Acórdão nº 4023/11.6/TCLRS.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelGARCIA CALEJO
Data da Resolução12 de Março de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- AA, Sociedade Unipessoal Ldª, propôs, contra BB, CC, Lda, DD e mulher, EE, a presente acção ordinária pedindo se declare que a fracção autónoma correspondente ao 2° andar frente, do prédio urbano denominado …, sito na Urbanização ..., objecto de doação efectuada pela 1ª aos 3°s RR. e nomeada à penhora em execução contra elas movida, responde pelo pagamento de dívida à A. das 1ª e 2ª RR.

Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que do acto de transmissão do bem que identifica decorreu a diminuição da sua garantia patrimonial Os RR. contestaram sustentando a inexistência de dolo na doação operada, concluindo pela improcedência da acção.

O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.

Nesta julgou-se a acção improcedente, absolvendo-se os RR. do pedido.

1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a A., AA, Sociedade Unipessoal Ldª, de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí considerado procedente o recurso revogando-se a decisão recorrida e, julgando-se a acção procedente, declarou-se que a fracção autónoma correspondente ao 2° andar frente, do prédio urbano denominado …, sito na Urbanização ..., responde pelo pagamento da divida à A. / apelante.

1-3- Irresignados com este acórdão, dele recorreram os RR. DD e mulher EE para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.

Os recorrentes alegaram, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões: a) O Acórdão sob recurso, é nulo por violação do disposto no art. 615°, nº 1. Alínea b) do CPC.

b) Julga-se humildemente que o Acórdão sob recurso, não justificou e não especificou minimamente, os fundamentos, de facto e de direito, que justificam a decisão.

c) A questão era de saber se o crédito da A., ora Recorrida, relativamente à R. BB, era anterior à data da outorga da escritura de doação.

d) Relevante nos presentes Autos, como entendem modestamente os ora Recorrentes, era o de saber se o aval prestado pela avalista numa letra, só se constitui em crédito a favor do sacador, na data de vencimento da letra, ou não.

e) Foi essa questão que ora Recorrentes levantaram nos pontos 58. a 83. da resposta ao recurso de Apelação, e sobre a qual os Juízes Desembargadores não emitiram uma palavra sequer.

f) Entendem os ora Recorrentes que o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão sob recurso, deveria ter-se pronunciado sobre esta questão da data do crédito relativamente à R. BB, pois esta é a questão essencial na procedência ou improcedência da impugnação pauliana.

g) Entendem os ora Recorrentes que, atendendo ao respondido em sede de recurso de Apelação, as questões aí suscitadas deveriam ter sido respondidas e esclarecidas no Acórdão sob recurso.

h) A verdade é que não o foram, pelo que padece o Acórdão sobre recurso, do vício de nulidade por não especificação dos fundamentos de facto e de direito, que foram levantados pelas partes.

i) Tanto assim é, que os ora Recorrentes ficam sem saber e perceber se o Tribunal da Relação de Lisboa entende, no Acórdão sob recurso, se o crédito do sacador sobre o avalista é imediato ou se só ocorre na data de vencimento da letra.

j) Pelo exposto, desde já se invoca a nulidade do Acórdão sob recurso, nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, alínea b) do CPC.

k) Por outro lado, o Acórdão sob recurso interpretou e aplicou mal as disposições legais relativas ao aval em sede de títulos de crédito, nomeadamente, letras, bem como interpretou e aplicou incorrectamente as regras e as disposições relativas ao vencimento das obrigações.

l) Nos termos do disposto nos arts. 610º e 612º do Código Civil (CC), a data do crédito e a data do acto de disposição são fundamentais para determinar a procedência ou improcedência da impugnação pauliana.

m) Tão importante como o requisito da má-fé, defendido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, importante também para os presentes Autos é saber se o acto de disposição é anterior ou posterior ou crédito e, neste último caso, se houve dolo no sentido de impedir a satisfação do direito do futuro credor.

n) Ou seja, o mais importante é determinar se o acto de disposição, neste caso gratuito, foi anterior ao crédito da ora Recorrida, então A., sobre a R. BB, e apenas esta.

o) O problema coloca-se apenas em duas letras: a) a letra, no valor de 91.666,67€ (noventa e um mil seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos), aceite em 2 de Novembro de 2009 e vencimento em 2 de Dezembro de 2009; b) a letra, no valor de 53.335,65€ (cinquenta e três mil trezentos e trinta e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos), aceite em 3 de Novembro de 2009 e tinha vencimento em 16 de Novembro de 2009.

p) Nas duas letras referidas, resulta desde logo evidente que, em ambas, a data de vencimento (2 de Dezembro de 2009 e 16 de Novembro de 2009) é sempre posterior ao acto de disposição (9 de Novembro de 2009).

q) A questão que fica por saber é se, na letra de câmbio, o crédito do sacador sobre o avalista se constitui na data do aceite e do aval ou, em alternativa, como garantia que é, se se constitui na data do vencimento.

r) Nos termos da lei e do Direito em vigor, entendemos humildemente que o crédito do sacador sobre o avalista só se constitui na data do vencimento da letra de câmbio e caso esta não seja cumprida pelo sacado.

s) Assim sendo, e caso V. Exas. assim o entendam, na data do acto, em 9 de Novembro de 2009, a ora Recorrida não tinha, sem margem para qualquer dúvida, sobre a R. BB qualquer crédito, pelo que o acta é anterior ao crédito.

t) Conforme resulta da Lei Uniforme às Letras e Livranças (LULL), o aval e, consequentemente, o avalista, têm uma função de garante relativamente ao devedor, na terminologia da lei, "O pagamento de uma letra pode ser no todo ou em parte garantido por aval. Esta garantia é dada por um terceiro ou mesmo por um signatário da letra" (art. 30º da LULL).

u) De facto, a obrigação cartular (aval) aparece apenas como garante da obrigação cartuIar do avalizado que decorre da relação subjacente (relação entre sacador e sacado) e esta só se vence na data do respectivo vencimento, data em que, simultaneamente e em caso de incumprimento, se constitui um crédito sobre o avalista como garante que é.

v) Com base nas disposições da lei, podemos definir o aval "como o acto pelo qual um terceiro ou um signatário da letra garante o pagamento dela no seu vencimento por parte de um dos subscritores." (Professor Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, VoI. Ill).

w) O avalista não é sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o subscritor do título de crédito, mas apenas da relação subjacente à obrigação cambiária estabelecida entre ele e o avalizado.

x) A razão de ser do art. 32º da LULL, é definir e balizar que o aval constitui um acto cambiário que desencadeia uma obrigação independente e autónoma da relação entre o sacado (avalizado) e o sacador.

y) Nesta perspectiva (única com cabimento na lei e no Direito), jamais se pode aceitar dizer que a ora Recorrida tinha, sobre a R. BB, antes da data da escritura, qualquer crédito, tendo antes, isso sim, umas letras que eram garantidas por essa primeira R..

z) Crédito e garantia são coisas e conceitos distintos que são regulados de formas distintas, com obrigações e direitos distintos.

aa) Ora, no caso dos presentes Autos, aquando do acto de disposição do imóvel (doação), não há ainda qualquer incumprimento por parte da sacada, a R FF, Lda., pelo que ainda não tinha operado a garantia prestada pela avalista BB.

bb) Nesse sentido, as partes, decidiram, no dia 17 de Novembro de 2009 (um dia após o vencimento da letra), celebrar a referida escritura pública (ponto 6., alínea a) destas Alegações) em que a R BB assume, então a sua obrigação, dando para garantia do cumprimento das obrigações assumidas com a ora Recorrida, a constituição de uma hipoteca de um imóvel de que também era proprietária, deixando as partes, de forma consciente e desejada, de fora o imóvel dos presentes Autos uma vez que o mesmo já não integrava o património da R. BB.

cc) Resulta assim evidente que, ao contrário do que postulou o Tribunal da Relação de Lisboa, o crédito da ora Recorrida sobre a R BB, é posterior ao acto de disposição alvo da impugnação pauliana.

dd) Esta, Meritíssimos Juízes Conselheiros, parece ser de facto a boa interpretação da questão da data do crédito do sacador sobre ao avalista, que...

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