Acórdão nº 5995/03.0TVPRT-C.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA SOTTOMAYOR
Data da Resolução12 de Março de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - Relatório “AA - ..., Ld.ª”, com sede na Rua ..., n.º …, Porto, veio deduzir oposição à execução para pagamento de quantia certa que lhe foi movida, bem assim a BB, e mulher, CC, com residência na Rua …, n.º …, …, ..., pelos Exequentes, DD e marido EE e ainda por FF e marido GG, já melhor identificados nos autos, em que estes últimos pretendem a cobrança coerciva dos referidos executados do montante de 402.033 euros, acrescido de juros de mora vencidos no valor de 7.353 euros, bem como dos vincendos até integral liquidação daquele primeiro quantitativo, oferecendo como títulos executivos, no que toca à oponente/executada, várias letras cujo aval nelas prestado lhe atribuiu.

Sustentada a oposição à lide executiva, aduziu a sociedade executada ser parte ilegítima para ser demandada, posto o aval dado nas letras oferecidas à execução ter sido subscrito por quem não era seu sócio ou gerente, acrescentando que, a não ser assim entendido, sempre tal subscrição seria ilegal por envolver acto contrário ao seu objecto social, para além de contrariar os seus estatutos, algo que era do conhecimento dos exequentes, assim esse mesmo acto não a podendo vincular.

Os exequentes apresentaram contestação em que rejeitaram a procedência das excepções assim aduzidas, tendo adiantado que o aval havia sido ratificado pela sociedade/oponente, quer por documento posterior àquele acto, quer pela efectivação de pagamentos respeitantes aos negócios subjacentes à emissão duma série de letras em que se integravam as dadas à execução; mais adiantaram que o aval prestado tinha a ver com empréstimos concedidos aos demais executados que, por sua vez, foram investidos na aquisição de matéria-prima para ser comercializada no estabelecimento da sociedade/executada, nessa medida sendo esse acto permitido, quer à luz do seu objecto social, quer dos seus estatutos (da sociedade/oponente).

Após contingências várias que não importa aqui relevar, proferiu-se despacho saneador em que se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade deduzida pela oponente/executada, fixou-se a matéria de facto tida como assente entre as partes e organizou-se base instrutória, peças estas que não sofreram reclamação.

Veio a realizar-se julgamento, a que se seguiu sentença a julgar procedente a oposição deduzida à lide executiva, nessa medida se julgando extinta a execução intentada contra a sociedade/oponente.

Inconformados, interpuseram os exequentes recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto confirmado a sentença recorrida, embora com um fundamento diferente.

Inconformados, intentaram os recorrentes recurso de revista, no qual formularam as seguintes conclusões: «A) A presente sentença viola o disposto na alínea c) e d) do nº 1 do artigo 615.º do CPC: B) O Tribunal considerou que o aval da sociedade AA não lhe era oponível porquanto esta não havia tacita ou expressamente validado a deliberação de prestar o aval, sendo que os executados BB e CC nunca o fizeram na qualidade de gerentes mas apenas em nome próprio.

  1. Ora compulsados os autos verifica-se que no local destinado ao aval os Executados BB e CC apuseram as suas assinaturas na qualidade de representantes da sociedade AA, prestando o seu aval a favor dos Executados.

  2. Salvo o devido respeito o tribunal tinha que se pronunciar sobre esta questão que decorre dos factos provados, mais concretamente do ponto D) e H).

  3. Sendo que tal omissão torna a decisão obscura.

  4. A sociedade pode opor a terceiros limitações de poderes resultantes do objecto social se provar que o terceiro tinha conhecimento de que o acto praticado não respeitava essa cláusula e se, entretanto, ela não tiver assumido o acto, por deliberação expressa ou tácita dos sócios, mas tal conhecimento não pode ser provado apenas pela publicidade dada ao contrato da sociedade (art. 260°).

  5. No presente caso, é evidente a ratificação pela sociedade em vários momentos: a. os Executados que agora invocam a inoponibilidade do aval aos Recorrentes avalizaram na qualidade de gerente e em nome pessoal as letras; b. os sócios já nessa qualidade e, como únicos sócios e gerentes, emitem uma declaração validando as declarações prestadas nas letras expressando o porquê das letras terem sido preenchidos numa data e a escritura realizada noutra; Na escritura em que na qualidade de únicos sócios da sociedade remetem o pagamento para as letras que se encontravam avalizadas por si como pessoas individuais e na qualidade de gerentes da Recorrida; c. Foram os Executados, únicos sócios da sociedade, quem pagou parte das referidas letras.

  6. Aliás vieram os executados alegar a ilegitimidade dos outorgantes do aval, neste caso, os Executados BB e CC, sendo que a mesma foi julgada improcedente.

  7. Ou seja, como pode o Tribunal considerar que a sociedade através dos seus gerentes BB e CC não assumiu a deliberação de forma expressa ou tácita, ou que os gerentes não tenham intervindo na relação cambiária em representação da Executada AA quando foram eles que apuseram as suas assinaturas prestando o aval em nome em representação da Executada AA.

  8. De forma expressa o referido aval foi prestado por aqueles que agora vêm alegar que o mesmo não lhes pode ser oponível num "venire contra factum proprium”, K) e em claro abuso de direito. O que não se concede pois foram os Executados já na qualidade de gerentes a avalizar as letras e depois de o fazer a entregá-las aos Exequentes já na qualidade, não só de gerentes, mas de detentores da totalidade do capital social.

O douto acórdão recorrido fez, nas circunstâncias concretas do caso sub judice, uma interpretação e aplicação inadequadas do art. 260.° do CSC, já que o mesmo deve ser enquadrado e julgado em conformidade e pela aplicação correctiva dos artigos 227°, 762° e 334° do CC.

Normas violadas: Violou assim o aresto em crise o disposto no artigo 260º do CSC e artigos 227°, 762° e 334° do CC.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por não provado e, consequentemente, a decisão em crise ser revogada por outra que julgue a Oposição improcedente, ordenando o prosseguimento da Execução contra a Oposta.» Os recorridos apresentaram contra-alegações, em que pugnam pela manutenção do decidido.

Sabido que o objecto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (art. 635.º n.º 3 do NCPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 608.º NCPC in fine), as questões a decidir são as seguintes: I) Da nulidade do acórdão recorrido por ambiguidade ou obscuridade na fundamentação (art. 615.º, n.º1, al. c) do CPC/2013) e por omissão de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC/2013) II) Da vinculação da sociedade à subscrição do aval e do abuso do direito Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – Fundamentação de facto Vem dada como apurada, pelas instâncias, a factualidade que se passa a enunciar: 1 - No dia 3.5.2002, mediante escritura pública celebrada no 4.º Cartório Notarial do Porto, os executados CC e BB declararam confessar-se solidariamente devedores aos exequentes DD e EE da importância de 59.360 € que, naquela data, receberam de empréstimo, sem juros, pelo prazo de sete anos e sete meses, através do cheque n.º … sobre o “HH, S.A.” – doc. de fls. 16 a 20 da execução; 2 - Declararam ainda os executados CC e BB que tal montante seria pago da seguinte forma: a quantia de 17.500 €, no dia 1/1/2005; a quantia de 41.860 €, em 91 prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de 460 € cada, vencendo-se a primeira no dia 30.5.2002 e as restantes em igual dia dos meses e anos subsequentes; 3 - Das prestações referidas em 2, foram pagas aos exequentes DD e EE as que se venceram até 30.4.2003, num total de 5.520 €.

4 - As restantes prestações encontram-se tituladas pelas letras de câmbio juntas a fls. 33 a 82 da execução, emitidas em 30.4.2002, sacadas pelo exequente EE, aceites pelos executados CC e BB e aparecendo no respectivo verso, acompanhadas da menção “por aval ao aceitante - a gerência - AA”, as assinaturas dos mesmos executados CC e BB; 5 - No dia 3.5.2002, mediante escritura pública celebrada no 4.º Cartório Notarial do Porto, os executados CC e BB declararam confessar-se solidariamente devedores aos exequentes FF e GG da importância de 59.360 €, que, naquela data, receberam de empréstimo, sem juros, pelo prazo de sete anos e sete meses, através do cheque n.º … sobre o “Banco II” – doc. de fls. 21 a 25 da execução; 6 - Declararam ainda os executados CC e BB que tal montante seria pago da seguinte forma: a quantia de € 17.500, no dia 1.1.2005; a quantia de € 41.860, em 91 prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de € 460 cada, vencendo-se a primeira no dia 30.5.2002 e as restantes em igual dia dos meses e anos subsequentes; 7 - Das prestações referidas em 6, foram pagas aos exequentes GG e FF as que se venceram até 30.4.2003, num total de 5.520 €; 8 - As restantes prestações encontram-se tituladas pelas letras de câmbio juntas a fls. 83 a 190 da execução, emitidas em 30.4.2002, sacadas pelo exequente GG, aceites pelos executados CC e BB e aparecendo no respectivo verso, acompanhadas da menção “por aval ao aceitante - a gerência - AA”, as assinaturas dos mesmos executados CC e BB; 9 - No dia 3.5.2002, no 4.º Cartório Notarial do Porto, exequentes e executados CC e BB outorgaram escritura pública de aumento de capital, alteração do contrato de sociedade da oponente “AA” e cessão de quotas – doc. de fls. 26 a 32 da execução; 10 - Mediante tal escritura, os exequentes FF e GG declararam ceder ao executado BB a quota, no valor nominal de € 180.000, de que a exequente FF era titular na sociedade oponente “AA - ..., Ld.ª”; 11 - Mediante a mesma escritura, os exequentes DD e EE declararam ceder à executada CC a quota, no valor nominal de € 180.000, de que a exequente DD era titular na sociedade oponente “AA - ..., Ld.ª”; 12 - Declararam ainda os exequentes que o preço global das cessões era de € 360.000, do qual...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT