Acórdão nº 3424/11.4TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução04 de Março de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 22 de Setembro de 2011, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 1.º Juízo, 2.ª Secção, AA, BB e CC vieram instaurar acção, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE …, pedindo que a ré fosse condenada a reconhecer-lhes o direito à contagem do tempo de serviço como auxiliares de educação, desde a data da atinente admissão ao serviço, para efeitos de reposicionamento por escalões, por módulos de 3 anos, na carreira de educadora de infância, com efeitos remuneratórios a partir de 1 de Janeiro de 2002 até 31 de Dezembro de 2005, nos termos da Lei n.º 5/2001, de 2 de Maio, daí resultando, para a 1.ª autora, o reposicionamento no escalão 9.º a contar de 1 de Janeiro de 2002, e de Abril de 2003 a Dezembro de 2005 no escalão 10.º, para a 2.ª autora, o reposicionamento no escalão 9.º, desde Janeiro de 2002 até Dezembro de 2005, e, para a 3.ª autora, o reposicionamento desde Janeiro de 2002 até Dezembro de 2003 no escalão 9.º e de Janeiro de 2003 a Dezembro de 2005 no escalão 10.º, e, por via desses reposicionamentos, a condenação da ré a pagar-lhes, respectivamente, € 44.979,44, respeitantes a diferenças retributivas, acrescidas de juros vencidos (€ 13.359,25) e vincendos, € 45.328,75, a título de diferenças retributivas, acrescidas de juros vencidos (€ 14.440,66) e vincendos, e € 50.693,32, referentes a diferenças retributivas, acrescidas de juros vencidos (€ 15.678,40) e vincendos.

Alegaram, em síntese, que iniciaram funções na Santa Casa da Misericórdia de …, como auxiliares de educação, respectivamente, em 27 de Abril de 1977, Maio de 1975 e Junho de 1977, e frequentaram o curso de promoção a educadoras de infância, entre 1985/1988 e 1986/1989, tendo, entretanto, transitado do vínculo à função pública para o regime de contrato individual de trabalho, sempre exercendo as mesmas funções, sendo que a ré, relativamente às educadoras de infância oriundas de auxiliares de educação e que mantiveram o vínculo público, considerou o tempo de serviço prestado como auxiliares de educação desde a data da respectiva admissão, para efeitos de reposicionamento na carreira de educadora de infância, procedimento que não teve para com as autoras, que têm direito a idêntico tratamento e que, por força da contagem daquele tempo de serviço, teriam sido posicionadas em escalões mais elevados do que estiveram desde Janeiro de 2002 a Dezembro de 2005.

Frustrada a conciliação, na audiência de partes, a ré contestou, aduzindo que o disposto na Lei n.º 5/2001, de 2 de Maio, alterada pela Lei n.º 59/2005, de 29 de Dezembro, apenas se aplicava às educadoras de infância que exerciam funções no regime da função pública, o que não era o caso das autoras, contratadas no regime de contrato individual de trabalho, inexistindo, por isso, a obrigação da contagem do tempo de serviço prestado pelas autoras, como auxiliares de educação e em regime de emprego público, encontrando-se as mesmas correctamente posicionadas.

Subsequentemente, a acção foi julgada parcialmente procedente, sendo a ré condenada «a reconhecer a cada uma das AA. a contagem do respectivo tempo de serviço prestado como auxiliares de educação, desde as datas das respectivas admissões até 31/12/1982, para efeitos de reposicionamento por escalões, por módulos de 3 anos, na carreira de Educadora de Infância, com efeitos remuneratórios desde 01/01/2002 a 31/12/2005, nos termos previstos na Lei n.º 5/2001, de 2 de Maio» e a pagar «a cada uma das AA. as diferenças retributivas, decorrentes do reposicionamento supra ordenado, a liquidar em execução de sentença, a elas acrescendo os legais juros de mora, contados desde a data em que cada prestação era devida e até efectivo e integral pagamento, absolvendo a R. do demais peticionado».

  1. Irresignadas, a ré e as autoras interpuseram recurso de apelação, sendo o primeiro independente e o outro subordinado, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa deliberado improceder o recurso da ré e proceder o recurso das autoras e, assim, em conformidade, julgar improcedente a excepção dilatória de caso julgado e procedente a acção, tendo condenado «a R. a reconhecer a cada uma das AA. a contagem do respectivo tempo de serviço prestado como Auxiliares de Educação, desde as datas das respectivas admissões, para efeitos de reposicionamento por escalões, por módulos de 3 anos, na carreira de Educadora de Infância, com efeitos remuneratórios desde 01/01/2002 até 31/12/2005, nos termos previstos na Lei n.º 5/2001, de 2/05, e a pagar-lhes as diferenças retributivas daí decorrentes, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data em que cada prestação era devida e até efectivo e integral pagamento, tudo a liquidar no âmbito do incidente próprio».

    É contra esta deliberação que a ré se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as conclusões seguintes, explicitadas na sequência de convite do relator, nos termos do n.º 3 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, para indicar as normas jurídicas violadas e sintetizar os fundamentos do recurso interposto: «Em matéria de erro na interpretação e aplicação da Lei n.º 5/2001, de 2 de Maio, da alteração da mesma operada pela (no artigo 1.º) Lei n.º 59/2005, de 29 de Dezembro, e do artigo 13.º CRP pela Relação de Lisboa, cumpre referir que: I.

    No que concerne à errada aplicação e interpretação do artigo 1.º da Lei n.º 5/2001, de 2 de Maio, e da alteração da mesma operada pela (no artigo 1.º) Lei n.º 59/2005, de 29 de Dezembro, a ora Recorrente, ao contrário da douta sentença da primeira instância e do douto acórdão da Relação de Lisboa, entende que os normativos citados se aplicam expressa e exclusivamente aos vínculos de direito público.

    II.

    Por isso, a Deliberação da Mesa da SCML n.º 649.º, de 5 de Dezembro de 2002, determinou a incidência exclusiva da norma para os funcionários do denominado quadro residual de trabalhadores da SCML com vínculo público, no estrito cumprimento da Lei n.º 5/2001, de 2 de Maio, em conjugação com os artigos 25.º, 26.º e 27.º dos Estatutos (em vigor à data), aprovados pelo Decreto-Lei n.º 322/91, de 26 de Agosto.

    III.

    Mais. No entender da SCML, o douto acórdão da Relação enferma de um erro na interpretação e aplicação da Lei, ao […] considerar ter existido “…violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa — e de onde emerge o princípio reinante em direito laboral ‘para trabalho igual, salário igual’ —, está a R impedida de discriminar as trabalhadoras ao seu serviço que optaram pelo regime do contrato individual de trabalho”, olvidando que ao aplicar-se o regime específico a cada funcionário (público) ou trabalhador (privado), regime esse que decorre da lei em vigor que dá corpo aos regimes jurídicos aplicáveis, não se está a violar o artigo 13.º da Constituição da Republica Portuguesa, está-se, isso sim, a cumprir as leis do estado de direito, aplicando cada um dos regimes em função do que o legislador desenhou para cada caso.

    IV. Julga a ora Recorrente que o referido princípio “para trabalho igual, salário igual”, não foi beliscado, dado que o cerne da questão reside nas regras de contagem de tempo que são próprias da função pública, nos termos expressamente previstos no artigo 1.º da Lei n.º 5/2001, sendo certo que desde a entrada em vigor dos Estatutos da SCML de 1991, o regime do contrato individual de trabalho passou a ser o regime regra nas relações laborais da SCML com os seus trabalhadores.

    V. Por seu turno, passou a aplicar-se às AA., de 1992 em diante, o normativo próprio das relações jurídicas de [direito] privado, única e exclusivamente, porque as próprias expressamente optaram por essa modalidade de emprego, pelo que in casu julgamos estarmos perante uma situação enquadrável como venire contra factum proprium.

    VI. Acresce ainda a “atitude activa de equiparação substantiva em matéria retributiva”, a que alude o acórdão da Relação acaba por permitir que os trabalhadores que exerceram uma opção por dado regime em 1992, se permitam 10 ou 20 anos depois, vir reclamar a aplicação de regime que optaram por, de forma livre e consciente, abandonar.

    VII. Assim, tal como é pacificamente aceite pela Jurisprudência desse Supremo Tribunal, a proibição do venire contra factum proprium reconduz-se à doutrina da confiança, pressupondo, como elemento subjetivo, que o confiante adira realmente ao facto gerador de confiança, como no caso concreto, em que a SCML se limitou a aplicar a Lei n.º 5/2001, que se confina a relações de emprego público.

    VIII. É nesse sentido que a ora Recorrente não pode ser colocada, caso seja acolhida a tese da Relação de Lisboa, na situação de não se conseguir distinguir entre os trabalhadores adstritos a regimes legais de emprego público ou de direito privado.

    IX. Por outro lado, esta indistinção entre o estatuto de trabalhadores no âmbito de relações de emprego público e de direito privado, parece permitir o surgimento de relações laborais à la carte, podendo qualquer trabalhador escolher de entre estes dois regimes as normas sobre o regime dos vínculos, carreiras, remunerações e proteção social dos trabalhadores que lhe sejam mais favoráveis.

    Sem conceder, no que diz respeito à exceção dilatória de caso julgado (parcial), X. A ora Recorrente entende verificar-se a exceção dilatória de caso julgado, nos termos do artigo 497.º do anterior Código do Processo Civil (atual 580.º), atento o facto das duas ações, a atual e aquela que se refere ao processo n.º 2/2002, que correu termos na 2.ª Secção do 2.º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa, terem uma identidade sobreposta parcial dos pedidos e causa de pedir, além da identidade dos sujeitos — em particular, na parte em que as AA. peticionam a contagem do tempo de serviço na categoria de Educadora de Infância [do] período que vai de 1983 ao início dos respetivos cursos de promoção a educadoras de infância.

    XI...

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