precisamente, a constatação de “saque irregular”.

- O acórdão recorrido centra a sua exposição, em grande parte, na expressão, contida na matéria de facto dada como provada, de que os agora Recorridos assinaram o cheque “com poderes para o efeito”.

- No entanto, salvo o devido respeito, tal expressão consubstancia uma conclusão que pressupõe uma análise de direito, e não apenas de facto, pelo que, não pode ser determinante para a conclusão tirada pelo tribunal.

- Com tal expressão, o tribunal de primeira instância pretendia apenas significar que, à data da emissão do cheque, os Recorridos desempenhavam funções de representação do Clube Desportivo X, mas não pretende concluir nada quanto à extensão dos poderes e à suficiência dos mesmos para o concreto acto em causa.

- Tal questão foi então abordada pelo tribunal de primeira instância no local próprio, ou seja, na fundamentação de direito da sentença de primeira instância - onde concluiu que os oponentes “excederam, assim, os poderes que lhe haviam sido concedidos como representantes do Clube Desportivo X”.

- Na verdade, não só não foi possível fixar uma data certa da emissão do cheque, como resulta da acta nº116 da Assembleia Geral do Clube Desportivo X que os Recorridos se manteriam em funções, integrando uma “Comissão Administrativa” destinada a assegurar a gestão corrente do Clube por apenas mais 4 meses, prazo que terminaria em 31.05.2011.

- Foi nestas circunstâncias e com este mandato que o cheque foi assinado pelos Recorridos tendo-lhe sido aposta uma data de 25.12.2011.

- Ora, a Exequente e aqui Recorrente desconhecia este condicionalismo do mandato conferido aos Recorridos.

- Em 2011 não era obrigatória a publicação dos actos de nomeação dos titulares dos órgãos das associações, pelo que a Exequente não tinha o ónus de conhecer os limites do mandato conferido aos Recorridos - tanto mais que contrariam o disposto nos Estatutos do Clube, esses sim, publicados.

- Ora, podiam os Recorridos, mandatados em tais circunstâncias e com tais condicionalismos, outorgar um cheque apondo-lhe data de 25.12.2011, isto é, bem posterior ao termo do mandato que lhes terá sido conferido? - - Parece claro que não. Os Recorridos excederam os poderes de representação que lhes haviam sido conferidos e foi por esse motivo que o pagamento do cheque foi recusado.

- Ora, nos presentes autos. os Recorridos nada fizeram para que o banco tivesse conhecimento da data de emissão do cheque e pudesse concluir que o mesmo tivesse sido sacado regularmente (que não o foi).

- A tese acolhida no douto acórdão recorrido, abstraindo de todas as circunstâncias do caso e centrando-se na possibilidade de o cheque ser pagável à vista, permite duas conclusões, as quais, salvo o devido respeito, são incompatíveis com o direito vigente e os princípios específicos de tutela do tráfico jurídico-comercial.

- A tese acolhida no acórdão recorrido abre caminho a que qualquer sacador (pessoa colectiva) de um cheque pós-datado provoque a recusa do seu pagamento, bastando para o efeito alterar a composição do órgão que o representa ou a sua forma de obrigar. Na prática, impossibilita a confiança de qualquer credor em qualquer cheque pré-datado emitido por pessoa colectiva.

- Ligada à conclusão acabada de enunciar, a tese acolhida no acórdão recorrido tem ainda por efeito, fazer impender sobre o tomador do cheque um autêntico ónus, que consiste assim na necessidade de apresentar qualquer cheque pós-datado a pagamento antes da data nele aposta, sob pena de, não o fazendo, poder ver recusado o seu pagamento com fundamento em questões de governação interna (neste caso, nem sequer sujeitas a registo) do sacador.

- A invocação do argumento de que o cheque é pagável à vista consubstancia ainda um abuso de direito, bem como atenta contra a boa fé e a tutela da confiança.

- Constitui abuso de direito, na vertente de venire contra factum proprium, a utilização, nestes autos pelos Recorridos, do argumento de que o cheque é pagável à vista, pois, foi no interesse do sacador e a pedido dos seus representantes, aqui Recorridos, que a Recorrente aceitou o cheque nos termos em que ele foi emitido e, de boa-fé, aguardou pela data aposta no mesmo para o apresentar a pagamento (cfr. al. D., L e F. dos factos provados na sentença Recorrente). Vieram já apenas em sede de recurso de apelação, os Recorridos alegar que a Recorrente podia ter apresentado o cheque a pagamento logo que o recebeu. Mas não teria sido isto uma actuação em violação da boa-fé, considerando o plano de pagamento em prestações então acordado? Aí sim, poderíamos estar perante uma situação de abuso de direito por parte da Recorrente.

- Cabia aos aqui Recorridos, que à data da entrega do cheque já sabiam que apenas se manteriam na direcção do Clube Desportivo X até 31.05.2011 (cfr. acta n.º 116 junta aos autos), evitar o ocorrido. Os Recorridos podiam ter obtido deliberação da Assembleia Geral do Clube e podiam ter informado o banco, circunstanciadamente, sobre a data e os termos em que o cheque foi emitido, de forma que o banco pudesse assegurar-se da regularidade do saque - mas nada disto fizeram.

- Sucede que, após o fim do referido prolongamento do mandato dos Recorridos, foi eleita uma Direcção, integrada por alguns dos já...

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