Acórdão nº 1212/08.4TBBCL.G2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução12 de Março de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]: AA e BB, por si e na qualidade de legais representantes de seu filho menor, CC, propuseram a presente acção declarativa, com processo comum ordinário, contra DD, EE, FF, GG, todos, por si e na qualidade de legais representantes da sociedade "HH, Lda", e Dr. II, suficientemente, identificados, pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados a pagar-lhes uma indemnização não inferior a €380.000,00, por danos patrimoniais e não patrimoniais, causados pela sua conduta, alegando, para tanto, em síntese, que, na sequência de uma gravidez da autora, da qual resultou o nascimento do menor CC, os autores contrataram, por três vezes, os serviços da ré "HH, Lda", para a realização de exames de ecografia obstétrica, tendo a ré DD assinado o relatório da ecografia, realizada às 21 semanas de gestação, e o réu Dr. II assinado os relatórios, realizados às 8ª e 30ª semanas.

Acontece, porém, que, apesar de os referidos relatórios atestarem não haver qualquer deformação do feto, o menor CC nasceu, no dia … de … de 2005, com gravíssimas malformações dos membros superiores e inferiores, que determinam uma incapacidade permanente global de 93%, sendo certo que essas deformações são detectáveis às 12 semanas, o que não aconteceu, por descuido e negligência grosseira, imputável a todos os réus, o que impediu que os autores pudessem efectuar uma interrupção médica da gravidez ou sujeitar o feto a tratamento, diminuindo, significativamente, as malformações existentes.

A conduta dos réus causou aos autores gravíssimos danos morais, tanto mais que se viram confrontados com as malformações do menor, apenas, no momento do nascimento.

A isto acresce que o CC será, totalmente, dependente de uma terceira pessoa para o resto da sua vida, sofre por não poder ser como as outras crianças, necessitando de substituir, anualmente, as próteses aplicadas, para além de que a não sujeição do menor aos tratamentos adequados causou ao mesmo grave prejuízo patrimonial, pois poderia apresentar, apenas, uma incapacidade de 50%, caso as suas deformações tivessem sido detectadas, a tempo.

Na contestação, os réus invocam as excepções da prescrição e da ilegitimidade dos réus EE, FF e "HH, Lda", defendendo que as ecografias efectuadas não são, nem podem ter sido causa de qualquer dano sofrido pelos autores, alegando, também, que as malformações com que o menor nasceu não são incompatíveis com a vida, não permitindo, nem justificando, por isso, a interrupção da gestação e, por outro lado, nenhum tratamento médico seria possível para as corrigir, durante o período da gestação, sendo certo que a hipótese mais plausível para explicar as malformações apresentadas é a síndrome das bandas amnióticas, que podem desenvolver-se, tardiamente, no decurso da gestação, o que implica que as lesões tenham sido causadas numa fase tardia, posterior à execução dos exames ecográficos.

Na réplica, os autores defendem a improcedência das excepções, refutando a matéria da defesa alegada na contestação.

No despacho saneador, foi julgada procedente a excepção da ilegitimidade dos réus EE, FF e GG, com a consequente absolvição da instância, e improcedente a excepção da prescrição.

A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente, condenando as rés "HH, Lda" e DD a pagarem, solidariamente, a quantia de €35.000,00, a cada um dos autores (AA e BB) e a quantia que se vier a liquidar, no competente incidente de liquidação, quanto às despesas que os autores AA e BB vão ter de suportar, com a substituição das próteses do filho, até este atingir os 18 anos de idade, absolvendo, porém, o réu II do pedido.

Desta sentença, os réus Drª DD e outros recorreram, pondo em causa, nomeadamente, a decisão da matéria de facto, sustentando que foram mal julgados os factos perguntados, nos quesitos 1º, 31º, 32º e 35º.

Pronunciando-se quanto às questões suscitadas pelos recorrentes, o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu manter inalteradas as respostas dadas aos quesitos 1º, 31º e 32º, mas, quanto ao quesito 35º, foi decidido alterar a resposta que havia sido dada ao mesmo, e, consequentemente, alterar o ponto 33 da sentença recorrida, com a redação de que "As bandas amnióticas formam-se na gestação".

Foi ainda decidido anular, parcialmente, o julgamento e a sentença recorrida, de forma a que fosse aditado um quesito, com a redacção de que "A não detecção atempada das deformidades descritas em D) impediu que os autores pudessem efectuar uma interrupção médica da gravidez?".

Realizado novo julgamento para responder a este quesito, foi, a final, proferida sentença que “julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou as rés «HH, Lda» e DD a pagarem, solidariamente, a quantia de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros) a cada um dos autores (AA e BB) e a quantia que se vier a liquidar no competente incidente de liquidação quanto às despesas que os autores AA e BB vão ter de suportar com a substituição das próteses do filho até este atingir os 18 anos de idade [a] e absolveu o réu II do pedido [b]”.

Desta sentença, os réus Dra. DD e outros interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado “procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e absolvendo os Réus dos pedidos”.

Deste acórdão da Relação de Guimarães, os autores interpuseram agora recurso de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, proferindo-se decisão que julgue provado o quesito 40º e condene os réus recorridos, nos exatos termos da sentença da primeira instância, deduzindo as seguintes conclusões que, integralmente, se transcrevem: 1ª – Está provado e assente nas duas decisões da primeira instância e nos dois Acórdãos desta Relação, incluindo aquele de e que ora se recorre, que os réus cumpriram de forma defeituosa a sua prestação contratual para com os recorrentes.

  1. - As decisões da primeira instância deram como assente que os recorrentes sofreram danos morais em virtude desse cumprimento defeituoso.

  2. - Os dois Acórdãos desta Relação, incluindo aquele de que ora se recorre, não abalaram a matéria dada por assente na primeira instância, uma vez que a primeira daquelas decisões apenas alterou a resposta dada a um quesito e ordenou a formulação de um novo quesito.

  3. - A formulação dada ao novo quesito configura em si a prova de um facto absolutamente notório, que já estava amplamente demonstrado e assente nas decisões da primeira instância.

  4. - Sem prescindir, ainda que se não entenda que o novo quesito configura um facto notório, e atenta a especificidade e sensibilidade da pergunta, exigia-se que a decisão recorrida, face às dúvidas que apontou à credibilidade das testemunhas, seguisse um raciocínio coerente e, nos termos do disposto no art. 662º nº 2 als. a) e b) do CPC, ordenasse a renovação dessa prova, ou a produção de novos meios de prova, nomeadamente o depoimento de parte dos recorrentes, por serem estes as únicas pessoas com razões de ciência para poderem responder a uma pergunta de foro tão íntimo. Não o fazendo, a decisão recorrida interpretou incorretamente a referida norma processual.

  5. - A sentença da primeira instância deu como provado, e o Acórdão recorrido confirma, o seguinte: "6. As deformidades descritas no ponto 4 eram detectáveis numa ecografia realizada às 12 semanas de gestação - resposta ao quesito 1º." "7. Em nenhum dos relatórios das ecografias realizadas pela autora vem referido que foram visualizados os dedos de qualquer dos quatro membros - resposta ao quesito 2º." "15. Confrontados no momento do nascimento com as malformações no menor, os autores ficaram chocados - resposta ao quesito 12º." "16. Estado de choque que ainda hoje se mantém - resposta ao quesito 13º." "17. Sempre lhes foi dito pelos réus que realizaram as ecografias que o feto era perfeito e que o bebé estava com excelente saúde - resposta ao quesito 14º." "18. Os AA sofrem muito com esta situação - resposta ao quesito 15º." "19. Que lhes tem causado muitas angústias e incómodos - resposta ao quesito 16º." 7ª - A conjugação sequencial da matéria dada por assente e citada na conclusão anterior permite concluir, como bem se fez na primeira instância, que os recorrentes sofreram danos morais indemnizáveis em consequência de não terem sido atempadamente avisados pelos réus das malformações de que o seu filho já era portador durante a gravidez.

  6. - A decisão recorrida, tal como o primeiro Acórdão desta Relação, não invalidou aquela matéria de facto dada por provada.

  7. - O segundo julgamento apenas comportou prova para o novo quesito e não para qualquer outra matéria, nomeadamente aquela que já tinha sido dada por assente e não foi alterada pelas decisões desta Relação, nomeadamente aquela de que ora se recorre.

  8. - A decisão recorrida não podia agora invalidar aquela matéria já assente, desde logo porque a mesma foi validada no primeiro Acórdão, e o segundo julgamento não produziu qualquer prova sobre a mesma que fosse suscetível de a alterar. Forçoso será então concluir que tal matéria já estava assente e a decisão recorrida foi longe demais ao desconsiderá-la nesta fase, em manifesto desrespeito pelas regras legais sobre o alcance do caso julgado, cometendo clara violação das mesmas por ofensa de caso julgado, assim cometendo uma incorreta interpretação e errada aplicação dos arts. 619º, 620º, 621º e 622º do CPC em vigor (arts. 671º, 672º, 673º e 674º do CPC antigo).

  9. - Uma vez que o primeiro Acórdão da relação apenas ordenou a formulação de um novo quesito, mantendo válida a fixação da matéria de facto já operada na primeira instância, no segundo Acórdão da Relação, ou seja, na decisão ora recorrida, os Exmos Srs. Desembargadores apenas deveriam ter aludido à prova testemunhal produzida na segunda audiência e nunca à que se produziu na primeira.

  10. - Ao decidir desta forma, o Acórdão recorrido cometeu um grave, grosseiro e notório erro, aqui tanto de facto como de...

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