Acórdão nº 60/10.6TBMTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelGARCIA CALEJO
Data da Resolução20 de Outubro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- AA, Lda.

, com sede na ..., nº ..., ..., em ..., instaurou contra Caixa BB, S.A.

, com sede na …, n° …, em Lisboa, acção declarativa com processo ordinário, alegando que a CC - …, S.A., da qual a A. é accionista, em 3/3/1994, celebrou com a Caixa BB, um contrato de abertura de crédito em conta corrente, no montante de 350.000.000$00. No decurso de alterações ao referido contrato, foi subscrita uma livrança, avalizada pela A., onde apenas constava a data de emissão de 11/3/1994, o nome da subscritora CC, o nome da A. e dos demais avalistas DD, S.A. e EE, Lda., também accionistas da CC, reservando a Caixa BB, nos termos da cláusula 4ª, da 3ª alteração ao contrato, o direito de preencher a livrança "quando se mostrar necessário, a juízo da Caixa", mas a al. a) da referida cláusula 4ª, esclarece que "a data de vencimento será fixada pela Caixa em caso de incumprimento". Pelo menos desde 2004, a situação de incumprimento da CC é grave, não tendo a Caixa BB qualquer possibilidade de receber o seu crédito. A Caixa BB, mesmo sem ter preenchido a livrança, considerou a importância da livrança vencida e em cobrança à A., facto que teve consequências nefastas para a A. que viu o seu crédito cortado e passou a pagar "spreads" mais elevados pelas obrigações em curso. Pelo menos desde 17/12/2003, a livrança está a pagamento pelo avalista DD que, tanto quanto a A. sabe, se prontificou a pagar. Assim, a data de vencimento da livrança ocorreu em 2003, data em que se verificou total incumprimento do contrato de crédito pela CC e em que a Caixa BB exigiu o cumprimento da avalista DD, simples devedor cambiário. A livrança em branco é prescritível no prazo referido no art. 70° da LULL e a data do seu vencimento resulta da conjugação do contrato de preenchimento com o título cambiário. Face ao acordo de preenchimento a livrança devia ser preenchida em 2003, data do incumprimento definitivo do contrato de crédito pela CC e como há bem pouco tempo se manifestava por preencher, não pode agora ser preenchida, porque prescreveu.

Conclui pedindo que se declare prescrita a livrança e, em consequência, extinta a obrigação da A. como avalista.

Contestou a Caixa BB aceitando a qualidade de avalista da A. na livrança subscrita pela CC, que lhe foi entregue em caução do crédito concedido a esta, por contrato celebrado em 11/3/1994, contrato este que deixou de ser pontualmente cumprido pela mutuária em 31/10/2014. Ainda assim, a A. e os restantes avalistas autorizaram a R. a preencher a livrança, quando tal se mostre necessário a juízo da própria Caixa, tendo em conta nomeadamente que "a data de vencimento será fixada pela Caixa em caso de incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas ou para efeitos de realização coactiva do respectivo crédito". Deste acordo não resulta que a portadora da livrança tenha um prazo para a preencher ou que na mesma tenha que ser inserida uma determinada data de vencimento. O "quanto" e o "quando" da dívida, o montante da livrança e a sua data de vencimento são dois elementos essenciais do título que têm de ficar em branco quando, como é o caso, se destinam a caucionar um contrato de abertura de crédito, sob pena do título perder toda a sua utilidade, enquanto instrumento de titulação dos créditos emergentes dos ditos contratos, ficando os avalistas, subscritores da livrança em branco, sujeitos ao direito potestativo do portador preencher o título nos termos constantes do contrato de preenchimento. Enquanto a livrança não for preenchida, e nela inserida a data de vencimento, não se inicia qualquer prazo de prescrição. De qualquer forma, a A. promoveu e subscreveu os acordos dos co-avalistas com a R. para negociar o incumprimento da CC e ao invocar agora que tais negociações fizeram prescrever a sua obrigação age com abuso de direito, na modalidade de venire contra factum propriu. E caso a A., como diz, conhecesse desde 2003 a "iminente" situação de insolvência da subscritora da livrança, ainda não decretada, tanto quanto é do conhecimento da R., poderia ter pago a divida e exercer o seu direito de regresso contra a CC reduzindo assim os riscos de não obter, por esta via, o pagamento, como agora alega.

Concluiu pela improcedência da acção.

A A. replicou, por forma a afastar a defesa da R., na parte em que a qualificou por excepção e requereu a ampliação do pedido, neste incluindo para além da declaração de prescrição da livrança, o seguinte: "ser declarada nula como titulo cambiário, por o seu preenchimento já não ser possível e, em consequência e em qualquer caso extinta a obrigação da Autora, como avalista".

A R. triplicou opondo-se à requerida ampliação do pedido - não obstante o considerar mera decorrência do pedido inicial formulado pela A. - porque extravasaria o âmbito da presente acção, uma vez que existem outros responsáveis pelo pagamento da livrança que não são partes nos autos e por se haver tornado inútil a ampliação com o preenchimento, entretanto ocorrido, da livrança facto que é do conhecimento da A.

Foi admitida a ampliação do pedido, foi proferido despacho saneador que afirmou a validade e regularidade da instância e condensado o processo com factos provados e base instrutória.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.

Nesta julgou-se a acção procedente e, em consequência, declarou-se que se encontra prescrita relativamente a A. a acção cambiária da livrança identificada na petição como documento nº 6, emitida à ordem da R. em 94/03/04, subscrita pela CC-..., S.A., e avalizada, entre outros, pela A.

1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a R. Caixa BB de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, tendo-se aí, por acórdão de 24-3-2015, julgado procedente o recurso, revogando a decisão recorrida e julgando a acção improcedente.

1-3- Irresignada com este acórdão, dele recorreu a A. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.

A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões: 1- O douto acórdão recorrido na interpretação do pacto de preenchimento não levou em conta as boas regras de hermenêutica e abona-se em pressupostos manifestamente errados.

2- O primeiro elemento a ter em conta é o elemento gramatical (ou literal) e tem um sentido positivo do conteúdo do negócio e negativo que afasta aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio ou pelo menos uma correspondência ou ressonância no texto. Para tal é preciso atender às regras da linguagem, ou seja, o sentido dos termos e expressões negociais empregues no negócio jurídico.

3- O contrato de preenchimento, no seu sentido literal, não tem dificuldades, que um destinatário médio, ou seja, de inteligência cultura e diligência médias, não atinja. Daí, o sentido literal é o que lhe dá um destinatário médio, de acordo com as regras da linguagem.

4- O acórdão recorrido parte de pressupostos errados e assim refere: "O incumprimento pelo mutuário das obrigações assumidas é condição necessário do preenchimento da Iivrança".

Isto está errado.

De acordo com o parágrafo primeiro do pacto de preenchimento este titula as responsabilidades e não o incumprimento, pois se refere: Para titulação de todas as responsabilidades decorrentes da conta-corrente… 5- Acresce ainda que o incumprimento, não é condição necessária do preenchimento e pode haver responsabilidade sem incumprimento v.g. em caso de não renovação do contrato, referindo-se no parágrafo primeiro: "autorizam desde já a Caixa a preencher a sobredita Iivrança quando tal se mostre necessário a juízo da própria Caixa". Logo, conclui-se que a Caixa podia preencher a Iivrança, a seu juízo quando o tivesse por conveniente.

6- De seguida, com manifesta violação das regras da linguagem, entra na interpretação do pacto de preenchimento, que se desdobra em dois parágrafos e é do seguinte teor: 1° PARÁGRAFO: “Para titulação de todas as responsabilidades decorrentes da conta-corrente a mutuária e os segundos contraentes entregam à Caixa uma livrança em branco subscrita pela mutuária e avalizada pelos segundos e autorizam desde já a Caixa a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria Caixa, tendo em conta nomeadamente o seguinte".

  1. PARÁGRAFO “A data de vencimento será fixada pela Caixa em caso de incumprimento da mutuária das obrigações assumidas ou para efeitos de realização coactiva do respectivo crédito".

7- O primeiro parágrafo é de carácter geral e representa uma simples possibilidade, o segundo uma actuação concreta, pois refere “a data de vencimento será fixada pela Caixa" em dois casos: o de incumprimento das obrigações assumidas pela mutuária ou para realização coactiva do respectivo crédito.

8- No acórdão “a quo", apenas se toma em consideração o segundo parágrafo, truncagem que perturba o entendimento do pacto de preenchimento, como resulta dos erros cometidos, pressupostos do acórdão.

9- No acórdão "a quo", considera-se o incumprimento à realização coactiva do crédito, entendendo-se que, verificado o incumprimento (condição que erradamente se julga necessária) se abriria prazo para a Caixa, quando quisesse, ou seja, a seu capricho, procedesse à realização coactiva do crédito.

Tal interpretação está errada 10- O segundo parágrafo está dividido em duas orações que correspondem a duas hipóteses: A data de vencimento será fixada pela Caixa, em duas hipóteses: 1ª HIPÓTESE: Em caso de incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas 2ª HIPÓTESE: ou para realização coactiva do respectivo crédito.

As duas hipóteses estão separadas pela conjunção coordenada disjuntiva ou o que dá origem a uma oração coordenada disjuntiva.

11- As orações, podem ser coordenadas ou subordinadas. As subordinadas, como seria o caso da subordinada condicional se ou a final para condicionam o texto anterior, as coordenadas...

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