Acórdão nº 520/13.7PHLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelHELENA MONIZ
Data da Resolução22 de Janeiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1.

Na 6.ª Vara Criminal de Lisboa, foi julgado, em processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, no processo n.º 520/13.7PHLSB, o arguido AA, e condenado, por acórdão de 2 de junho de 2014, pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punível pelos arts. 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. b), 22.º, 23.º, n.ºs 1 e 2, 73.º, todos do Código Penal (doravante CP), na pena de prisão de 7 (sete) anos.

Foi ainda condenado a pagar ao demandante, Centro Hospitalar ..., E.P.E., a título de indemnização cível, a quantia de € 2.115,45, por danos patrimoniais, acrescida de juros legais vencidos desde a data da notificação feita ao arguido nos termos do artigo 78°, n° 1, do Código de Processo Penal, e vincendos até integral pagamento, e foi condenado a pagar à demandante/queixosa, BB, a título de indemnização cível, a quantia de e 1.570,60 (mil, quinhentos e setenta euros e sessenta cêntimos) por danos patrimoniais e a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) por danos não patrimoniais, acrescidos de juros, à taxa legal, vencidos e vincendos até integral pagamento.

  1. Inconformada, a assistente — BB —, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça apresentando as seguintes conclusões: «1 - O Arguido AA em sede de 1ª instância foi condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p.p. pelos artigos 131º, 132º, nº 1 e nº 2, alínea b), 22º, 23º, nº 1 e nº 2 e 73º, todos do Código Penal, na pena de sete anos de prisão. 2 - A discordância relativamente ao Douto Acórdão recorrido, cinge-se à medida concreta da pena de prisão aplicada ao Arguido pela prática do crime de homicídio qualificado, na forma tentada, aspectos estes que consideramos mal apreciados e decididos pelo Tribunal “ a quo “, com violação do disposto no artigo 40º, 50º, 70º, 71º e 77º do Código Penal.

    3 - Uma vez que a pena aplicada não espelha a culpa do Arguido e não teve em conta as necessidades de prevenção, devendo ser fixada em montante mais elevado, tudo de acordo com o disposto no artigo 71º nº1 Código Penal.

    4 - Tendo em conta os critérios estabelecidos no artigo 71º do Código Penal devemos atender às seguintes circunstâncias relativas ao caso sub Júdice; ao elevadíssimo grau de ilicitude dos factos; à especial perversidade demonstrada; às especiais circunstâncias em que os factos se deram; ao elevadíssimo grau de culpa; ao modo de execução; aos sentimentos que o Arguido demonstrou; às graves consequências dos factos; às elevadas exigências de prevenção especial; e às elevadíssimas exigências de prevenção geral.

    5 - Tendo em conta a natureza e gravidade dos factos praticados pelo Arguido, bem como a personalidade deste, amplamente demonstrados no Douto Acórdão recorrido, bem como todos os factores e circunstâncias previstos nos artigos 40º e 71º do Código Penal, que influem na medida concreta da pena, entendemos que o tribunal “ a quo “, ao punir o Arguido com a pena de sete anos de prisão, pela prática do crime de homicídio qualificado, na forma tentada, violou o disposto nas supra referidas normas legais, na medida em que não deu satisfação ao que naquelas normas o legislador considerou como sendo, por um lado, os fins das penas e, por outro, as circunstâncias determinantes para a sua medida concreta.

    6 - Devidamente ponderados os factos, a culpa, a personalidade do Arguido e as necessidades prementes de prevenção, quer geral, quer especial, de acordo com os artigos 71º nº 1 e 77º nº 1, ambos do Código Penal, e tendo em conta a moldura abstracta da pena em causa nos presentes autos ( o crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p.p. pelo artigo 22º, 23º, 73º, 131º e 132º nº 1 e 2, alínea j) do Código Penal, é punível com pena de prisão de 2 anos, 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses ), entendemos que será justa e adequada a aplicação de uma pena ao Arguido, que se fixe entre os 11 e os 13 anos de prisão, por só uma pena desta dimensão responder satisfatoriamente às necessidades de prevenção geral e especial, não ultrapassando, por outro lado, a medida da culpa.

    7 - O Arguido, com intenção de matar a ofendida desferiu com um “ rolo da massa “ diversas pancadas na cabeça da ofendida, só tendo parado quando a mesma ficou prostrada no chão inconsciente, sendo que o a morte da ofendida só não ocorreu face à imediata intervenção médica.

    8 - Existem razões de prevenção geral e especial que têm de se tidas em conta.

    9 - Quanto às razões de prevenção geral são elevadíssimas e inscritas na necessidade de imprimir uma relação de confiança entre cidadãos e o respeito pela Lei e pela penalização intensa de uma vulgarização de actos que relativizam a Vida como se esta fosse mais um bem descartável.

    10 - Quanto às razões de prevenção especial, o Arguido é uma pessoa com cerca de 30 anos, pelo que as exigências de prevenção, na vertente da socialização, se fazem sentir, aqui, com elevada intensidade, não tendo apoio familiar, nem forma de sustento, expressando desde cedo comportamentos agressivos e de rebeldia, sendo uma pessoa manipuladora, rancorosa e impulsiva, com fraca resistência à frustração quando não vê os seus intentos satisfeitos ou quando é contrariado, existindo risco de recidiva quanto a actos semelhantes, constituindo o Arguido um perigo para a sociedade.

    11 - O Arguido demonstra uma total indiferença perante valores fundamentais de vida em sociedade e perante a vida Humana, principalmente com a sua companheira à data dos factos, mãe da sua filha.

    HHu 12 - Analisando a personalidade do Arguido, evidenciada nos factos praticados, o juízo de prognose quanto ao comportamento futuro do Arguido é o mais sombrio possível.

    13 - Ponderada toda a prova produzida nos autos e os factos dados como provados, o peso das agravantes sobreleva em muito o das atenuantes.

    14 - É necessário que a pena aplicada contribua para uma mudança na vida do Arguido no sentido de lhe fazer sentir a obrigação de respeitar o próximo, a Vida, principalmente a Mãe da sua filha.

    15 - Com o devido respeito, uma pena de 7 anos de prisão não cumpre esse desiderato, por não ter a virtualidade de poder ser vista pela comunidade como uma séria advertência contra a prática de crimes tão graves como é o de homicídio qualificado, em particular, quando se atenta de uma forma tão séria contra a vida, mostrando-se desajustada face à gravidade dos factos e à personalidade do Arguido.

    16 - Assim, deverá ser aplicada ao Arguido pena de prisão efectiva que se fixe entre os 11 e os 13 anos de prisão, dada a enorme gravidade dos factos, a personalidade do Arguido, e a imperiosa e inadiável necessidade de demonstrar à sociedade a validade e vigência das normas violadas.

    17 - Ao decidir de modo diverso, o Tribunal violou o disposto nos artigos 40º, 50º, 70º, 71º e 77º do Código Penal.

    Nestes termos, contando com o Douto e indispensável suprimento de V.Exas, deverá ser dado provimento ao presente recurso e ser revogado o Acórdão recorrido e substituído por outro que dê acolhimento ao teor das conclusões supra, condenando o Arguido a uma pena de prisão efectiva que se fixe entre os 11 e os 13 anos de prisão, fazendo-se destarte a mais sã e reta.» 3.

    Aquando do despacho de admissão do recurso (ao abrigo do disposto no art. 414.º, n.º 1, do CPP), a 14.07.2014, o Senhor Juiz Relator proferiu despacho a admitir o recurso, embora manifestando dúvidas quanto à legitimidade para a assistente recorrer; porém, mandou subir os autos para o Tribunal da Relação de Lisboa.

  2. O Senhor Procurador da República nas Varas Criminais de Lisboa, e sem que se tivesse pronunciado quanto à questão da legitimidade da assistente para interpor o recurso, concluiu que “o douto acórdão recorrido não violou as normas invocadas, ou qualquer outra, e deve ser mantido e, em consequência, deve ser negado provimento ao presente recurso”.

  3. Subidos os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta proferiu parecer considerando que uma vez que o recurso versa apenas matéria de direito deverá ser remetido ao Supremo Tribunal de Justiça. Todavia, apresentou alguma jurisprudência referente à admissibilidade do assistente para interpor recurso desde que demonstre interesse em agir (ac. do STJ, DE 18.01.2012, processo n.º 1740/10.1JAPRT), e outra em que se afirma que não se pode considerar como sendo uma decisão contra o assistente aquela relativa à medida concreta da pena (acs. do STJ referidos na anotação de Pereira Madeira, ao art. 401.º, do CPP, no Código de Processo Penal – Comentado).

  4. Tendo a assistente sido notificada deste parecer, veio responder alegando que: «- A Assistente tem legitimidade para apresentar o presente recurso, uma vez que " tem interesse em agir ", tendo um concreto e próprio interesse em agir, desde logo porque é a vítima do crime praticado pelo Ofendido; - Foi a assistente que sofreu e sofre com a conduta do Arguido, e que teve a sua vida posta em causa pelo mesmo; - Sendo a principal afectada, com a pena aplicada ao Arguido, que considera diminuta, uma vez que, saindo o Arguido em liberdade, fica posta em causa a segurança da Ofendida, nomeadamente a sua própria vida; - Uma vez que a Ofendida receia que o Arguido volte a atentar contra a sua vida; - O interesse da Assistente em agir e a sua legitimidade para intentar o presente recurso estão implícitas na sua qualidade de vítima e ofendida e amplamente demonstradas no recurso intentado.» 7.

    O Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho de 09.09.2014, considerou que «As als. c) e d) do art. 432.°, vieram restringir o recurso directo para o STJ aos acórdãos proferidos pelo tribunal do júri e pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, quando anteriormente todas as decisões do júri subiam directamente para o STJ, assim como as decisões do tribunal colectivo que visassem exclusivamente o reexame da matéria de direito.

    O que, na linha também deste...

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