Acórdão nº 1052/05.2TAVRL de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução08 de Outubro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, devidamente identificada, interpôs recurso extraordinário de revisão do acórdão proferido no processo comum com intervenção do tribunal colectivo nº 1052/05.2TAVRL, da Comarca de Vila Real, Instância Central – Secção Criminal, que a condenou na pena conjunta de 5 anos e 6 meses de prisão.

No requerimento apresentado formulou as seguintes conclusões[1]: 1 – Foi realizado o julgamento na ausência da arguida, tendo esta sido condenada, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão, estando actualmente detida (depois de se ter voluntariamente apresentado na PSP de Aveiro) à ordem dos presentes autos desde 9 de Janeiro de 2015.

2 – Decorre do artigo 61º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Penal que “o arguido tem direito a estar presente nos actos processuais que directamente lhe disserem respeito”.

3 – Em 24 de Julho de 2006 a arguida foi detida e presente ao Meritíssimo Juiz de Instrução a fim de ser ouvida em primeiro interrogatório judicial e serem-lhe aplicadas medidas de coação, tendo então prestado Termo de Identidade e Residência na seguinte morada: Rua ...

(cfr. fls. 332 dos autos).

4 – Por requerimento com data de entrada nos Serviços do Ministério Público de Vila Real (ainda durante a fase de inquérito) de 28 de Março de 2007, a arguida, dando cumprimento ao preceituado no artigo 196º, nº 3, alínea b) do Código de Processo Penal, comunicou ao processo a sua nova morada, com a indicação expressa de que doravante deviam ser remetidas para a mesma todas as posteriores notificações, a saber: ...

(cfr. fls. 660 dos autos), e sobre o qual recaíu o douto despacho de 16.04.2007, ordenando que se procedesse à alteração da morada para posteriores notificações (cfr. fls. 670 dos autos).

5 – Não tendo sido pela arguida comunicada aos autos, para efeitos de notificação, qualquer outra morada para além daquelas, e nem foi prestado novo TIR.

6 – Em 31/05/2011 foi deduzida acusação (fls. 1096 a 1108), da qual consta que o TIR da arguida AA já havia sido prestado a fls. 332.

Destarte, em 21/06/2011 é remetida à arguida a notificação da acusação para a seguinte morada: Rua ..., morada essa que não coincide nem com a morada do TIR inicialmente prestado, nem com a morada indicada pela arguida e constante de fls. 660, tendo a notificação da acusação sido remetida pela via postal simples com prova de depósito, conforme consta a fls. 1272.

7 – Compulsados os autos, constata-se que a supra referida morada havia sido indicada pela arguida, como seu então domicílio, aquando de um interrogatório prestado na Policia Judiciária (cfr. fls. 847 dos autos). Todavia, não foi pela arguida em momento algum requerido que tal morada passasse a ser considerada para efeito de futuras notificações e nem foi prestado novo Termo de Identidade e Residência.

8 – Em 28.11.2011 foi proferido o douto despacho a designar a data para a realização de julgamento (fls. 1309), tendo sido remetida à arguida a respectiva notificação (por via postal simples com prova de depósito) em 12.01.2012, novamente para a morada que não corresponde nem à do TIR, nem à morada por si posteriormente indicada.

9 – Assim, nunca foram verdadeiramente efectuadas as notificações da acusação e da designação da data de julgamento (as quais se têm por obrigatórias), porquanto não foram remetidas para a morada constante de fls. 660, a saber a morada que a arguida comunicou ao processo com a indicação expressa de que doravante devia ser considerada para efeitos de notificação, e a arguida nunca as recebeu.

10 – Ora, tendo a arguida prestado Termo de Identidade e Residência, todas as notificações que obrigatoriamente teriam que lhe ser feitas, teriam de o ser para a morada constante do TIR, conforme previsto no artigo 196º do Código de Processo Penal, ou para a morada que após ter prestado TIR veio informar o processo.

11 – Assim, as notificações da acusação e da designação da data de julgamento, que são obrigatórias, deviam ter sido remetidas ou para a morada constante do TIR (fls. 332) ou para a morada que aquela veio posteriormente informar o processo (fls. 660).

12 – Pelo que, não tendo não tendo as referidas notificações sido remetidas para nenhuma daquelas moradas, verifica-se a inexistência jurídica das mesmas, que se têm como obrigatórias, conceito que não se confunde com a mera nulidade, ainda que insanável, e que prevalece sobre o caso julgado.

Pelo que, e no sentido em que este Venerando Tribunal já antes se pronunciou (vide douto Acordão proferido em 03.04.1991 e disponível no BMJ nº 406, 1991, pág. 516), a assim ter acontecido, estamos perante a inexistência jurídica da notificação, o que constitui um vício mais grave que a mera nulidade, ainda que insanável, vício esse que não é sanável com o trânsito em julgado da decisão condenatória.

13 – Estando por isso feridos e afectados na sua perfeição todos os actos processuais posteriores ao despacho que ordenou a notificação da acusação à arguida AA, ora recorrente, devendo ser repetidos todos os actos processuais desde então.

Como refere Cavaleiro Ferreira “…todos os actos processuais se integram, fortemente conexos, na marcha do processo para o seu objectivo. A apreciação judicial do processo, em razão do seu fim, desdenha do que para esse fim foi acidental ou desnecessário, embora em si mesmo ilegal. E é por isso que os actos em si mesmo inexistentes não determinam necessariamente a nulidade do próprio processo. A questão da inexistência colocar-se-á com maior acuidade quanto à decisão final, à sentença, pois que todos os demais actos para ela se encaminham e a preparam. Certo é, porém, que além dos actos judiciais, também outros actos processuais, quando juridicamente inexistentes, podem impedir o caso julgado. Deverão ser, porém, vícios dos actos processuais que se traduzem na inexistência da própria relação jurídica processual…” (Curso, I, 269).

14 – Assim sendo, a arguida foi julgada na ausência porque se partiu do pressuposto errado de que estava regularmente notificada (como aliás consta da acta de audiência de discussão e julgamento de 18-04-2012, a fls. 1385 dos autos) tendo-se dado início à audiência sem a sua presença fora dos pressupostos dos artigos 32º, nº 6 da CRP e 333º e 334º do CPP.

15 – Quando na verdade a arguida nunca chegou a ser notificada da acusação e nem da designação da data para a realização do julgamento, uma vez que todas as notificações, efectuadas por via postal simples, foram remetidas para morada diversa da morada que a arguida veio indicar aos autos e bem assim da morada constante do TIR, devendo ter-se por inexistentes, porquanto nunca foram recepcionadas pela arguida e nem tal pode ser considerado, ou sequer presumido.

16 – Com efeito, o tribunal não acautelou como devia, à luz da informação do processo que devia ter sido tida em consideração, o direito de defesa da arguida, prosseguindo com a audiência de julgamento sem a sua presença.

17 – Ora, como a arguida nunca chegou a tomar conhecimento dos despachos que deduziram acusação e que designaram as audiências de julgamento, não compareceu em julgamento, sendo que tal ausência não resultou da sua inércia ou desresponsabilização, mas antes da omissão dos actos processuais correspondentes às notificações na morada por ela indicada.

18 – Pelo que, ao não ser notificada, não podia a arguida ter sido julgada na ausência, nos termos previstos nos artigos 333º, nº 1, 113º, nº 1al. c), 196º, nºs 2 e 3 als. c) e d) do Código de Processo Penal, por ter sido preterida a devida notificação, que se tem por obrigatória.

19 – Pelo que a falta de notificação à arguida dos actos processuais referidos, designadamente dos despachos que deduziram acusação e que designaram a data para realização de julgamento violou a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigo 6º, nº 3 – Direito a um processo equitativo) e a Constituição da República Portuguesa (artigo 32º), cujo vício de inconstitucionalidade desde já se invoca para todos os devidos e legais efeitos, tendo-se necessariamente conduzido a uma decisão cuja justeza levanta muitas dúvidas.

20 – Circunstancia que constitui um erro judiciário grave, constituindo assim fundamento...

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