Acórdão nº 883/08.6TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelFERNANDA ISABEL PEREIRA
Data da Resolução15 de Janeiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório: AA, S.A.., instaurou, em 18 de Setembro de 2008, nas Varas Cíveis do Porto acção declarativa de contra (1.º) BB, Ldª, (2.º) CC e (3.º) DD, e (4.º) EE, pedindo a condenação dos Réus a pagarem-lhe as quantias de €31.925,46 e, bem assim, os juros vincendos às taxas legais sobre as quantias de €14.058,33 e à taxa legal para as dívidas comerciais sobre a quantia de €8.443,81, até integral e efectivo pagamento.

Para o efeito, alegou, em suma, que celebrou com a ré sociedade um contrato, nos termos do qual esta se obrigou a adquirir-lhe em exclusividade determinada quantidade de café, sob pena de ter de pagar à autora uma indemnização nos moldes fixados no contrato. A sociedade ré cedeu ao 4.º réu a exploração do estabelecimento comercial onde o café deveria ser adquirido, transmitindo para este as obrigações decorrentes do contrato. Nem a sociedade ré nem o 4.º réu cumpriram o contrato e, apesar de interpelados, mantiveram esse incumprimento, pelo que a autora resolveu o contrato e pretende o pagamento das indemnizações contratuais. Os 2.º e 3.º réus são gerentes da sociedade ré e actuaram, em representação desta, dolosamente em prejuízo intencional dos credores, pelo que são solidariamente responsáveis pelo pagamento da indemnização.

A sociedade ré não contestou.

Os 2.º e 3.º réus contestaram, impugnando os factos alegados pela autora e defendendo que actuaram de boa fé e na perspectiva de que o contrato seria cumprido, tendo deixado de ser sócios-gerentes da sociedade ainda antes de ter lugar o alegado incumprimento.

O 4.º réu contestou, excepcionando a sua ilegitimidade por não ser parte no contrato e impugnado parte da matéria alegada pela autora. Alegou ainda desconhecer até à citação o contrato em causa e qual o seu conteúdo, apenas lhe tendo sido dito, aquando da cessão de exploração, que não poderia consumir no estabelecimento café que não fosse comprado à autora.

Foi admitida intervenção principal passiva de FF, o qual foi citado mas não interveio na acção.

Realizado julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou, solidariamente, a sociedade ré e o 4.º réu a pagarem à autora as quantias de €8.443,81, acrescida de juros de mora comerciais, e de €14.053,33, acrescida de juros de mora legais, até integral pagamento, absolvendo os 2.º e 3.º réus do pedido.

Do assim decidido, apelou o 4.º réu EE.

Por acórdão proferido em 6 de Março de 2014, o Tribunal da Relação do Porto, na procedência da apelação, revogou a sentença da 1ª instância na parte em que condenou o réu EE a pagar à autora a indemnização, absolvendo-o desse pedido, subsistindo no mais aquela sentença.

Inconformada, recorre a autora de revista.

Alegou e formulou a seguinte síntese conclusiva: «1º Vem o presente recurso de revista interposto do aliás douto acórdão de 06/03/2014 que revogando a decisão de 1ª instância, absolveu o reu EE.

  1. o douto acórdão recorrido decidiu manter (e bem) a sentença da 1ª. instância quanto a todos os factos dados como provados (ou não), designadamente, no que aqui interessa, quanto àqueles que referidos são nos pontos 11,12,13,15, e 16 da mesma.

  2. De acordo com a orientação firmada por esse Venerando Supremo Tribunal de Justiça, a interpretação das declarações negociais constitui matéria de facto da competência exclusiva das instâncias.

  3. Embora aquele possa exercer censura sobre o resultado interpretativo, 5º Sempre que, tratando-se do caso previsto no n° 1 do artº 236° do Código Civil, esse resultado não coincida com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição de um real declaratário, pudesse deduzir do comportamento do declarante (salvo se este não pudesse razoavelmente contar com ele), 6º ou tratando-se da situação prevista no n° 1 do artº 238 do mesmo Código, não tenha um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso.

  4. De harmonia com o disposto no artº 236° do Código Civil - que consagra a chamada "teoria da impressão do destinatário - a declaração negocial deve ser interpretada como a interpretaria um declaratário medianamente sagaz, diligente e prudente, colocado na posição concreta do declaratário.

  5. o douto acórdão recorrido, na interpretação das cláusulas e declarações e contratos constantes dos autos não observou os critérios legais impostos pelos artºs 236° e 238° da lei substantiva, nem fixou o sentido juridicamente relevante das declarações negociais, com o fim de se fixar a vontade normativamente aceitável.

  6. Entre a 1a ré BB, Ldª e o 4° reu EE verificou-se uma cessão da posição contratual quanto ao contrato de compra exclusiva celebrado entre a autora e a 1ª ré ou, pelo menos, uma responsabilização do 4° reu, solidária com a da 1a ré, quanto às obrigações resultantes do mesmo, designadamente do seu incumprimento (cfr. artº 424° do CC).

  7. Perante o que ficou estipulado (cfr. cláusula 10a) entre 1a ré e o réu EE no contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial, é indubitável que através dele (que funcionou como contrato-instrumento) se transmitiu a posição da 1a ré que derivava do contrato-base (o contrato de compra exclusiva) celebrado entre ela e a autora (aqui recorrida).

  8. De qualquer modo, poderá entender-se inexistir cessão da posição contratual e, mesmo assim, considerar-se que o reu EE se responsabilizou integralmente pelas consequências resultantes do incumprimento do contrato.

  9. Existiram (e constam dos autos) manifestações de vontade que apontam inequivocamente nesse sentido: • A missiva enviada pela autora ao réu EE com cópias a todos os restantes réus - pontos 15° e 16° da matéria de facto; • Face a tal missiva, ninguém disse nada nem ninguém nada objectou; • Todos aceitando a interpretação que dela fazia a autora AA, aliás a óbvia e única; • No mesmo sentido, o consentimento - pelo menos tácito - que se infere da continuidade de fornecimento de café ao réu EE.

  10. Refere injustificadamente o douto acórdão recorrido que não é crível que o reu EE, explorando o estabelecimento durante apenas 12 meses, se quisesse responsabilizar pela totalidade do contrato perante a Autora, uma vez que: • O douto acórdão recorrido esqueceu que se previa em tal contrato a possibilidade de renovação da sua vigência por sucessivos períodos; • Assim, na "previsão contratual" do réu EE este assumiu que poderia continuar a explorar o estabelecimento por período superior aos aludidos 12 meses (eventualmente ultrapassando, até, a vigência do contrato de "compra e venda exclusiva"; • Igualmente esqueceu que tal contrato era também um contrato de "promessa de trespasse"; • Assim, na mesma "previsão contratual" o reu EE assumiu que poderia adquirir aquele estabelecimento in totum, na globalidade, como universalidade, com todos os correspondentes direitos e obrigações.

    • Daí que seja absolutamente coerente com tal previsão (que a não se verificar, sempre constituiria um risco contratual por ele assumido) que, constando da aludida cláusula 10a, que "o segundo outorgante responsabiliza-se pelo cumprimento integral do contrato de café celebrado pelos sócios da sociedade proprietária do estabelecimento com o respectivo fornecedor", tal responsabilização diga respeito ao conjunto integral das obrigações decorrentes do mesmo.

    Depois, 14º Não é compreensível nem aceitável que se considere que, nos termos do art. 224º do CC, da declaração negocial do réu EE não resulte que o mesmo não conhecia os termos do contrato de compra exclusiva celebrado entre a autora e a 1a ré, uma vez que quando celebrou o contrato de cessão de exploração do estabelecimento, o réu EE vinculou-se expressamente ao cumprimento do contrato de fornecimento de café, sem reservas! 15º Estipula a cláusula 10° do contrato referido no Ponto 11° dos factos provados que "o segundo outorgante (o réu EE) responsabiliza-se pelo cumprimento integral do contrato de café celebrado pelos sócios da sociedade proprietária do estabelecimento com o respectivo fornecedor".

  11. Cumprimento "integral" não é cumprimento "parcial": interpretar coisa diversa é não querer ver o que lá se encontra escrito e resulta do respectivo contexto.

  12. Não é pois defensável que a sua declaração não foi nesse sentido, mas no de assumir a responsabilidade, apenas durante 12 meses, de comprar exclusivamente uma marca de café (Bogani) - cfr. artº 238 n° 1 C. Civil.

    Acresce que, 18º Na p.i. a autora invocou suficiente causa de pedir: os contratos celebrados; as comunicações havidas entre as partes; os factos consubstanciadores do incumprimento; os factos donde derivou a responsabilização do réu EE; as consequências daí resultantes.

  13. Não tinha a Autora que invocar que a inexistência de qualquer vício de vontade ou qualquer interpretação "excepcional" dada às declarações das partes.

  14. Quem o fez foi, precisamente, o réu na sua contestação: defendeu ser parte ilegítima, por não ser parte no contrato de compra exclusiva; defendeu que tinha sido enganado, que apenas se obrigara a "comprar café" ao contrário do que resultava do "cumprimento integral" assumido.

  15. Face a tal defesa, respondeu a Autora dizendo, além do mais, que o réu EE do não podia desconhecer os termos do contrato de compra exclusiva – artº 38° da resposta; que não só o conhecia como assumiu, juntamente com os restantes réus, a responsabilidade pelo seu cumprimento – artº 39 da resposta.

  16. Vai assim contra a realidade processual dos autos afirmar - como o faz o douto acórdão recorrido - que "a autor nada alegou a esse propósito... " - cfr. fls. 24/27.

  17. Tal matéria, controvertida, foi vertida na base instrutória e nos termos invocados pelo réu (pois que o ónus da prova a ele pertencia) - cfr. quesitos 17º e 18°, que foram dados como não provados.

  18. Assim, a tese de que o réu EE "foi enganado" ou que fez...

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