Acórdão nº 6626/09.0TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução01 de Outubro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA - Actividades Hoteleiras, Ldª, instaurou uma acção contra BB Imobiliária, SA, pedindo a sua condenação no pagamento de € 572.746,15, com juros de mora contados desde a citação até integral pagamento, como indemnização pelos prejuízos causados com o incumprimento de um “contrato de licença de utilização no Centro Comercial Carrefour de …”, celebrado em 31 de Maio de 2005, na sequência de vários outros contratos celebrados entre as partes desde 1991.

Segundo a autora, e em síntese, a ré não cumpriu os deveres que assumira com o contrato, nomeadamente os deveres de “assegurar com eficiência quer a segurança externa quer interna do centro comercial”, de “promover a animação e publicidade do Centro Comercial”, de realizar “as obras imprescindíveis e absolutamente necessárias (…) para que A. pudesse ter a sua loja em pleno funcionamento” e as “benfeitorias na galeria que a R. deveria ter levado a cabo”; para além disso, as circunstâncias em que o contrato foi celebrado alteraram-se significativamente com a “venda do hipermercado (pela R.) ao grupo Continente”, tendo a ré passado a tratar os diversos lojistas de forma desigual e discriminatória, perante essas alterações. Disse ainda que a ré não tinha actuado de boa fé nas negociações do contrato tendentes à alteração do espaço ocupado pela sua loja, que a afluência ao centro comercial baixou drasticamente desde 2005, por desinteresse da ré, o que impediu a autor a de cumprir integralmente um contrato de fornecimento de café, devendo a ré ressarci-la do custo do incumprimento.

A ré contestou e requereu a intervenção de Continente Hipermercados, SA. Sustentou ser totalmente alheia à aquisição da Carrefour pela Sonae, ser apenas proprietária de diversas fracções do prédio onde se situa o centro comercial e sucessora da Carrefour em vários contratos de cedência a lojistas, “no qual se inclui o contrato entre a cedente e a autora”, que foi renovado em 2005; que não é proprietária da fracção onde se encontra o hipermercado; que sempre cumpriu devidamente os deveres a que estava obrigada e que não tem nenhum fundamento a acusação de ter agido de má fé. Concluiu no sentido de que a acção deve ser totalmente improcedente.

A autora replicou. Por entre o mais, afirmou que a ré “transmitiu uma imagem (de administradora do Centro) que não corresponde à verdade, o que demonstra uma postura de continuada má fé”, requereu a intervenção principal, como réus, dos administradores da ré e das sociedades Continente Hipermercados, SA e Carrefour SA, e dos administradores de ambas e pediu a condenação da ré como litigante de má fé.

A ré treplicou. Pediu que fosse a autora a ser condenada por litigância de má fé.

Apenas foi admitida a intervenção de Continente Hipermercados, SA, que veio contestar.

A acção foi julgada improcedente pela sentença de fls. 4170. A sentença considerou que a autora não tinha demonstrado qualquer incumprimento e que, quer a primitiva ré, quer a interveniente, provaram que tinham cumprido; e que não procediam os demais fundamentos invocados.

A autora interpôs recurso de apelação, arguindo diversas nulidades da sentença e incorrecções da base instrutória, e impugnando a decisão sobre a matéria de facto, O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de fls. 7177, negou provimento ao recurso. Indeferiu a arguição de nulidades, bem como a alegação de irregularidades da base instrutória e negou a reapreciação da prova pretendida pela autora, nestes termos: «Pretende a autora, ora apelante, impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto, com vista à reapreciação da prova gravada, devendo ser dados como integralmente provados os quesitos 2°, 3°, 5°, 6°, 7º, 9º, 15°, 16°, 180, 19°, 21º, 23°, 25°, 28°, 29°, 32°, 33°, como não provado o quesito 17° e como parcialmente provados os quesitos 22°, 24° e 26°.

Alegou que o tribunal a quo, a régua e esquadro, deu como não provados, tout court, todos os quesitos cuja prova era pertinente à autora.

E como, o mesmo tribunal deu como provados, tout court, ou provado apenas todos os quesitos cuja prova era pertinente à ré.

Realçou que a sentença assumiu uma dualidade de critérios visto, na maior parte dos casos, terem apenas sido valorados os depoimentos das testemunhas arroladas pela ré e só muito pontualmente os depoimentos das testemunhas arroladas pela autora.

Disse ainda que a autora apresentou nove testemunhas dos mais variados quadrantes (clientes, lojistas, fornecedores, contabilistas, terceiros, funcionárias etc) enquanto que a ré apresentou, apenas e só, os seus funcionários e administradores, os quais, obviamente, dependem economicamente dela.

Cumpre decidir. A apelante centrou integralmente as suas conclusões, nesta parte, na impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, limitando-se a concluir que “o tribunal a quo decidiu em violação flagrante do princípio da proporcionalidade e da equidade com o que cometeu flagrante denegação de justiça”.

Praticamente, toda a matéria de facto foi impugnada, propondo a apelante que se dê como integralmente provados os quesitos respeitantes à matéria de facto alegada pela autora e como não provado o quesito 17° e parcialmente provados os quesitos 22°, 24° e 26° referentes à matéria de facto alegada pela ré.

O artigo 640° do Código de Processo Civil (Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto), preceitua o seguinte: (…) Daqui resulta, para a parte que impugna a matéria de facto, o cumprimento de diversas regras ou formalismos processuais.

A este propósito, no seu acórdão de 14.3.2002 o Tribunal Constitucional decidiu o seguinte: "As formalidades processuais ou, se se quiser, os formalismos, os ritualismos, os estabelecimentos de prazos, os requisitos de apresentação das peças processuais e os efeitos cominatórios são, pois, algo de inerente ao próprio processo. Ponto é que a exigência desses formalismos se não antolhe como algo que, mercê da extrema dificuldade que apresenta, vá representar um excesso ou uma intolerável desproporção, que, ao fim e ao resto, apenas serve para acentuadamente dificultar o acesso aos tribunais, assim deixando, na prática, sem conteúdo útil a garantia postulada pelo n" I do art. 20° da Constituição" [Diário da República, II, de 29.5.2001].

Incumbe, assim, ao recorrente relativamente ao pedido de reapreciação da matéria de facto: – A necessidade de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente qual a parcela ou segmento o "ponto" ou "pontos" da matéria de facto da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento.

– O ónus de fundamentar as razões por que discorda do decidido, indicando ou concretizando quais os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que, no entender do recorrente, impõem decisão diversa da tomada pelo tribunal, quanto aos pontos da matéria de facto impugnados.

No caso sub judice a apelante não estruturou desta forma a impugnação da decisão sobre a matéria de facto não obedecendo ao formalismo acima referido.

Tal como se decidiu no Acórdão do STJ de 5.2.2004, que mantém actualidade, entendemos que, se a parte quiser que sejam reapreciados pelo Tribunal da Relação os depoimentos gravados, não pode pretender a reapreciação de toda a matéria de facto, ou seja, da realização de um novo julgamento.

Escreveu-se, de relevante e a este propósito, em tal douto aresto o seguinte: " O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não significa um julgamento ex novo e global dessa matéria, mas sim a possibilidade do tribunal de 2ª instância fiscalizar os erros concretos do julgamento já realizado. Dupla jurisdição não quer dizer forçosamente repetição. É o que o legislador pretendeu assinalar no preâmbulo do DL 35/95 de 15.02, quando aí consignou, que o duplo grau de jurisdição visava "apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso".

Apesar de ter ocorrido gravação dos depoimentos prestados em audiência, não é possível proceder à reapreciação da prova uma vez que a recorrente, nas conclusões do recurso, pretende decisão diversa com base num novo julgamento neste tribunal de recurso.

O que lhe é vedado pela interpretação da norma processual em análise, que apenas lhe possibilita fundamentar a impugnação da decisão sobre matéria de facto, demonstrando que entre a passagem que indica se encontram aqueles pontuais, concretos e excepcionais erros de julgamento abrangidos na previsão do julgador.

Ora, o exercício desta faculdade fiscalizadora sobre...

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