Acórdão nº 2992/13.0TBFAF-A.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução26 de Março de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1.

Na ação de execução sumária em referência com o valor de € 1.770,94, instaurada pela sociedade AA, Lda contra BB, a exequente, notificada de que não existia saldo nas constas bancárias tituladas em nome da executada, requereu, em 02/01/ 2014, ao agente de execução, que, por sua vez, requereu ao juiz do processo, em 10/01/2014, que fosse autorizado o levantamento do sigilo fiscal, de forma a poder averiguar a existência de bens suscetíveis de penhora.

2.

Tal requerimento foi indeferido, por despacho de 30/01/2014, com base em “falta de concreto fundamento, indemonstrada que se mostra a necessidade do pretendido acesso”, condenando-se a requerente na multa de ½ UC.

3.

Em 08/02/2014, a exequente deduziu novo requerimento ao juiz de execução, reiterando o pedido de levantamento do sigilo fiscal, insistindo em que tal levantamento se justificava porquanto, de acordo com as consultas efetuadas pelo agente de execução, não se encontraram bens da executada suscetíveis de penhora.

4.

Sobre tal requerimento, em 28/02/2014, foi proferido o seguinte despacho: “Considerando que o requerido constitui atribuição do agente de execução e que sobre o mesmo já existiu decisão judicial, verifica-se que a sua manifesta inutilidade, impertinência, e improcedência, pelo que será rejeitado, com a inerente responsabilidade tributária - cf arts. 6.º/1, 130.º, 527.º/1, 719.º/1 e 749.º/1 do Código de Processo Civil (CPC), e 7.º/4 do Regulamento das Custas Processuais (RCP).

Acresce que a exequente, sabendo da manifesta improcedência do requerido, pois não podia desconhecer as incumbências legais do agente de execução, não atuou com a prudência devida, mais pagará taxa sancionatória excecional, atento o valor e a natureza da ação - cf arts. 531." do CPC, e 10.° do RCP.

Pelo exposto: Rejeito o requerimento em causa, ordenando o seu desentranhamento e a sua eliminação do histórico; - Custas com duas unidades de conta de taxa de justiça, pelo requerente; - Mais paga duas unidades de conta de taxa excecional.” 5.

Inconformada com tal decisão, a exequente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, mas o mesmo foi rejeitado pelo Mm.º Juiz a quo por considerar que, face ao valor da causa, a decisão era irrecorrível, condenando-se ainda a recorrente na taxa execional de 3 UC, conforme despacho reproduzido a fls.20, datado de 01/04/2014.

6.

Desta feita, a exequente reclamou desse despacho para o Tribunal da Relação de Évora, tendo o Exm.º Juiz Relator proferido decisão, em 19/05/2014, conforme fls. 31 a 38, a manter o despacho reclamado.

7.

Perante isso, o Ministério Público junto da Relação, na qualidade de parte acessória, reclamou daquela decisão para a conferência, invocando a contradição entre a decisão proferida e vários acórdãos do Tribunal da Relação de Évora nos quais fora admitido recurso de decisões que aplicaram multas ou outras sanções processuais que não excediam metade da alçada.

8.

Em 11/09/2014, foi proferido, em conferência, o acórdão de fls. 51 a 59, com um voto de vencido, a julgar improcedente tal reclamação, mantendo o despacho reclamado, com base no seguinte quadro conclusivo: “1- Da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional cabe sempre recurso, nos termos do disposto no artigo 27.°, n.º 6, do RCP na sua actual redacção, se tal condenação não assentar em qualquer disposição legal que a preveja, se não for abstratamente enquadrável na previsão de qualquer norma legal.

2 - Fora dessa circunstância excepcional, o recurso só é admissível se estiverem verificados os requisitos gerais de admissibilidade, nomeadamente os que se referem ao valor da causa e da sucumbência.” 9.

Por seu turno, o voto de vencido é do seguinte teor: “Votei vencida, dado ter perfilhado a tese contrária à que fez vencimento neste acórdão, com os fundamentos constantes do Acórdão desta Relação, proferido em 19/06/2014, no processo n.º. 1683/ 04.8TBFAR-A.E1, igualmente proveniente do 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Faro, de que fui relatora e que aqui dou por reproduzidos, no qual aderi à solução defendida nas decisões proferidas nos processos n.ºs 1982/13.8TBFAR-A (Relator Des. Dr. Sílvio Santos) e 3750/11.2TBFAR-A (Relatora Des. Dr.

a Alexandra Moura Santos) também deste Tribunal da Relação, bem como nos acórdãos da Relação de Coimbra de 10/09/2013 (proc. n.º 171/ 10.8TBSAT) e da Relação de Guimarães de 26/09/2013 (proc. n.º 4584/10.7 TBBRG-A), acessíveis em www.dgsi.pt e ainda por Salvador da Costa, in "Regulamento das Custas Processuais Anotado”, 5.ª edição, 2013, Almedina, pág. 332.” 10.

O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Évora interpôs recurso de revista desse acórdão com fundamento especial, ao abrigo do disposto no art.º 692.º, n.º 2, alínea d), do CPC, a pugnar pela procedência da reclamação, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - O acórdão recorrido e o acórdão fundamento - proferido pelo Tribunal da Relação de Évora em 19/06/2014, no Proc. n.º 1683/ 04.8TBFAR-A.E1 - encontram-se em contradição, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, não cabendo recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal e inexistindo sobre a matéria jurisprudência uniformizada, pelo que se mostram reunidos os pressupostos legalmente exigidos para o recurso previsto no art.º 629.º, n.º 2, al. d), do NCPC.

  1. - O disposto no art.º 27.º, n.º 6, do RCP deve ser interpretado no sentido de ser sempre admissível recurso, quer da condenação em multa, quer em taxa sancionatória excepcional, tal como se prevê a admissão de recurso no caso da condenação por má fé, nos termos do art.º 542.º, n.º 3, do NCPC, independentemente do valor da causa e da sucumbência; 3.ª - Na verdade, resulta do disposto no art.º 27.º, n.º 2, do RCP que a multa ou penalidade só pode ascender a uma quantia máxima de 10 UC, ou seja, a um valor máximo de 1.020 euros - sendo, pois, este valor máximo sempre inferior a metade da alçada (2.500 euros). Não pode, pois, defender-se que o recurso da multa, previsto no art.º 644.º, n.º 2, al. e), do NCPC, está sujeito às exigências de valor fixadas no art.º 629.º, n.º 1, do mesmo código, quando afinal o RCP impede expressamente que a multa ascenda ao valor de sucumbência previsto em tal norma.

  2. - Assim, haverá de atender-se conjugadamente ao disposto ao disposto nos artigos 27.º, n.º 2 e 6, do RCP e aos artigos 629.º, n.º 1, e 644.º, n.º 2, al. e), do NCPC para se obter uma interpretação que tenha em conta a unidade do sistema jurídico, uma vez que se afigura indubitável que o legislador pretendeu manter a possibilidade de recurso das decisões que aplicam multas e manteve no novo CPC a norma do art.º 644.º, n.º 2, al. e), com nova formulação para abranger quer a multa quer outra sanção processual - e tal interpretação não pode deixar de ser a de não sujeitar o recurso de multas e outras sanções às exigências do valor da acção e da sucumbência previstas no art.º 629.º, n.º 1, do NCPC, tal como sucede na litigância por má fé.

  3. - Não tendo seguido o entendimento supra exposto, violou o douto acórdão recorrido o disposto no art.º 27.º, n.º 6, do RCP e artigos 629.º, n.º 1, e 644.º, n.º 2, al. e), do NCPC, devendo ter interpretado tais normas no sentido constante das conclusões acima enunciadas.

11.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – Da admissibilidade do recurso Antes de mais, importa reter que, ao presente caso, se aplica regime recursal do CPC na sua versão atual. A decisão aqui recorrida consiste no acórdão da Relação de Évora que manteve a decisão proferida pelo Exm.º Relator a julgar improcedente a reclamação deduzida, nos termos do art.º 643.º do CPC, contra o despacho do Mm.º Juiz da 1.ª instância que indeferiu o requerimento de interposição de recurso para aquela Relação do despacho transcrito no ponto 4.

De referir que a decisão proferida pelo Exm.º Relator da Relação de Évora sobre aquela reclamação era suscetível de impugnação para a conferência, tal como foi, nos termos conjugados dos artigos 643.º, n.º 4, parte final, e 652.º, n.º 3, do CPC.

Assim, o acórdão aqui recorrido teve por objeto a apreciação de uma decisão interlocutória unicamente sobre a relação processual como é a que respeita à admissibilidade do recurso interposto da decisão da 1.ª instância e que, por sua vez, versava sobre matéria de sanções processuais, de certo modo, sobre questão incidental.

Ora, o n.º 2 do artigo 671.º do CPC preceitua que: Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista: a) – Nos casos em que o recurso é sempre admissível; b) – Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

Sucede que o presente recurso se funda numa alegada contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, em 19/06/2014, no Proc. n.º 1683/04.8TBFAR-A.E1, pelo que está, desde logo, afastada hipótese prevista na transcrita alínea b).

Resta saber se o caso é subsumível à hipótese figurada na alínea a) daquele normativo, o mesmo é dizer se o recurso é sempre admissível, seja no caso previsto no n.º 2, alínea c), do artigo 629.º do CPC, seja mesmo ao abrigo de outra disposição especial.

Este último normativo, aliás invocado pelo Recorrente, dispõe que: Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso: d) - Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal...

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