Acórdão nº 4792/08.0TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução14 de Janeiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 22 de Dezembro de 2008, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 1.º Juízo, 1.ª Secção, AA veio intentar acção, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra BB, S. A., pedindo: a) se declare nulo o processo disciplinar; (b) se assim não se entender, seja declarado ilícito o seu despedimento e a ré condenada a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde os últimos trinta dias anteriores à data de propositura da acção até à data do trânsito em julgado da decisão, peticionando a remuneração de Setembro de 2008 pelo valor de € 1.222,56, o qual deve ser declarado como valor de referência para este item indemnizatório; (c) a condenação da ré na sua reintegração ou, alternativamente, no pagamento de indemnização substitutiva, caso venha a optar pela mesma; (d) a condenação da ré a pagar-lhe uma compensação por aplicação de sanção abusiva, no valor de € 15.898,89, acrescida de juros de mora à taxa legal; (e) a condenação da ré a pagar-lhe, provisoriamente, a quantia de € 5.482, respeitantes a créditos, vencidos e não pagos ou emergentes do despedimento; (f) a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 30.000, eventualmente a rever no final, a título de danos morais (g) a condenação da ré a pagar-lhe juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias peticionadas, desde a data do vencimento até à data do efectivo pagamento.

A acção, contestada pela ré, foi julgada parcialmente procedente, tendo a sentença da primeira instância (a) declarado ilícito o despedimento e condenado a ré (b) a reintegrar a autora no respectivo posto de trabalho com a categoria, antiguidade e retribuição que teria auferido se não fosse o despedimento, (c) a pagar à autora as retribuições, férias, subsídios de férias e de Natal, desde 22 de Novembro de 2008 até ao trânsito em julgado da sentença, acrescidas dos juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada prestação até integral pagamento, descontadas as importâncias que a autora tenha obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, sendo o valor do subsídio de desemprego que a autora tenha recebido a entregar pela ré à Segurança Social, e (d) a pagar à autora € 439, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento do bónus até integral e efectivo pagamento, absolvendo a ré do mais peticionado.

  1. Inconformada, a ré apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, julgando procedente a apelação, revogou as alíneas a), b) e c) do dispositivo da sentença recorrida, mantendo-a, quanto ao mais, sendo contra esta deliberação que a autora se insurge, mediante recurso de revista, formulando as conclusões seguintes: «1.ª O presente recurso foi interposto do Acórdão proferido em 26/03/2014, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que decidiu considerar procedente a apelação interposta pela R., ora recorrida, nomeadamente, com o facto de os Srs. Juízes Desembargadores terem entendido revogar as alíneas a), b) e c) do dispositivo da sentença de primeira instância.

    2.ª Na realidade, o presente recurso de revista é apresentado no seu sentido mais estrito, ou seja, versa apenas sobre matéria de direito, visto o ora recorrente entender que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 674 do novo Cód. de Proc. Civil, existe uma dupla violação da lei substantiva.

    3.ª Como questão prévia, referente ao apoio judiciário, vem a A. ora recorrente, nos termos do disposto no número 4 do artigo 18 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, invocar que o apoio judiciário mantém-se para efeitos de recurso, pelo que está a mesma dispensada do pagamento da taxa de justiça.

    4.ª Ao presente caso concreto, aplica-se, em primeiro lugar e salvo melhor opinião, o Acordo Colectivo de Trabalho (ACT) celebrado entre a BB, S. A., e outras, nomeadamente, Fequimetal – Federação Intersindical de Metalurgia, Metalomecânica, Minas, Química Farmacêutica, Petróleo e Gás, “SIESI – Sindicato das Indústrias Eléctricas do Sul e Ilhas”, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), 1.ª série, n.º 16, de 29/04/2005, apenas quanto à matéria não imperativa regulada no Código do Trabalho.

    5.ª Em segundo lugar, e face ao disposto no n.º 1 do art. 7 da Lei n.º 7/2009, de 12.2, que aprovou o Código do Trabalho de 2009, será de aplicar ao presente caso concreto, o Código do Trabalho anterior, aprovado pela Lei n.º 99/2003, nomeadamente, nas matérias omissas na ACT e aos regimes imperativos constantes desse diploma legal.

    6.ª Ora, relativamente ao exercício da ação disciplinar, constante do número 1 do art. 372 do Cód. do Trabalho de 2003, parece não existir quaisquer dúvidas que tal prazo pode ser modificado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.

    7.ª Com aplicação ao presente caso concreto, também não existe qualquer dúvida que a ACT acima identificada, procedeu à alteração do prazo do procedimento disciplinar, nomeadamente, ao dispor, no número 2 da sua cláusula 97.ª, que “A acção disciplinar prescreve decorridos 30 dias sobre a data em que a alegada infracção foi do conhecimento do conselho de administração ou de quem as suas vezes fizer”.

    8.ª Ou seja, por acordo coletivo de trabalho, a A. e a R. acordaram que o prazo para iniciar o procedimento disciplinar passaria dos 60 dias, previstos no n.º 1 do art. 372 do Cód. do Trabalho, para os 30 dias previstos naquela cláusula 97, n.º 2, do ACT.

    9.ª Aqui chegados, importa qualificar a figura jurídica de tal prazo, ou seja, se estamos perante um prazo de caducidade, ou perante um prazo de prescrição. Entende a A. que tal prazo é de caducidade, na medida em que estamos no âmbito de direitos potestativos (poder jurídico de, por um ato livre de vontade, só de per si, produzir efeitos jurídicos que inevitavelmente se impõe à contraparte), ou seja, quando por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade.

    10.ª Na realidade, e conforme é defendido por alguma doutrina e jurisprudência, estamos perante uma caducidade atípica, na medida em que, por um lado, se prevê a possibilidade de tal prazo de caducidade ser suspenso, nomeadamente, com a instauração de um processo prévio de inquérito, previsto no Cód. do Trabalho de 2003 (art. 412), como também se decidiu que a caducidade do procedimento disciplinar não é de conhecimento oficioso (ver Acórdão do STJ de fixação de jurisprudência 4/2003, de 21-5, DR, 1.ª Série-A, de 10/0712003).

    11.ª Com especial relevância para a decisão final do presente processo, ficou demonstrado e provado que: a) Os factos descritos pela A. como acidente de trabalho ocorreram no dia 26 de Março de 2008 (ponto 15 da matéria de facto dada como provada nas decisões judiciais); b) No dia 27 de Março de 2008, a A. deslocou-se ao posto médico da R. onde foi observada pela enfermeira CC (ponto 17 da matéria de facto); c) Como também, nesse mesmo dia 27 de Março de 2008, se deslocou e foi observada por um médico, nas urgências do Hospital ... (ponto 18 da matéria de facto dada como provada); d) E ainda que a participação do acidente de trabalho foi tempestivamente realizada, pois foi feita pela A., ao seu superior hierárquico, dentro das 48 horas seguintes ao alegadamente ocorrido, concretamente, no dia seguinte, de acordo com o depoimento do Eng. DD (ver fls. 12 a 15, 74 a 76 do processo disciplinar, junto aos presentes autos) e conforme a R. reconhece nas conclusões do seu recurso de apelação da sentença de primeira instância, nomeadamente, as conclusões B, C, D, E, G, H, I; e) Em 26 de Maio de 2008, foi a A. notificada da nota de culpa junta aos autos, por apenso a fls. 27 a 35.

    12.ª De todo o exposto, não restam dúvidas que, no presente caso concreto, ocorreu a caducidade do procedimento disciplinar contra a A., na medida em que a R. (entidade empregadora), nas pessoas do Sr. Eng. DD (superior hierárquico da A.) e dos Srs. Engs. EE e FF (superiores hierárquicos daquele), tiveram conhecimento dos factos no dia 28/03/2008, factos estes constantes da participação do acidente assinada e comunicada por escrito e verbalmente pela A. à R., tendo esta, só passados 59 dias, entregue a nota de culpa à A., ou seja, em 26 de Maio de 2008 (ver, por todos, Ac. do STJ, de 29/09/99, in CJ, Ano VII) tomo III, pág. 255).

    13.ª Assim sendo, e a entenderem V. Exas., Meritíssimos Juízes Conselheiros, que, no presente caso concreto, estamos perante a figura jurídica da caducidade atípica do procedimento disciplinar, e que a mesma não é de conhecimento oficioso, vem a A., ora recorrente, invocá-la, desde já, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 333 do Cód. Civil.

    14.ª Em consequência, da caducidade ora invocada, deverá, com o devido respeito que é muito, ser: a) Declarado nulo o processo disciplinar; b) E consequentemente, ser declarado ilícito o despedimento da autora AA; c) A R./recorrida condenada a reintegrar a autora no seu posto de trabalho com a categoria, antiguidade e retribuição que teria se não tivesse sido despedida; d) A R./recorrida condenada a pagar à autora as retribuições, férias, subsídios de férias e de Natal, desde 22 de Novembro de 2008 até ao trânsito em julgado da presente sentença, acrescidas dos juros de mora à taxa legal desde a data de vencimento de cada prestação até integral pagamento, descontadas as importâncias que a autora tenha obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, sendo o montante de subsídio de desemprego que a autora tenha auferido a entregar pela ré à segurança social; e) Em suma, revogar integralmente a decisão recorrida, e condenando-se a R., nos exatos termos da decisão proferida em primeira instância.

    15.ª Por outro lado, e a entenderem V. Exas., Meritíssimos Juízes Conselheiros, que estamos perante a figura jurídica da prescrição do procedimento disciplinar, que no presente caso concreto é muito similar à caducidade atípica aqui...

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