Acórdão nº 125/06.9TBLGS.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelJOÃO BERNARDO
Data da Resolução22 de Janeiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1 .

No Tribunal Judicial da Comarca de Lagos, AA e seus filhos menores, BB, CC, e DD, por si representados, intentaram esta ação declarativa contra: EE, e FF.

Alegaram, em síntese, que: No dia 10 de Agosto de 2004, a mulher dele, AA, e mãe dos demais, GG, quando passeava de gaivota, junto à Barragem da Bravura, Lagos, aquela adornou porque os flutuadores se encontravam deficientemente vedados com tampões de cortiça, o que permitiu a intrusão de água no do lado esquerdo; Por isso, caiu e morreu afogada.

A responsabilidade do adornamento e do falecimento da vítima cabe aos réus, solidariamente; ao primeiro por permitir a permanência e o uso da referida embarcação naquele local, sem condições de segurança e ao segundo por permitir aos seus hóspedes (qualidade que a vítima tinha) o uso da referida embarcação, no âmbito das “facilidades” disponíveis, que anunciava no site publicitário da sua propriedade, designadamente, canoagem e similares, na praia privativa da barragem, que explorava em regime de concessão.

Pediram, em conformidade, a condenação dos réus a pagarem-lhes: € 85.382,99 a título de dano morte e de lucros cessantes; A ele, primeiro autor, € 20.000,00 a título de danos não patrimoniais; A cada um dos filhos € 30.000,00, tudo no valor global de € 195.382,99; Juros legais desde citação sobre este montante.

2 .

Contestaram os réus.

O 1.º sustentou, em resumo, que: A gaivota, sendo sua propriedade, foi utilizada pela ora falecida abusivamente, uma vez que se encontrava fora de água, a cerca de 40 metros da borda, voltada e assente sobre barrotes de madeira e presa por um cabo a um barrote vertical, sendo de uso privado e reservado a ele, réu, e à sua família; O que seria inteligível a qualquer pessoa dotada de senso comum, sendo a rolha de cortiça meio suficiente para permitir a navegação em segurança desde que não fosse retirada, o que só pode ser feito por ação do homem; Ele próprio, no dia anterior, tendo encontrado a gaivota junto à água, colocou-a nas condições referidas, não sendo fácil o trajeto até à água, sobre o cascalho, exigindo mais do que uma pessoa para a pôr na água sem a arrastar e danificar; Sendo totalmente alheio às condições das férias oferecidas pelo 2º Réu, sabe que apenas fora permitido ao grupo da ora falecida o uso de um barco a remos que se encontrava na praia equipado com coletes salva-vidas; Ao usar a gaivota sem autorização, e sem equipar as crianças com os coletes, a seguir ao pequeno-almoço e a uma hora de calor intenso, a ora falecida assumiu, voluntaria e conscientemente, um risco da sua exclusiva responsabilidade; O buraco do lado esquerdo da gaivota só poderia ter sido aberto intencionalmente pela ora falecida, que, aliás, sendo pintora, era uma mulher estranha, de quem um crítico de arte refere que deixou obra estranha e forte, com séries realizadas em “morgues”.

O 2º réu, por sua vez, invocou, em síntese: Sendo sua a residência em questão, a responsabilidade do anúncio e das informações publicadas no site referido pelos Autores era do mediador imobiliário, que não sua; À chegada do grupo integrado pela ora falecida, ele próprio os informou de que, caso quisessem entrar na água, fosse para nadar, fosse para qualquer outra atividade, o fariam por sua exclusiva conta e risco; Existindo avisos com essa advertência, escritos em língua inglesa e alemã, colocados pela casa, tendo-os informado de que para poderem usufruir mais plenamente da barragem poderiam usar um barco a remos de cor amarela, sua propriedade, que estava devidamente equipado, com boia de salvação e dois coletes salva-vidas para adultos e outros dois para crianças, sem os quais não deveriam utilizá-lo; A praia em questão não é do uso nem acesso privativo da sua residência, sendo frequentada por outros moradores de casas nas margens da barragem, e por quem mais o entenda, designadamente, pelo 1º Réu, dono da gaivota em questão, que não reside ali, não lhe cabendo qualquer dever de vigilância sobre os perigos da praia da barragem onde estava depositada a gaivota, que está sob o domínio público hídrico, nos termos do DL 468/71 de 5/11, e da qual não é concessionário, sendo o arrendamento da sua residência celebrado sob o regime de “self catering”, no âmbito do qual o proprietário da casa se limita a proporcionar o gozo da mesma, não podendo ser responsabilizado pelo uso da mesma; Não lhe pertencendo a gaivota, nem sendo o autor da troca dos tampões originais pelas rolhas de cortiça, não procede a morte da vítima de culpa sua, pois que, ao utilizar uma gaivota que estava na praia com duas crianças de quatro e seis anos de idade, das quais apenas uma aprendera a nadar há muito pouco tempo, e a outra não sabia, de todo, apenas uma das crianças levando colete de salvação; Foi a vítima que optou por não utilizar todos os meios ao seu dispor para garantir a sua segurança e das crianças que a acompanhavam, pelo que, a morte da referida senhora ocorreu por culpa exclusiva dela, não podendo ele ser responsabilizado pela produção do evento; A senhora em questão era uma pintora de renome, reconhecidamente fascinada com a morte, conforme é retratada após o seu falecimento por um admirador em livro que publicou sobre a personalidade e obra da falecida, onde são reproduzidos quadros da sua autoria quase todos de uma morbidez total e impressionante.

3 .

Responderam os autores, concluindo como na petição inicial.

4 .

A ação prosseguiu e, na devida oportunidade, foi proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor: “Pelo exposto, julgo a ação parcialmente improcedente, por parcialmente provada e, em consequência, decido: - condenar o 1º e o 2º Réus, solidariamente, a pagarem a AA, 1º Autor, na qualidade de representante legal dos filhos menores, as seguintes quantias: a) – ao 2º Autor BB - a quantia global de € 62.000,00 (sessenta e dois mil euros) dos quais € 12.000,00 (doze mil euros) a título de danos patrimoniais por lucros cessantes, € 20.000,00 (vinte mil euros) a título de danos não patrimoniais pelo dano perda da vida da vítima, e € 30.000,00 (trinta mil euros) a título de danos não patrimoniais pelo dano desgosto pela perda da vítima; b) – à 3ª Autora CC - a quantia global de € 63.000,00 (sessenta e três mil euros) dos quais € 13.000,00 (treze mil euros) a título de danos patrimoniais por lucros cessantes, € 20.000,00 (vinte mil euros) a título de danos não patrimoniais pelo dano perda da vida da vítima, e €30.000,00 (trinta mil euros) a título de danos não patrimoniais pelo dano desgosto pela perda da vítima; e, c) – à 4ª Autora DD - a quantia global de € 64.000,00 (sessenta e quatro mil euros) dos quais € 14.000,00 (catorze mil euros ) a título de danos patrimoniais por lucros cessantes, €20.000,00 (vinte mil euros) a título de danos não patrimoniais pelo dano perda da vida da vítima, e € 30.000,00 (trinta mil euros) a título de danos não patrimoniais pelo dano desgosto pela perda da vítima, quantias a que acrescerão juros vincendos, desde a presente data até integral pagamento, às taxas legais aplicáveis dos juros civis, no mais que vem peticionado pelos 2º, 3º e 4º autores, se absolvendo os Réus; - absolver os Réus dos pedidos formulados pelo 1º Autor em seu nome próprio; Custas pelos Réus, solidariamente, e pelo 1º Autor, na proporção dos respetivos decaimentos – art. 446º do CPC.” 5 .

Apelaram: O autor AA e O réu FF (o recurso do réu EE foi julgado deserto por não apresentação de alegações).

Mas ambos sem êxito, porquanto o Tribunal da Relação de Évora confirmou a sentença.

6 .

Pede revista o réu FF.

Que, atenta a dada da instauração da ação, foi admitida, não obstante a dupla conforme.

Conclui ele as alegações do seguinte modo:

  1. O Recorrente vem interpor recurso da decisão que julga improcedente a sua apelação e confirma a sentença do Tribunal Judicial de Lagos e vem interpô-lo por entender que a decisão proferida é, no que a si diz respeito, injusta e violadora do direito aplicável aos factos, como a seguir se exporá.

  2. O caso dos autos prende-se com a eventual responsabilidade do ora Recorrente pelo pagamento de indemnização consequência do falecimento da senhora Da GG, pintora, que, em determinado ano passou férias na zona de...

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