Acórdão nº 473/12.9TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelTAVARES DE PAIVA
Data da Resolução15 de Janeiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - Relatório AA, LDA intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário contra BB, SA pedindo que a Ré seja condenada a pagar à autora a quantia correspondente ao sinal em dobro, no valor de € 1.050.000 em consequência do incumprimento culposo do contrato promessa, ou subsidiariamente ser reconhecida a impossibilidade de cumprimento do contrato promessa, condenando-se a Ré à devolução do sinal em singelo à A e independentemente da procedência dos pedidos anteriores no pagamento de uma indemnização por responsabilidade civil pré-contratual em valor não inferior a € 1.320.325,31.

Alega, em síntese: Celebrou com a Ré um contrato promessa de compra e venda, tendo como pressuposto a facilidade de licenciamento que a Ré conferia aos projectos e que tinha por objecto determinada parcela com as características definidas.

Porém, o que se veio a constatar é que a parcela não existia em termos registrais, sendo essencial para a A., facto que a Ré não ignorava, licenciar a obra com determinado prazo, o que não veio a ocorrer perdendo a A objectivamente interesse no negócio, existindo declarações falsas da ré no contrato quanto à parcela e lugares de estacionamento previstas na mesma, tornando-se impossível a prestação e ainda a responsabilidade dita pré-contratual que fixa no valor referido, contabilizando as despesas com os projectos, encargos vários inclusive financeiros e administrativos.

A Ré contestou, dizendo, em suma, que a A. conhecia a parcela e os lugares de estacionamento previsto para a mesma, não garantindo a ré que os licenciamento seriam efectuados de forma mais rápida, dado que tal competência pertence à CML, nem o prazo foi previsto tendo por base o começo da construção ou a essencialidade para a A. desse prazo.

Refere ainda que havendo lugar ao sinal em dobro não tem a A. direito a qualquer outro valor indemnizatório, nem se verifica qualquer impossibilidade da prestação, concluindo pelo incumprimento do contrato promessa por parte da A pedindo a improcedência da acção e, em reconvenção pede que seja declarado fundamentadamente resolvido o contrato pela R e perdido a seu favor o sinal entregue.

Replicou a Autora e treplicou a ré mantendo ambas as partes o alegado e impugnando o alegado por cada uma.

Após o saneamento do processo, a selecção dos factos assentes e os da base instrutória, realizou-se o julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré a pagar à autora o valor de € 1.050.000,00, correspondente ao dobro do sinal e absolveu a Ré do demais peticionado.

A Ré não se conformou e interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, pelo Acórdão de fls. 896 a 915, condenou a Ré a restituir á A o sinal recebido, mas em singelo.

A A não se confirmou com esta decisão e interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal.

A nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões: 1. O Tribunal a quo, esteve bem ao concluir ter existido um incumprimento definitivo do contrato-promessa, em virtude da perda objectiva do interesse da Autora na prossecução do mesmo; entendeu, porém, erradamente, que o dito incumprimento não seria imputável à Ré, mas antes a um terceiro procedendo a uma errónea interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis em sede de incumprimento contratual.

2. Em suma, entendeu o Tribunal a quo que, muito embora tenha efectivamente existido um incumprimento imputável à Ré, como a Autora somente invocou a perda de interesse num momento posterior, esse incumprimento já não seria imputável à Ré, mas antes à Câmara Municipal de ….

3. No entendimento da Autora, o Tribunal a quo não ponderou devidamente, em termos de direito substantivo, os factos provados nas instâncias inferiores, tendo, por isso, feito uma equívoca interpretação e qualificação jurídica dos factos e uma errada subsunção destes às normas aplicáveis, nomeadamente, no que se refere à qualificação jurídica atribuída aos factos relevantes para efeitos de imputação do incumprimento do contrato-promessa à Ré.

4. O acórdão recorrido beneficia injustamente a Ré, que incumpriu a sua obrigação de, no prazo estipulado, vender um imóvel com determinadas características, as quais acordou e assegurou (à Autora) no contrato-promessa, sem quaisquer condicionalismos em relação a actos de terceiros.

5. O acórdão recorrido é ainda injusto porque deixa a Autora totalmente indemne em relação a uma série de custos em que teve de incorrer, confiando nas declarações da Ré e, por conseguinte, na celebração do contrato definitivo, custos estes que a Excelentíssima Juíza que contactou com a prova não hesitou em ressarcir através da devolução do sinal em dobro.

6. Acresce que a Autora se encontra privada do sinal que entregou à Ré há mais de 3 anos (!), o qual, recorde-se, deveria ter sido restituído à Autora aquando da resolução do contrato-promessa.

7. Aliás, não pode deixar a Autora de assinalar que a decisão de lª instância aplicou com exemplar cuidado e brilhantismo o direito aos factos apurados, pelo que deve ser mantida na íntegra.

8. Da tese sustentada pelo Tribunal a quo resulta que uma pessoa pode, a seu belo prazer, comprometer-se a vender uma determinada coisa, com certas características e prazo especificamente acordados, e incumprir tranquilamente essa obrigação, alegando que o incumprimento não lhe é imputável e deixando por ressarcir os prejuízos causados à outra parte. Basta, para este efeito, escudar-se atrás de actos de terceiros - sem que as partes tenham querido sequer mencionar tais actos no contrato ou conferido aos mesmos qualquer relevância no programa contratual das partes -, para que aquele incumprimento não lhe seja imputável.

9. Não é certamente desta forma que este Supremo Tribunal aprecia e julga o (in)cumprimento contratual em Portugal! 10. Salvo o devido respeito, o acórdão recorrido confunde a perda do interesse da Autora, apreciada objectivamente com a imputabilidade do não cumprimento (no caso, do atraso causado pela Ré e que fez a Autora perder o interesse na celebração do contrato definitivo) à Ré, concluindo que, pelo facto de, num primeiro momento, a Autora ter mantido o interesse no contrato, então, mais tarde, essa perda de interesse já não poderia ser imputada à Ré.

11. Quando é evidente que uma questão é a circunstância concreta que conduz à perda do interessa da Autora, e que, por sua vez, conduz ao incumprimento definitivo do contrato-promessa, por já se encontrar, à data, em mora; outra, muito diferente, é a imputabilidade desse incumprimento à Ré.

12. Ora, dos factos provados, resulta claramente que a perda de interesse da Autora resulta do incumprimento culposo da Ré e que, portanto, lhe é imputável.

13. Desde logo, a Ré obrigou-se, nos termos do contrato-promessa celebrado entre as partes, a vender a parcela de terreno 3.19 com as seguintes características prévia e expressamente acordadas e negociadas pelas partes: uma área de implantação do edificado acima do embasamento de 750 m2, e a área bruta de construção ou de pavimento de 5.250 m2, com a criação de 30 lugares de estacionamento privado, até ao dia 15 de Outubro de 2011.

14. O prazo e as características específicas, designadamente a eliminação da componente pública do estacionamento, foram expressamente negociadas pelas partes previamente à celebração do contrato e constituíram condições essenciais e expressamente referidas pela Autora para celebrar o aludido contrato-promessa, facto que a Ré sabia e aceitou.

15. Tanto que a Ré fez crer à Autora que a eliminação dos estacionamentos públicos estava assegurada e que, à data da celebração do aludido contrato-promessa, o imóvel já possuía as características acordadas, tendo a Ré para este efeito remetido à Autora a ficha de caracterização do imóvel - a qual constitui uma garantia dos parâmetros de um determinado lote de terreno - já sem os lugares de estacionamento público, a qual ficou anexa e como parte integrante do referido ao contrato.

16. Assim, no mínimo, a Ré estava contratualmente vinculada a criar todas as condições para que o projecto pudesse ser aprovado pela Câmara Municipal de …, com as características acordadas, nomeadamente, sem a exigência de lugares de estacionamento público.

17. Na verdade, das negociações e das declarações efectuadas pela Ré, resulta que esta assegurou e efectivamente garantiu a eliminação da componente pública dos lugares de estacionamento, tendo-se vinculado a vender o imóvel prometido, com as características acordadas, e assumindo assim o risco de inexistências das mesmas na data prevista para a celebração do contrato definitivo.

18. Em todo o caso, a verdade é que a Ré não logrou promover em tempo útil a alteração das condições de licenciamento para fazer com que a inclusão desses lugares de estacionamento público fosse eliminada, conforme se tinha comprometido, nem tão-pouco actuou diligentemente nesse sentido.

19. Acresce que as partes não condicionaram o cumprimento e/ou a possibilidade de cumprimento do contrato-promessa a qualquer facto de terceiro, designadamente, à actuação da Câmara Municipal de …, não resultando essa circunstância da vontade das partes, nem encontrando a mesma qualquer apoio no texto do contrato.

20. Na verdade, em parte alguma do clausulado acordado se faz qualquer alusão à necessidade de obter autorizações de entidades terceiras para o cumprimento daquela obrigação. Nem podia a Autora ter sequer previsto qualquer condicionamento, uma vez que a Ré lhe assegurou, não só a existência do imóvel à data da celebração do contrato-promessa, como ainda que o imóvel já possuía as características expressamente acordadas entre as partes.

21. Por outro lado, e conforme reconhecido pelo Tribunal de 1ª instância, a Ré fazia constar dos contratos por si celebrados, sempre que tal fosse necessário, uma menção à necessidade de obtenção de autorização de terceiros. No presente caso, não...

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