Acórdão nº 7331/10.0TBOER.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelBETTENCOURT DE FARIA
Data da Resolução05 de Março de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA e mulher, BB vieram mover a presente acção ordinária contra CC e mulher, DD, pedindo: a condenação do réu a transmitir para os autores, contra o pagamento do valor da subscrição (€ 99.800) um total de 14.970 acções, representativas de 24,95% do capital social de EE - Produtos Farmacêuticos, Cosméticos e Químicos, SA, de que alegadamente seriam titulares, e por aquele detidas, na qualidade de seu mandatário.

Contestaram os réus, impugnando a qualidade invocada pelos autores - concluindo pela improcedência da acção e pedindo, em reconvenção, que se declare não serem aqueles titulares das acções em causa e ser o réu marido titular das correspondentes a 0,05% do capital da referida sociedade.

O processo seguiu os seus trâmites e, feito o julgamento, foi proferida sentença que Julgou procedente a acção e improcedente a reconvenção condenando-se os réus no pedido contra si formulado e o réu marido, como litigante de má fé, em multa de 9 UCs - absolvendo-se os autores do pedido reconvencional.

Apelaram os réus, tendo o Tribunal da Relação proferido a seguinte decisão: “Pelo acima exposto, se acorda em, concedendo parcial provimento ao recurso, alterar a decisão recorrida e, julgando a acção improcedente, absolver do pedido os RR. apelantes, bem o R. da imputação de litigância de má fé - mantendo-a, na parte restante.

Custas, em ambas as instâncias, na proporção do decaimento.

” Recorrem agora os autores, os quais, nas suas alegações de recurso, apresentam as seguintes conclusões: 1. A decisão em apreço é incompreensível, inaceitável, injusta, totalmente contrária ao direito e à moral, devendo merecer o mais vivo e expresso repúdio por parte deste Supremo Tribunal.

  1. No acórdão recorrido o Tribunal da Relação de Lisboa limitou-se a realizar uma reapreciação da factualidade e a decidir pela alteração, quase integral e "em bloco", da decisão proferida, nessa sede, pelo Tribunal de P Instância, sendo o mesmo, não apenas nulo por absoluta falta de fundamentação mínima, mas igualmente inaceitável, por violador das normais legais e princípios gerais aplicáveis.

  2. O artigo 6150 nº1, alínea b) do Código de Processo Civil (decorrência directa do princípio constitucional explanado no artigo 2050 nº 1 da Constituição da República Portuguesa) encerra um princípio fundamental de qualquer decisão judicial: a necessidade de fundamentacão, assim vedando as decisões arbitrárias e/ou infundadas.

  3. Em violação de tais normas e princípios, o Tribunal a quo limitou-se a referir que (i) ouviu os depoimentos prestados em audiência de julgamento, (ii) considerou que poderá existir um "eventual interesse na causa" por parte das testemunhas FF, GG e seus familiares próximos, (iii) considerou que a prova documental junta aos autos se mostrou insuficiente para confirmar ou infirmar a matéria de facto em causa, e, assim sendo, concluiu, sem mais e em bloco, que se justificava a alteração global da factualidade dada como provada pelo Tribunal de 1a Instância e na qual se fundamentou a decisão proferida por este.

  4. Não consta da decisão recorrida um único elemento/facto concreto de onde se possa retirar a conclusão de que as testemunhas inquiridas têm um "eventual interesse na causa", nem tal alegado "interesse" é concretizado.

  5. Não pode deixar de se realçar o facto de o Tribunal a quo referir a existência de um "eventual interesse na causa", o que, desde logo, permite concluir que não ficou efectiva e realmente convencido que tal alegado "interesse" exista efectivamente, mantendo-o apenas no campo das hipóteses.

  6. Para além de tal formulação vaga, conclusiva e, sem sequer impor quaisquer certezas na suposta "convicção" formada pelo Tribunal a quo após audição da gravação dos depoimentos prestados em audiência de julgamento - a decisão recorrida é, pura e simplesmente, omissa no que concerne os factos em que se funda o referido entendimento, alterando, em bloco, a resposta dada, pelo tribunal de 1 a instância, a 34 quesitos, sem qualquer concretização relativamente a cada um dos factos e à alegada influência que cada uma das testemunhas inquiridas (e seu alegado "interesse") possam ter determinado o sentido da decisão.

  7. O Tribunal a quo nem sequer identifica as testemunhas efectivamente em causa, bastando-se em referir a identificação de duas delas e "seus familiares próximos".

  8. Tendo os depoimentos das testemunhas em causa sido admitidos (nomeadamente, mediante a improcedência do incidente de impugnação deduzido pelo Recorrido para tentar impedir a prestação de testemunho por parte de FF) e segundo o afastamento em bloco da sua credibilidade (mediante a improcedência do incidente de contradita também apresentado pelo Recorrido no que concerne a mesma testemunha FF), o Tribunal a quo estava legalmente obrigado a proceder à valoração concreta e crítica dos depoimentos (quanto ao seu conteúdo), não lhe sendo admissível um raciocínio de a priori recusar-se a fazê-lo.

  9. Para tentar sustentar a decisão proferida, o Tribunal a quo limita-se a acrescentar que "a prova documental constante dos autos se mostra insuficiente para confirmar ou infirmar a matéria em causa".

  10. Mais uma vez e à semelhança do que fez com a prova testemunhal, o Tribunal a quo refere-se à prova documental em termos absolutamente genéricos e vagos, sem qualquer concretização prática.

  11. Existem diversos factos - que o Tribunal a quo agora julgou como "não provados" - que foram objecto, não apenas de prova testemunhal, mas também de prova documental (nomeadamente a decorrente dos documentos de fls. 52 a 55, 57 a 60, 70 e ss, 76 e ss, 93, 101, 105 e 106).

  12. Mesmo tendo em consideração que a prova documental, nos referidos casos, poderia não ser suficiente para, por si só, sustentar a decisão proferida pelo Tribunal de 1a Instância, não se pode aceitar que, por esse motivo, a mesma seja totalmente desconsiderada, mormente no sentido de conferir maior credibilidade aos depoimentos prestados em julgamento.

  13. Da mesma forma, estando a prova documental junta aos autos em linha com os depoimentos em causa, a mesma, não apenas confere credibilidade a estes, como estes ajudam a interpretar e a melhor apreciar aquela.

  14. Nestes termos, é inaceitável que o Tribunal a quo - sem qualquer apreciação crítica da prova documental produzida - se limite a desconsiderá-la em bloco, não conferindo qualquer valor probatório à circunstância de ambos os elementos probatórios (prova testemunhal e prova documental) se complementarem entre si. E se entende que assim não é - o que não se admite - cabia ao Tribunal a quo explicitar porquê, através da referida e legalmente imposta apreciação crítica e conjugada da prova.

  15. Especialmente quanto ao quesito 44, o Tribunal a quo desconsiderou totalmente o facto de os Recorrentes terem junto aos autos - depois de elaborada a selecção da matéria de facto, nomeadamente, aquando do início do julgamento - prova documental (cópias dos extractos bancários e cheques), que claramente demonstra que FF pagou, em 2007, a GG, o montante de um milhão de euros.

  16. A verdade é simples: uma vez que o Tribunal a quo nada fundamenta e nada concretiza na decisão recorrida, torna-se impossível aferir quais os factos, indícios e concretos elementos de prova (testemunhal e/ou documental) que sustentaram a decisão recorrida e, em especial, a conclusão de que várias testemunhas (em parte, nem sequer concretamente identificadas) têm um "eventual interesse na causa".

  17. Não se diga que inexiste nulidade do acórdão recorrido na medida em que, embora deficiente e insuficiente, existe algum tipo de fundamentação, pois, caso assim se entendesse - o que se considera a mero benefício de raciocínio, sem conceder - ficaria absolutamente desprovido de sentido e conteúdo útil a norma em causa e, principalmente, tal determinaria o esvaziamento da imposição constitucional da qual a mesma decorre (artigo 205º da Constituição da República Portuguesa).

  18. Para além de ter a obrigação legal e constitucional de indicar em que factos baseou a sua convicção de alegada "falta de credibilidade" dos depoimentos das testemunhas, o Tribunal da Relação de Lisboa, para alterar a decisão proferida quanto à matéria de facto, tinha igualmente a obrigação de avaliar criticamente as provas (incluindo a testemunhal, mas também a documental), por forma a fundamentar a sua decisão.

  19. Nestes termos, é manifesto que o acórdão recorrido carece da fundamentação mínima legal e constitucionalmente exigida, o que acarreta necessariamente a nulidade do mesmo, nos termos do disposto no artigo 615° n? 1, alínea b) do Código de Processo Civil (equivalente ao anterior artigo 668°/1 b) do CPC), aplicável ex vi artigo 666°, nº 1 do mesmo Código, o que, pelo presente recurso, se requer seja apreciado e declarado por V. Exas.

  20. O presente recurso não se destina à reapreciação da matéria de facto (nomeadamente por errónea apreciação das provas), na medida em que tal reapreciação se encontra vedada pelo disposto no n? 3 do artigo 674° do Código de Processo Civil, mas antes a demonstrar a ilegalidade da decisão recorrida por violação do disposto nos artigos 396° do Código Civil, 655° e 712° do Código de Processo Civil (na versão aplicável ao recurso de apelação em causa) e, consequentemente, na violação e errada aplicação da lei de processo, nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 674° do Código de Processo Civil.

  21. Ao decidir da forma em que o fez, o Tribunal a quo extravasou os poderes legais ao seu alcance, violando a lei de processo.

  22. A possibilidade de alteração, por parte da Relação, da decisão proferida sobre a matéria de facto pela primeira instância, constitui uma situação excepcional, apenas se podendo verificar quando, existindo no processo todos os elementos de prova necessários para o efeito, seja inequívoco que existiu um erro na apreciação das provas.

  23. Tal excepcionalidade decorre directamente do princípio da imediação princípio essencial em que se baseiam...

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