Acórdão nº 230/10.7JAAVR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Outubro de 2015
Magistrado Responsável | NUNO GOMES DA SILVA |
Data da Resolução | 29 de Outubro de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
1. – No âmbito do processo nº 230/10.7JAAVR do Juízo de Instância Central (Albergaria-A-Velha) da Comarca do Baixo Vouga foi proferido acórdão em 2014.07.15 decidindo condenar AA: - como co-autora material, de um crime de homicídio agravado previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 26° e 131º do Código Penal e 86°, nº 3, do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, aprovado pela Lei nº 5/2006, na pena de 13 anos de prisão, - como autora material, de um crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1 alínea c) do citado Regime Jurídico das Armas e suas Munições por referência ao disposto nos seus artigos 2º, nº 1 alíneas p) e s) e 3º, nº 5 alínea c) na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, - em cúmulo jurídico, na pena de única de 13 anos e 6 meses de prisão.
E condenar DD como cúmplice de um crime de homicídio agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 26.° e 131.º do Código Penal e 86°, nº 33, do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, na pena de 6 anos de prisão.
Ambas as arguidas foram absolvidas da prática de um crime de sequestro agravado do art. 158º, nº 1 do Código Penal com referência ao art. 86º, nº 3 do mencionado Regime Jurídico das Armas e suas Munições pelo qual estavam acusadas, sendo a arguida DD como cúmplice.
Interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do Porto que por acórdão de 2015.03.25 lhes negou provimento.
A arguida AA interpôs novo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça formulando na sua motivação as seguintes conclusões (transcrição): A. Entende a recorrente não terem sido levadas em consideração todas as circunstâncias relevantes para a boa decisão da causa, sendo que a decisão da sua condenação na pena de treze (13) anos e seis (06) meses de prisão efectiva se revela desnecessária e prejudicialmente severa, bem como desproporcional.
B.
Efectivamente, não se provando que a arguida AA tivesse tomado parte na execução de um plano comum, ou tivesse o domínio do facto e, consequentemente, tivesse contribuído com a sua actuação para a produção do resultado, ou seja, a morte do BB, não deveria a mesma ter sido condenada como co-autora no crime de homicídio qualificado, por não se encontrem preenchidos os requisitos de tal instituto, previsto no artigo 26.° do Código Penal - pelo que o Acórdão recorrido violou tal preceito legal, devendo a ora recorrente ser absolvida.
C.
Sem prescindir ou de alguma forma conceder, sempre se haveria de entender que a recorrente, apenas e quando teve conhecimento dos factos praticados pelo individuo do sexo masculino, lhe prestou, sob o ascendente deste, auxílio, não tendo, conforme resulta da prova produzida em audiência de julgamento, pleno domínio do facto.
D.
Pelo que deveria a conduta da arguida ser subsumível na figura da cumplicidade, devendo por isso beneficiar da atenuação especial prevista no artigo 27, n.° 2 do Código Penal.
E.
Admitindo, sem prescindir nem conceder, que assim não se venha a entender, sempre teria que se considerar haver claro excesso na medida da pena aplicada.
F.
Ainda que assim não se entenda, e sempre sem prescindir, consideramos que o Acórdão recorrido violou os critérios dosimétricos dos artigos 40° e 71° do Código Penal.
G.
Condenado a arguida na pena de prisão em que condenou, atentos os argumentos expendidos aquando da fundamentação do presente recurso, violou o Acórdão recorrido o disposto nos artigos 40° e 71° do Código Penal, bem como os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade.
H.
A arguida ora recorrente interiorizou o desvalor da sua conduta e está a tentar conduzir a sua vida de acordo com o Direito e as normas sociais vigentes.
I.
Culpa e prevenção são as referências norteadoras da determinação da medida da pena (vide artigo 71°, n.°1 do Código Penal), a qual visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (vide artigo 40°, n.° 1 do Código Penal).
J.
A pena aplicada à arguida, in casu, mostra-se excessiva, uma vez que ultrapassa o grau de culpa e, ao determinar a concreta medida da pena, tanto o Tribunal de primeira instância como o Tribunal a quo acentuaram a prevenção e repressão do crime, alheando-se da recuperação e ressocialização do delinquente.
K.
Perante o exposto, atendendo à materialidade considerada provada e tendo em conta os factores enunciados no citado artigo 71° do Código Penal, entende-se que a medida da pena de prisão fixada é excessiva, pelo que deveria o Tribunal a quo ter optado por uma pena de prisão pelo mínimo legal aplicável ao caso concreto.
L.
Por força dos princípios da adequação, necessidade, proporcionalidade, e em respeito pelas exigências de prevenção quer geral, quer especial que se verificam in casu, sempre deverá a pena aplicada à arguida AA ser mais atenuada.
M.
Assim, adequada, justa e proporcional seria a pena aplicada à arguida ser mais próxima do respectivo limite mínimo previsto por lei e, consequentemente, ser a mesma suspensa na sua execução, nos termos do artigo 50.° do Código Penal.
O magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso defendendo a sua improcedência por considerar, em síntese, que a recorrente aderiu e participou no plano delituoso tendo colaborado em várias das acções que o realizaram (domínio funcional do facto) e que teve a morte do ofendido como resultado, possibilidade que previu e com a qual se conformou. Considerou ainda que a pena imposta pelo crime de homicídio, a única posta em causa, deve ser mantida por não ser desnecessária, desproporcional e desadequada.
Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Sra. Procuradora-geral Adjunta deu parecer «no sentido da anulação do Acórdão recorrido por padecer dos vícios elencados nas alíneas b) e c) do nº 2 do art. 410º do CPP, com referência ao art. 434º do diploma legal».
Isto porque considera que há por um lado erro notório na apreciação da prova e contradição insanável da fundamentação e por outro há factos dados como provados que são contraditórios entre si e não permitem uma decisão clara pois tanto se dá como assente que a arguida AA e o indivíduo não identificado actuaram em comunhão de esforços e intentos na produção da morte da vítima como logo após se dá como provado que a arguida contribuiu para a produção do resultado morte da vítima resultado que previu como possível e com o qual se conformou.
Foi cumprido o art. 417º, nº 2 CPP tendo a recorrente respondido secundando a posição expressa.
* 2. – O resultado do julgamento quanto aos factos provados e não provados a respeito da culpabilidade de ambas as arguidas e da determinação da sanção da recorrente e respectiva fundamentação foi o seguinte: 2.1 – Factos provados (transcrição) 1 - Durante a tarde do dia 23 de Maio de 2010, a solicitação de BB, este e CC, deslocaram-se até uma zona de pinhal, situada num acesso de terra batida próximo da Estrada Municipal nº 580 e a cerca de 750 (setecentos e cinquenta metros) metros das residências existentes na Rua ..., local onde se situa o acampamento onde viviam as arguidas, a fim de consumirem produto estupefaciente.
2 - Para o efeito, deslocaram-se na viatura ligeira de mercadorias de matrícula ...-QH, marca Renault, modelo Clio, propriedade e conduzida por CC e, uma vez aí chegados, pararam a viatura, aí permanecendo.
3 - Quando aí se encontravam a consumir produto estupefaciente, passou pelo local a arguida AA a qual, ao vê-los, interpelou-os, perguntou-lhes o que ali estavam a fazer e de onde eram, ao mesmo tempo que gritava, sendo que após abandonou o local.
4 - A arguida AA dirigiu-se para o acampamento, onde foi ter com a arguida DD e com um indivíduo de sexo masculino que ali se encontravam, a quem deu a conhecer a presença daqueles indivíduos nas proximidades, identificando o local onde os mesmos estariam.
5 - De imediato todos decidiram ir ter com os ofendidos, visando todos, em comunhão de esforços, meios e de intenções, ofender o corpo e a saúde do BB e do CC, se necessário mediante o uso de arma de fogo e mesmo atentar contra as suas vidas.
6 - Para o efeito e como o combinado o indivíduo de sexo masculino muniu-se de uma arma de fogo que se encontrava guardada em casa da arguida AA.
7 - As arguidas e o indivíduo de sexo masculino dirigiram-se para o local onde as vítimas se encontravam.
8- Ao local onde estavam os ofendidos chegaram a arguida AA e a arguida DD, que para aí se deslocaram na viatura de matrícula ....-FV, marca Seat, modelo Córdoba, propriedade da primeira e por si conduzida, sendo que o veículo ficou imobilizado em frente à viatura dos ofendidos, bloqueando-lhes a saída pelo local por onde haviam entrado, ao mesmo tempo que ao local também chegou um indivíduo de sexo masculino, o qual estava munido de uma arma de fogo.
9 - A arma com que o indivíduo de sexo masculino se muniu, trata-se de espingarda caçadeira, de calibre 12, de marca MAVERICK, modelo 88, com o n.º de série MV35950L, do tipo arma de repetição, com funcionamento por actuação manual da culatra no fuste ("pump-action"), com um cano de alma lisa, com aproximadamente 531mm, câmara com 76 mm, com um percutor e um gatilho, com o peso de 3,31Kg, ponto de mira fixo, carcaça metálica e coronha e fuste em plástico, com chapa de coice em borracha, e com 1 140 mm de comprimento total, em boas condições de funcionamento, apresentando-se em regular estado de conservação e sem qualquer deficiência que afecte a realização de disparos, a qual devidamente municiou.
10 - No local e logo após a sua chegada, as arguidas AA e DD, acompanhadas pelo indivíduo de sexo masculino, decidiram todos os três ir ter com os ofendidos, os quais se encontravam no interior do veículo de matrícula ...-QH, marca Renault, modelo Clio.
11 - Nesse momento o indivíduo de sexo masculino, logo empunhou aquela arma de fogo, apontou-a na direcção dos ofendidos, tendo o BB, de imediato, dito ao CC "Olha é o Quim".
12 - Nesse acto, sob a ameaça de os matar e com a arma apontada nas suas direcções, o indivíduo de sexo...
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