Acórdão nº 76/14.3JELSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução14 de Janeiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório José Alberto Gonçalves Gomes, com os sinais dos autos, foi condenado na 1ª Secção Criminal da Instância Central de Lisboa, por acórdão de 29.9.2014, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º do DL nº 15/93, de 22-1, na pena de 7 anos de prisão.

Dessa decisão interpôs recurso, alegando: (…) 20. É um facto que o arguido na função de "mula” procedeu ao transporte de 11 kg de cocaína através de via aérea Brasil/Portugal.

21. É sem sombra de dúvida um comportamento totalmente reprovável que o aqui recorrente tem perfeita consciência e arrependimento, bem como tem presente o aqui Recorrente que a Lei não poderá deixar ficar impune.

  1. Versa o presente recurso sobre a medida da pena aplicada pelo Douto Tribunal a quo, no entanto não poderá o aqui Recorrente deixar de fazer referência a alguns factos de soberba importância.

    Ao abrigo dos requisitos da determinação da medida da pena vejamos uma a uma: 23.

    Grau de ilicitude do facto A ilicitude da acção criminosa praticada pelo aqui Recorrente não pode deixar de reputar-se como elevado, é um facto indiscutível e neste ponto o Recorrente está totalmente de acordo com a posição assumida pelo Douto Tribunal a quo.

  2. O Modo de Execução, Gravidade das consequências e o Grau de violação dos deveres impostos 25. O modo de execução foi totalmente grosseiro não podendo ao mesmo ser-lhe atribuído uma actuação com dolo directo.

  3. E diz-se grosseiro não só quanto à quantidade como ainda quanto ao modo como vinha acondicionada.

  4. Mesmo o mais inexperiente nestas lides (bem como o seu respectivo Mandante no caso em concreto Traficante) sabe de antemão que se vislumbra totalmente impossível uma mula proceder ao transporte via aérea de 11kg.

  5. E como se ainda não fosse suficiente essa impossibilidade, o acondicionamento daquela quantidade de produto estupefaciente dentro de uma mochila no fundo de mala de porão parece até de certa forma uma breve narração de caso verídico pouco conhecido.

  6. Não se pode aceitar nem se aceita que sendo uma mula uma peça vital no transporte de mercado de estupefacientes se tenha por um segundo só pensado que aquela mercadoria poderia passar aos controlos da Lei.

  7. Não haverá decerto nenhum traficante sem malícia suficiente para contratar um transporte que nunca chegará à distribuição que é o seu objectivo.

  8. Pela quantidade e pela forma como vinha acondicionada só resta ao Recorrente concluir que aquele transporte contratado não pretendeu de forma alguma que o mesmo chegasse à circulação mas sim que o aqui Recorrente de forma certa e sem erro fosse interceptado nos respectivos controlos alfandegários e fosse penalizado tal como a Lei manda.

  9. Refere o douto acórdão que o aqui Recorrente actuou com dolo directo, isto é dolo de intenção.

  10. O Recorrente em momento algum realizou ou teve conhecimento da quantidade ou da forma como trazia o produto estupefaciente, há um perfeito desvalor da acção.

  11. Foi néscio e o Recorrente admite-o.

  12. Mas a sua falta de conhecimento adquirido nestas lides é bem patente agiu com total negligência, nem por um momento representou a ideia de que iria transportar 11 kg e muito menos a forma descuidada e atentatória do seu acondicionamento.

  13. Tudo se reduzia a uma viagem que implicava o transporte de uma mala com a condição sine qua non de não questionar qualquer facto.

  14. Não foi ao acaso que o contrataram.

  15. Vendo que o Recorrente era estulto e em dificuldades financeiras graves elegeram-no como o elemento ideal para esta operação suicida.

  16. Pelo que aqui discorda o Recorrente do douto acórdão.

  17. Sobre os objectivos da operação suicida não cabe ao Recorrente pronunciar-se mas que está certo de que assim foi não tem qualquer dúvida.

  18. É verdade que o Recorrente em momento algum se deveria ter predisposto ao exercício deste transporte e aqui assume a sua meã culpa pois violou conscientemente os deveres que lhe são impostos. A ideia de ultrapassar as suas dificuldades financeiras levaram o Recorrente cegamente a violar todas as regras legais e socialmente impostas.

    42. Mas, apesar de a sua conduta na prática deste ilícito ser grave naturalmente não pode o aqui Recorrente deixar de relevar que tendo em conta a impossibilidade de ultrapassar os controlos alfandegários pelas razões já alegadas e consequente impossibilidade já previamente pensada pelo mandante do produto estupefaciente não chegar ao distribuidor, a gravidade e consequências desse transporte para a sociedade foram nulos verificando-se um desvalor do resultado.

  19. A gravidade e as consequências apenas e unicamente se repercutiram na esfera jurídica do aqui Recorrente, já tendo interiorizado neste tempo que se encontra em prisão preventiva de toda a grave situação do acto ilícito praticado.

  20. Os sentimentos manifestados no cometimento do crime Quanto a esta questão o douto acórdão proferido diz «O arguido confessou a prática dos factos em Tribunal, mesmo tendo sido detido em flagrante delito na posse dos 11.5000,00g de cocaína, na sequência da viajem de avião de São Paulo para Lisboa. Tal permite ao Tribunal concluir, como é hábito nestas situações que o arguido interiorizou, pelo menos parcialmente, o desvalor da sua conduta não escamoteando os factos, confessando-os em Tribunal e beneficiando de tal confissão.» 45. Pensa que recorrente que decerto por lapso de escrita e ao abrigo da aplicação do instituto da suspensão da pena o douto acórdão refere «o arguido não confessou os factos, demonstrando não os ter interiorizado nem o desvalor social dos mesmos, tendo em conta a quantidade de cocaína que lhe foi apreendida, em flagrante delito, nada nos permite fazer um juízo de prognose favorável e concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição». 46. Há uma contradição é um facto mas o Recorrente considera-o um lapso de escrita, pois o objectivo do presente recurso é a determinação da medida da pena.

  21. O aqui Recorrente desde o primeiro momento que confessou e a mesma confissão a fez perante o douto Tribunal a quo.

  22. Não colaborou mais com a Justiça apenas por [não] ter informação era apenas um peão num jogo de xadrez, jogo este para si totalmente desconhecido e que não dominava.

  23. Reuniu todas as condições essenciais que o mandante procurava.

  24. É o próprio acórdão que releva o facto de ter o aqui Recorrente ter procedido à revelação do seu acto reprovável bem como não tem dúvidas que o Recorrente guardou para si as regras de conduta relativamente ao tráfico de estupefacientes que até aí lhe eram estranhas ou exteriores, tendo assim o douto tribunal a quo atribuído um benefício.

    51.

    Os fins que o determinaram O aqui Recorrente sempre laborou, em Agosto de 2013 a relação laboral cessou e pretendia o recorrente empreender a sua própria empresa. Deu início aos procedimentos legais constituindo a sua empresa unipessoal investindo o seu capital próprio.

  25. O investimento não correu como previsto e o aqui Recorrente foi perdendo a sua capacidade financeira pois as economias esgotaram-se vivendo apenas dos rendimentos do seu cônjuge.

  26. Vendo-se com um negócio próprio gorado e sem meios financeiros para fazer face às exigências da vida o aqui Recorrente cedeu à prática do ilícito.

  27. E quanto aos motivos diz o douto acórdão «No entanto, por todo o exposto, somos de parecer que o caso concreto exige cuidados especiais, na medida em que este tipo de crimes são actividades criminosas de difícil controlo, consubstanciadas no recrutamento, pelas redes internacionais criminosas, de indivíduos, a maioria com dificuldades na vida, a nível familiar e/ou económico.

  28. Apesar de não ser motivo desculpante, o que motivou o Recorrente à prática desta acção criminosa foi o facto de procurar colocar em prática o seu negócio que seria o seu emprego a fim de contribuir para com o seu agregado familiar.

    56. Não procurava luxúrias, apenas depois de investir todo o seu capital num negócio próprio poder pôr em prática um projecto do qual não estava disposto a desistir.

  29. As condições pessoais do agente e a sua situação económica O aqui Recorrente já se disse anteriormente no momento da pratica dos factos encontrava-se em graves dificuldades financeiras, sem emprego e naturalmente a acumular dividas decorrentes de qualquer vida normal.

  30. A nível familiar vivia desde o ano de 2003 em união de facto com o seu marido com quem veio a contrair matrimónio em Agosto de 2013.

  31. Encontrava-se totalmente inserido socialmente tendo um apoio incondicional do seu irmão, cunhada, sobrinhos e amigos.

  32. Sem antecedentes criminais, o aqui Recorrente era mais um cidadão comum como tantos outros.

  33. A falta de preparação para manter uma conduta lícita O douto acórdão proferido pelo Tribunal a quo não considerou o aqui Recorrente preparado para uma conduta licita caso se verificasse a sua condução à liberdade.

    Lê-se no douto acórdão: Os critérios de prevenção geral resultariam esvaziados com a suspensão da execução da pena de prisão ao arguido ..... esvaziando quer o efeito socializador quer o efeito dissuasor das penas. Os critérios de prevenção especial emitiriam um perigoso sinal ao arguido, que optou já por efectuar o transporte de produto estupefaciente a troco de vantagem patrimonial, permitindo-lhe ao invés de arrepiar caminho, optar pela prática deste tipo de crimes como modo de sustento (conquanto eventualmente, com algum cuidado durante o período de suspensão da pena).

  34. Relatório social fls.189 a 194 e Relatório de perícia fls.200 a 211 dos autos foram o fundamento para esta fundamentação do Tribunal a quo.

  35. No entanto o mesmo relatório social a propósito das perspectivas futuras do aqui Recorrente determina que o mesmo verbalizou a pretensão de reorganizar a vida em volta de normativos sócias vigentes, dando prioridade à esfera afectiva e retomando o seu projecto de emprego que visa naturalmente o seu negócio próprio.

  36. O...

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