Acórdão nº 804/03.2TAALM-B.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelSOUTO DE MOURA
Data da Resolução08 de Outubro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

AA, assistente nos autos, veio interpor recurso de fixação de jurisprudência do acórdão proferido em 25.02.2015, no processo em epígrafe, da 3ª Secção deste STJ, ao abrigo do art. 437º, nº 5, do CPP, em seu nome e em nome de suas filhas menores BB e CC, por considerar haver oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão do STJ proferido a 11/2/2004 (Pº 250/04, 3ª Secção) que assim se considerou um dos acórdãos fundamento, e bem assim com o acórdão de 19/3/2009, também do STJ (Pº 392/09,3ª Secção), escolhido como segundo acórdão fundamento, já que se distinguiram duas questões de direito acerca das quais se afirma haver oposição doe julgados.

As alegadas divergências reportam-se, em geral, ao valor da prova pericial face à redação do art. 163º do CPP.

A – RECURSO I - Foram as seguintes as conclusões da motivação do recurso do arguido: "I- AS SOLUÇÕES OPOSTAS ADOPTADAS PELOS ACÓRDÃOS DO STJ DE 11.02.2004 E 25.02.2015 QUANTO AOS FUNDAMENTOS COM QUE O JULGADOR PODERÁ JUSTIFICAR A SUA DIVERGÊNCIA RELATIVAMENTE AO «JUIZO TÉCNICO, CIENTÍFICO OU ARTÍSTICO INERENTE À PROVA PERICIAL», FACE AO DISPOSTO NOS NR.S 1. E 2. DO ARTIGO 163º DO CPP. 1ª- Ao ter fundamentado em prova testemunhal, in casu, no depoimento prestado em audiência de julgamento pelas testemunhas indicadas na pág. 76 do Acórdão recorrido, a sua divergência relativamente à prova pericial inerente ao relatório da autópsia de 29.09.2003 (fls. 8), que indica como causa de morte da Engª Química DD «enfarte recente do miocárdio (coração), edema e congestão pulmonar», violou a 3ª Secção deste prestigiado Supremo Tribunal, salvo o devido respeito, as normas que integram os nºs 1 e 2 do art. 163º do CPP, tendo adoptado uma solução oposta à do Acórdão fundamento do STJ de 11.02.2004, publicado no livro de registos da 3ª Secção do STJ nº 288 pág.s 80-117, transitado em julgado em 28.09.2004 (fls. 1727 do Proc. 323/01.1GCLRA) e que foi proferido no proc. nº 250/04 da 3ª Secção do STJ .

  1. - Sustenta-se no Acórdão de 25.02.2015, transitado em julgado em 13.03.2015 (fls. 2812), por referência ao juízo pericial inerente ao relatório da autópsia de fls. 8, que «o fundamento da divergência não tem de ascender à contraprova desse juízo, bastando um juízo crítico que se funde não na sua pessoa, mas em juízos emanados de técnicos, cientistas ou artistas, que enfraqueçam ou anulem o primeiramente emanado» (pág.76), solução esta que é manifestamente oposta à que foi adoptada pelo Acórdão fundamento de 11.02.2004, segundo o qual e por referência ao “valor da prova pericial “ e à “conclusão pericial“, «o julgador só pode arredar a conclusão inscrita no parecer “ com fundamento numa crítica material da mesma natureza”», «exigindo-se do tribunal que funde a sua convicção, contrária à dos peritos, num juízo contido no mesmo plano científico, através de nova perícia ou renovação da anterior, a cargo de outros peritos (art. 158º b), do CPP), operando sobre o mesmo material fáctico presente àqueles».

  2. - Ora «o mesmo material fáctico» é, no caso em apreço, o corpo da vítima, pois foi ele o objecto da autópsia, autópsia essa que, como é óbvio, não poderia ser repetida uma década depois, ou seja, ao tempo da realização da audiência de julgamento em que foram inquiridas as testemunhas indicadas na pág. 76 do Acórdão recorrido, não tendo sido realizada qualquer outra autópsia no caso em apreço para além da que foi efectuada a 29.09.2003 e cujo relatório consta de fls. 8, como resulta da certidão em anexo.

    4ª- A conclusão pericial do relatório da autópsia de fls. 8 só poderia pois ser afastada, a ter-se por correcta a tese sustentada no douto Acórdão fundamento de 11.02.2004, com fundamento num juízo de sentido contrário ou diferente, resultante da realização de nova autópsia ou da renovação da que foi realizada em 29.09.2003, o que não aconteceu como resulta do Acórdão recorrido – pág.s 75 a 78 e da certidão em anexo.

  3. - Deverá pois ser reconhecida a manifesta oposição das soluções adoptadas pelos Acórdãos recorrido e fundamento, «no domínio da mesma legislação» e «relativamente à mesma questão direito» que consiste em saber com que fundamentos poderá o julgador justificar a sua divergência relativamente ao «juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial», face ao disposto nos nºs 1. e 2. do artigo 163º do CPP, determinando-se que a solução correcta é a que foi adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça através do Acórdão de 11.02.2004, assim se defendendo o prestígio deste Venerando Tribunal .

    II- AS SOLUÇÕES OPOSTAS ADOPTADAS PELOS ACÓRDÃOS DO STJ DE 19.03.2009 E 25.02.2015 QUANTO À QUESTÃO DE DIREITO QUE CONSISTE EM SABER SE OS PARECERES DO CONSELHO MÉDICO LEGAL DO INSTITUTO DE MEDICINA LEGAL SÃO OU NÃO PARECERES PERICIAIS QUE DEVEM SER APRECIADOS E VALORADOS NOS TERMOS ESTATUÍDOS NO ARTIGO 163º DO CPP.

  4. - Sustenta-se na conclusão XX do Sumário do Acórdão do STJ de 19.03.2009, proferido no processo nº 392/09-3, transitado em julgado em 6.04.2009 e publicado sob a referência 09P0392 em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d1c344d33702c444802575a5003b9091?OpenDocument&Highlight=0,09P0392 que «uma perícia efectuada pelo IML » constitui um «juízo técnico ou científico inerente à prova pericial», considerando-se no supra-referido Acórdão, sem margens para dúvidas (afirmando-se mesmo « E dúvidas não há… ») que « o Parecer do IML é um parecer pericial que deve ser apreciado e valorado nos termos estatuídos no artigo 163º do CPP », tendo-se tratado, no caso decidido por tal Acórdão (como nele se afirma ) de um Parecer « de natureza pericial elaborado pelo Conselho Médico-Legal do Instituto de Medicina Legal de Coimbra», enquanto que no Acórdão recorrido se sustenta solução oposta ao não se reconhecer a natureza pericial do Parecer do Conselho Médico-Legal do Instituto de Medicina Legal de fls. 90 a 94, aprovado por unanimidade por aquele Conselho em 21.04.2005, afirmando-se que o respectivo autor «não é perito» , aproximando-se «do consultor técnico a que se alude no art. 155º, do CPP». 7ª- É pois patente a oposição de soluções adoptadas, no domínio da mesma legislação pelos Acórdãos recorrido e fundamento supra-indicados «relativamente à mesma questão direito», que consiste em saber se os Pareceres do Conselho Médico Legal do Instituto de Medicina Legal são ou não pareceres periciais que devem ser apreciados e valorados nos termos estatuídos no art. 163º do CPP, como é o caso dos Pareceres proferidos nos Acórdãos recorrido e fundamento, respectivamente pelos Professores Doutor Armando Porto e Adriano Vaz Serra, devendo determinar-se que a solução jurídica correcta é a adoptada pelo Acórdão fundamento de 19.03.2009, assim se defendendo o prestígio deste Venerando Tribunal.

    Nestes termos e nos melhores de Direito deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, com as necessárias consequências legais, reconhecendo-se a existência de soluções opostas quanto às supra-referidas questões de Direito e determinando-se que as soluções correctas são as sustentadas nos Acórdãos fundamentos de 11.02.2004 e 19.03.2009.

    Consequentemente deverá, em cumprimento do disposto no nº 2 do art. 445º do CPP, ser revisto o douto Acórdão recorrido de 25.02.2015 e substituído por outro que tenha em consideração a prova pericial resultante do relatório da autópsia de 29.09.2003 (fls. 8), ou seja, que a causa da morte da Engenheira DD foi «enfarte do miocárdio (coração), edema e congestão pulmonar» e bem assim a prova pericial resultante do Parecer da autoria do Professor Doutor Armando Porto e aprovado por unanimidade pelo Conselho Médico Legal do Instituto Nacional de Medicina Legal em 21.04.2005, respeitante à perícia médico-legal descrita a fls. 90 a 94, ou seja, que a conduta omissiva da arguida foi determinante da morte da paciente DD, porque, como se sustenta na referido relatório da Consulta Técnico-científica, «deveria ter-se persistido na hipótese de enfarte do miocárdio e ter realizado vigilância prolongada no Hospital», uma vez que «nas primeiras horas os exames complementares não são esclarecedores do diagnóstico», tendo por conseguinte havido por parte da então arguida EE «violação das legis artis ao não ter sido valorizada a clínica e não ter repetido o ECG e as análises enzimológicas horas depois da admissão e, sempre, antes de ter dado alta à doente» (fls. 93), determinando-se a condenação da demandada EE, médica internista do Hospital Garcia de Orta e a dos demais demandados civis, Hospital Garcia de Orta, SA e Axa Portugal, Companhia de Seguros SA, no pagamento aos recorrentes da indemnização por eles pedida, acrescida dos respectivos juros legais vencidos e vincendos até ao integral pagamento, tendo em consideração os factos considerados provados, ou, se assim se não entender e se considerar que a violação do art. 163º do CPP é causa de anulação do julgamento, ordenando-se que o processo baixe ao Tribunal da 1ª instância ou ao Tribunal da Relação de Lisboa para que seja proferida nova sentença ou novo acórdão quanto ao pedido de indemnização civil, que tenha em consideração a prova pericial resultante do relatório da autópsia de fls. 8 e do Parecer do Professor Doutor Armando Porto de 21.04.2005 de fls. 90 a 94 à luz da decisão a proferir pelo Pleno das Secções Criminais do STJ no caso sub judice." II - O Mº Pº respondeu, pronunciando-se pela admissibilidade do recurso, concluindo deste jeito: "I) O assistente interpõe recurso extraordinário para fixação de jurisprudência com fundamento no disposto no, art. 437.°, n.° 5, do C.P.P..

    II) Em nossa opinião mostram-se verificados os pressupostos de admissibilidade de recurso, e que são: -Admissibilidade de recurso já que se trata de acórdãos proferidos pelo STJ: -O recurso foi interposto para as secções criminais do STJ; Requisitos de admissibilidade substanciais: -Julgamentos opostos da mesma questão de direito; -Interpretação ou aplicação opostas da mesma norma jurídica - conduzindo à...

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