Acórdão nº 5928/12.2TBLRA-C.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Outubro de 2015
Magistrado Responsável | LOPES DO REGO |
Data da Resolução | 29 de Outubro de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA instaurou incidente de revisão da sentença de adopção do menor BB, invocando a norma da alínea b) do nº1 do art. 1990º do CC, alegando que: A requerente é irmã do menor BB, nascido em 30/1/2006, sendo filho biológico de CC e de DD. No âmbito do processo promoção e protecção a favor de BB (proc. nº2733/10.4TBEVR), que se iniciou com a denúncia da requerente, foi aplicada, em 9/12/2010, a medida de acolhimento na instituição “O EE”, tendo sido autorizada a visita dos irmãos.
Face ao comportamento dos pais biológicos do menor e às vicissitudes da sua vida pessoal, a requerente teve de tomar a difícil decisão de confiar o seu irmão ao acolhimento em instituição, acreditando que poderia vir a tomar conta dele num futuro próximo, decidindo fazê-lo em Maio de 2013, vindo a saber que o seu irmão já não estava na instituição e que tinha sido adoptado.
A Requerente, a sua mandatária e os seus irmãos não foram notificados da intenção do Ministério Público de aplicar a medida de confiança judicial com vista à adopção.
Em 3/10/2011, foi proferida decisão que aplicou a favor da criança a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção, prevista no art.º 35º, n.º 1, al. g) da LPCJP (L 147/99 de 01.09).
Os progenitores não interpuseram recurso dessa decisão, não tendo tal decisão sido notificada aos irmãos da criança, identificados no processo n.º 2733/10.4TBEVR como família alargada daquele.
Nenhum dos irmãos, nem a mandatária judicial, esteve presente no debate judicial ocorrido no dia 21/9/2011, desconhecendo a intenção ou a possibilidade de vir a ser aplicada a referida medida, por total ausência de comunicação prévia, quer por parte do Ministério Público, quer por parte do Tribunal.
A audiência de julgamento decorreu sem a presença das Juízes Sociais, tendo a Mmª Juiz considerado que a ausência das mesmas não devia determinar o adiamento da diligência, decidindo que se encontravam reunidas as condições para iniciar o debate judicial, sendo o Tribunal composto apenas pelo Juiz do processo, que presidiu à diligência.
Por outro lado, a referida medida não poderia ser tomada sem que os pais ou outros familiares participassem na discussão e tivessem a oportunidade de exercer o contraditório, pois enquanto todas as outras medidas de promoção e protecção não vão além da limitação do exercício das responsabilidades parentais, a da confiança para futura adopção significa a privação, quer do exercício, quer da titularidade do poder paternal, por força do art.º 1978º-A do CC.
A decisão que aplicou ao menor Ricardo a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção violou, assim, a lei e os direitos da criança, não tendo, por isso, a virtualidade de afastar o consentimento dos familiares da criança, no caso de decisão de adopção, encontrando-se esta viciada na sua génese (arts 4º e 35º da LPCJP, art.º 9º da Convenção dos Direitos da Criança e art.16 CRP).
Contestou o Ministério Público, defendendo-se por excepção, ao arguir a ilegitimidade activa da requente, uma vez que a lei ( art. 1991º CC) não a legitima a pedir a revisão; e por impugnação alegou no sentido de que a preconizada revisão afectaria os interesses do adoptado.
Respondeu a requerente, contraditando a excepção, alegando, em síntese, que a legitimidade para a revisão da sentença de adopção não pertence apenas aos progenitores, devendo a legitimidade da requerente ser aferida nos termos do art. 197º do CPC, por ser quem interesse na observância das formalidades preteridas, que implicam nulidade processual e na garantia do contraditório, dada a prevalência do princípio da família natural.
No final, foi proferida decisão a julgar a requerente parte ilegítima e indeferir o incidente de revisão.
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Inconformada, a requerente apelou, tendo, porém, a Relação negado provimento ao recurso – começando por definir os elementos processuais relevantes: BB nasceu em 30/1/2006, sendo filho biológico de CC e de DD.
A requerente é irmã do menor BB.
No âmbito do processo promoção e protecção a favor de BB (proc. nº2733/10.4TBEVR), foi aplicada, por sentença de 9/12/2010, a medida de confiança na instituição “O EE”, com vista à adopção.
Em 18/5/2012, a curadoria provisória do menor foi transferida para os candidatos à adopção.
Por sentença de 9/1/2013, transitada em julgado, foi decretada a adopção plena do menor BB pelos adoptantes.
A requerente AA deduziu o incidente de revisão da sentença de adopção.
Por sentença de 21/8/2014, julgou-se a Autora parte ilegítima e indeferiu-se a revisão.
Passando, de seguida, a apreciar o mérito do recurso, considera o acórdão recorrido: A sentença recorrida desatendeu o pedido da requerente com base em dois tópicos argumentativos: (i) falta de legitimidade activa e (ii) porque (subsidiariamente) os interesses do menor seriam consideravelmente afectados.
Objecta a Apelante dizendo que a sua legitimidade assenta no princípio da prevalência da família biológica, sendo que as nulidades cometidas no âmbito do processo de protecção não ficaram sanadas com a sentença de adopção (“ a Autora tem a legitimidade suficiente e necessária decorrente da importância que a lei lhe reserva e confere enquanto família alargada do menor, a considerar em obediência ao princípio da prevalência da família”).
A lei (art. 1989 CC) consagra o princípio da irrevogabilidade da adopção plena (“ A adopção plena não é revogável nem sequer por acordo do adoptante e do adoptado”), cuja justificação assenta no princípio da confiança e da estabilidade das relações familiares e na garantia constitucional da protecção da adopção ( art. 36 nº7 CRP).
No entanto, o art. 1990 nº1 CC prevê excepcionalmente a possibilidade de revisão da sentença de adopção, ao enunciar (alíneas a) a e) ) taxativamente as causas ou fundamentos da impugnação.
Sendo a adopção um “acto jurídico complexo” (integrado pela declaração de vontade do adoptante, os consentimentos exigidos e a sentença), e não uma declaração negocial, a lei não prevê a anulação da adopção (por falta ou vícios do consentimento), mas instituiu (excepcionalmente) a revisão da sentença, com a destruição retroactiva dos seus efeitos.
Porém, o art. 1991 do CC estabelece as pessoas com legitimidade para pedir a revisão da sentença e a caducidade do direito, sendo que a legitimidade varia em conformidade com o fundamento subjacente, e, no plano processual, a revisão é processada como incidente do processo de adopção ( art. 173-A nº3 OTM ).
Mesmo que se comprovem os fundamentos da revisão, esta não é concedida se os interesses do adoptado ficarem “consideravelmente afectados” ( nº3 do art. 1990 CC ), ou seja, se isso perigar o seu desenvolvimento, se os interesses forem seriamente ameaçados.
Pode afirmar-se que a regra é a irrevogabilidade da sentença de adopção, e a excepção a sua revisão, apenas com base nos fundamentos substantivamente previstos e pelas pessoas a quem a lei confere legitimidade.
Claro está que isto não obsta a que que a sentença não possa ser revista através do recurso extraordinário de revisão (art. 696 CPC), como resulta do art. 173-A OTM, desde que verificados os apertados requisitos legais.
A requerente, irmã do adoptado, fundamenta o pedido de revisão, não em quaisquer das causas do nº1 art. 1990 CC, mas em nulidades processuais, alegadamente praticadas no processo de protecção (ausência de notificação à requerente da medida de confiança com vista à adopção, não intervenção de juízes sociais).
Desde logo, a revisão só pode fundar-se nas causas do art. 1990 nº1 (falta ou vícios do consentimento) e jamais em alegadas nulidades processuais do processo de protecção.
Para além disso, a lei apenas confere legitimidade para o pedido de revisão às pessoas referidas no art. 1991 do CC, o que manifestamente não é o caso, porque a lei não exige o consentimento da requerente, irmã do adoptado, para a adopção.
A Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo (Lei nº147/99 de 1/9), assume um novo paradigma no direito dos menores, cujo art. 35 prevê um conjunto de medidas de promoção e protecção, com o objectivo, expressamente assinalado no art. 34, de afastar o perigo em que estes se encontram (alínea a/ ), proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral (alínea b/), garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso (alínea c/).
A medida decretada de confiança a pessoa seleccionada para adopção, prevista no art. 35 alínea g) da LPJCP, foi introduzida pela Lei nº31/2003 de 22/8, pressupõe, nos termos do art. 38-A, que se verifique qualquer das situações previstas no art. 1978 do CC, cujo espectro normativo, numa interpretação teleológica, abrange outras situações similares (por exemplo, a toxicodependência ou o alcoolismo), sendo que a “ não existência ou sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação “ revela-se como requisito autónomo comum a todas as situações tipificadas E o perigo exigido na alínea d) do nº1 do art. 1978 do CC é aquele que se apresenta descrito no art.3º da LPCJP, conforme expressamente se remete no nº3 do art. 1978 do CC, sem que pressuponha a efectiva lesão, bastando, assim, um perigo eminente ou provável.
Neste contexto, a medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção (arts. 38-A e 62-A da LPCJP), para além de afastar o perigo do menor, visa simultaneamente a “ confiança pré-adoptiva “, dispensando a acção prévia de confiança judicial destinada à adopção, significando que o instituto da adopção é agora cada vez mais orientado para protecção das crianças e dos jovens.
O grande princípio orientador da intervenção é o “superior interesse da criança” (art.3º nº1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança, art. 4 a) LPCJP , nº2 1978 CC ) devendo...
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