Acórdão nº 4156/10.6TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelMELO LIMA
Data da Resolução01 de Outubro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO 1. O Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil intentou, no 3.º Juízo, 1.ª Secção, do Tribunal do Trabalho de Lisboa, a presente ação de interpretação de cláusulas de convenção coletiva de trabalho, sob a forma do Processo Especial, contra a «TAP Air Portugal, S.A.», pedindo que o Tribunal atribua às cláusulas 3.ª, n.º 1, 11.ª, n.º 1, e 12.ª do Acordo de Empresa celebrado entre as partes, e publicado no BTE 1.ª Série n.º 8, de 28 de fevereiro de 2006, a seguinte interpretação: (i) Cláusula 3ª, nº1: «A retribuição mensal dos Tripulantes de Cabine é constituída pelo vencimento fixo, pela ajuda de custo complementar e/ou pelo subsídio de disponibilidade, pelo vencimento de senioridade, conforme a tabela, em cada momento, em vigor».

(ii) Cláusula 11ª, nº 1: «O tripulante tem direito, anualmente, a um subsídio de montante igual a um mês de retribuição mensal, a que se refere o número 1 da Cláusula 3ª (retribuição mensal), a qual inclui a média dos montantes pagos a título de ajuda de custo complementar e/ou subsídio de disponibilidade, a pagar até 15 de dezembro».

(iii) Cláusula 12ª: «1. Durante o período de férias, o tripulante tem direito à retribuição a que se refere o número 1 da cláusula 3.ª (Retribuição mensal), a qual inclui a média dos montantes pagos a título de ajuda de custo complementar e/ou subsídio de disponibilidade.

  1. Além da retribuição mencionada no número anterior, os tripulantes de cabine têm direito a um subsídio de férias de montante equivalente a um mês de retribuição prevista no número 1, da cláusula 3ª (retribuição mensal), a qual inclui a média dos montantes pagos a título de ajuda de custo complementar e/ou subsídio de disponibilidade».

    Alegou, para tanto, em síntese, que, pelas suas características, a ajuda de custo complementar e o subsídio de disponibilidade a que se reporta devem ser qualificados como retribuição, e que, por se tratar de prestações pecuniárias regulares e contínuas, devem integrar o cálculo da retribuição de férias, do subsídio de férias, e do subsídio de Natal.

  2. Regularmente citada, a Ré contestou alegando, em síntese, que a ajuda de custo complementar não tem natureza de retribuição porque visa assegurar a cobertura de todas as despesas dos tripulantes na escala do destino, onde as tripulações aguardam o voo de regresso, com exceção das de alimentação, e que o subsídio de disponibilidade foi extinto em 2001 e integrado na retribuição de base, com efeitos retroativos a 01/12/2000. Mais sustenta que tais prestações não têm carácter retributivo, nem se revestem de natureza regular e periódica, pelo que não devem integrar o cálculo da retribuição de férias, do subsídio de férias, e do subsídio de Natal.

  3. O mérito da ação foi conhecido em sede de despacho saneador tendo sido proferida decisão a julgar a «ação parcialmente procedente e, em consequência: 1. Estabelecer que as cláusulas 3ª e 12ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais, anexo ao acordo de empresa celebrado entre Autor e Ré e publicado no BTE 1ª série, nº 8, de 28/02/2006, devem ser interpretadas nos seguintes termos: a. A prestação retributiva especial a que alude a clª 5ª constitui retribuição nos termos e para os efeitos previstos nos arts. 249º, nºs 1, 2 e 4 do CT2003 e 258º, nºs 1, 2 e 4 do CT2009.

    1. No cálculo das retribuições de férias e subsídio de férias do tripulante de cabine deve atender-se à média das quantias auferidas pelo mesmo a título de prestação retributiva especial a que alude a clª 5ª nos doze meses que antecederam aquele em que as férias devem ser gozadas, desde que, nesse período o tripulante de cabine tenha auferido tal prestação em pelo menos seis meses.

  4. Absolver a ré do demais peticionado».

  5. Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação, sendo que o Tribunal da Relação veio a julgar o recurso parcialmente procedente e, em conformidade, decidiu alterar a sentença recorrida quanto à interpretação da cláusula 12.ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais, integrado no AE/2006, publicado no BTE n.º 8, de 28 de fevereiro de 2006, fixando-a nos seguintes termos: «No cálculo das retribuições de férias e subsídio de férias do tripulante de cabine deve atender-se à média das quantias auferidas pelo mesmo a título de prestação especial a que alude a Clª 5.ª nos doze meses que antecederam aquele em que as férias devem ser gozadas, desde que, nesse período o tripulante de cabine tenha auferido tal prestação em, pelo menos, onze meses».

  6. É contra esta decisão que se insurge, novamente, a Ré, no Recurso de Revista que interpôs para este Supremo Tribunal de Justiça, alinhando, para o efeito, as seguintes conclusões: «1.

    Vem o presente recurso interposto do Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa que julgando parcialmente procedente o recurso interposto pela Recorrente, ainda assim, veio a considerar, que a interpretação da Cláusula 12.ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais (adiante só "Regulamento"), anexo ao Acordo de Empresa celebrado entre a TAP, S.A. e o SNPVAC, aqui Recorrente e Recorrido, respetivamente, publicado no BTE, n.º 8, de 28-02-2006, adiante só "AE", deve ser a seguinte: No cálculo das retribuições de férias e de subsídio de férias do tripulante de cabina, deve atender-‑se à média das quantias auferidas pelo mesmo a título de prestação retributiva especial a que alude a cláusula 5.ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais, nos doze meses que antecederam aquele em que as férias devem ser gozadas, desde que, nesse período, o tripulante tenha auferido tal prestação em, pelo menos, onze meses.

  7. Para fundamentar tal decisão, o tribunal “a quo” entendeu que (i) por força da Cl.ª 40.ª do AE devem ser aplicadas as regras legais previstas no Código do Trabalho, adiante só "CT” (art.º 264.º do CT2009), devendo ter-se em conta "na retribuição de férias e no respetivo subsídio dos tripulantes de cabina o todo retributivo, ou seja, tudo quanto a lei considera retribuição" e não o regime instituído quanto a esta matéria nas Clªs 3.ª e 12.ª do Regulamento, e (ii) a Prestação Retributiva Especial PNC, prevista na Cl.ª 5.ª do Regulamento constitui retribuição nos termos e para os efeitos previstos no art.º 258º, nºs. 1, 2 e 4 do CT2009.

  8. O presente recurso é limitado à decisão supra referida, relativamente à «Retribuição Especial PNC», pois quanto ao mais andou bem o Tribunal "a quo".

  9. A decisão ora em crise aplicou automaticamente a Cl.ª 40.ª do AE, sem fazer uma interpretação mais profunda sobre os regimes em causa (legal e convencional) e a sua compatibilização, bem como uma análise concreta sobre se as partes na Cl.ª 12.ª do Regulamento não quiseram efetivamente consagrar um regime diferente do da lei geral, e em concreto mais favorável.

  10. A regulamentação coletiva de trabalho visa a auto-regulação pelas partes interessadas do regime que lhes é aplicável e na interpretação dos IRCTs, atenta a sua natureza híbrida, deve ter-se em conta não só a sua vertente normativa mas também os aspetos obrigacionais, sendo aplicáveis os princípios resultantes das regras da interpretação da lei (art. 9.º do Código Civil) bem como os princípios que resultam das regras da interpretação dos negócios jurídicos (arts. 236.º a 238.º do Código Civil).

  11. Na interpretação dos IRCTs deve presumir-se que as partes expressaram de forma clara a sua vontade, criando um regime convencional sistematicamente coerente, resultante de uma negociação com cedências de parte a parte, e um conjunto de regras que não se limitam à reprodução da lei ou à consagração de regimes que em geral sejam menos favoráveis do que os legais.

  12. A compatibilização dos regimes legais e convencionais, e as limitações ao grau de intervenção dos IRCTs, consta hoje do art. 3.º do CT, em particular, e para o que interessa à matéria em apreço, nos nºs. 1 e 3, alínea j), nos termos do qual, as normas legais que regem o contrato de trabalho só podem ser afastadas por IRCTs desde que estes, sem oposição daquelas normas, disponham em sentido mais favorável aos trabalhadores e as normas legais não sejam imperativas.

  13. No caso em apreço nos presentes autos, a questão coloca-se numa perspetiva inversa à habitual, uma vez que é o AE quem estabelece ser aplicável o regime legal, sempre que este "disponha de condições mais favoráveis às que ficam estabelecidas no presente" acordo (Cl.ª 40.ª), sendo necessário determinar não só quando é que o regime legal será mais favorável do que o convencional, mas também quando é que este regime, pela sua natureza e especificidade, não estabeleceu regras precisas (imperativas), que não podem ser afastadas.

  14. O acórdão sob censura decidiu, erroneamente, salvo o devido respeito, que não considerando a CL.ª 12.ª do Regulamento, em sede de determinação da retribuição de férias e do respetivo subsídio, "o todo retributivo" nos termos definidos na lei, o regime legal será mais favorável, devendo ser o aplicável.

  15. O Regulamento em causa estabelece um conceito de retribuição (CLª 1ª) que reproduz no essencial os requisitos legais de obrigatoriedade, regularidade, periodicidade e contrapartida do trabalho, para que determinada prestação seja considerada retribuição, bem como um conjunto de abonos diversos (Cl.ª 2.ª), ajuda de custo complementar (Cl. ª 4.ª) e uma prestação retributiva especial (Cl.ª 5.ª).

  16. Aquele Regulamento estabelece ainda, na Cl.ª 3.ª, n. º 1, que "A retribuição fixa mensal dos Tripulantes de Cabine é constituída pelo vencimento fixo e pelo vencimento de senioridade conforme a tabela em cada momento em vigor" e na Cl.ª 12.ª, n. 2, que para "Além da retribuição mencionada no número anterior, os Tripulantes de Cabine têm direito a um subsídio de férias de montante equivalente a um mês da retribuição prevista no número 1 da cláusula 3.ª (Retribuição mensal), acrescido do valor de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros).

  17. Face a...

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