Acórdão nº 1369/13.2JAPRT.P1S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução12 de Março de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça _ No processo comum com o nº 1369/13.2JAPRT., da extinta 2ª vara Criminal do Tribunal Judicial do Porto, foi submetido a julgamento em tribunal colectivo o arguido AA, filho de ... e de ..., nascido em ..., ..., com residência na ..., actualmente em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional da ..., portador do Cartão de Cidadão n.º ..., na sequência de requerimento formulado pelo Digno Magistrado do Ministério Público, que lhe imputava em, em autoria material e na forma consumada, um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nº 1 e 2, al. e) do Código Penal.

BB, id. nos autos, foi admitida nos mesmos como assistente,, e deduziu pedido de indemnização civil pedindo a condenação do arguido/demandado a pagar à demandante, a quantia de 1.537,36 euros (mil quinhentos e trinta e sete euros e trinta e seis cêntimos) a título de danos patrimoniais e a quantia de 100.000,00 euros (cem mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros moratórios legais, contados desde a data da notificação (17-02-2014) para contestar o pedido e até efectivo e integral pagamento.

- Realizado o julgamento, foi proferido acórdão em 6 de Junho de 2014,, que decidiu “julgar provada e procedente a presente acção penal e, consequentemente: Absolver o arguido da qualificativa prevista no artº 132°, n°s l e 2, alínea e), do Código Penal.

Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de 1 (um) crime de homicídio, p. e p. pelo artigo 131°, do Código Penal, na pena de 12 (doze) anos de prisão.

Condenar o arguido nas custas e encargos do processo, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC.

Parte civil Pelo exposto, julga-se o pedido de indemnização civil formulado pela demandante BB totalmente provado e procedente e, consequentemente, condena-se o arguido/demandado AA a pagar à demandante: - a quantia de € 1.537,36 euros (mil quinhentos e trinta e sete euros e trinta e seis cêntimos) a título de danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos desde a data da notificação para contestar o pedido, em 17/02/2014, efectivo e integral pagamento; - a quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros), referente ao dano morte, acrescido de juros de mora desde a data da presente decisão; - a quantia de 20.000,00 €, por danos não patrimoniais sofridos pelo cônjuge, acrescidos dos juros de mora desde a data da presente decisão; - a quantia de 20.000,00 €, por danos não patrimoniais sofridos pela vítima CC, acrescidos de juros de mora desde a data da presente decisão.

Custas do pedido cível pelo arguido/demandado AA. […]” - Inconformado, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, primeiro dos acórdãos intercalares que indeferiram a arguição das nulidades relativas ao despacho do Presidente do Tribunal Colectivo que lhe comunicou a alteração não substancial da acusação e a produção de provas que nessa sequência requerera e, depois, do acórdão final que o condenou, como autor material e na forma consumada de um crime de homicídio simples, previsto e punido pelo art.º 131.° do Código Penal, na pena de 12 anos de prisão.

- Por acórdão de 12 de Novembro de 2014, o Tribunal da Relação decidiu: • determinar que, nos termos do art.º 380.°, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal, se corrija o erro de escrita cometido na página 36 do acórdão final recorrido, a folhas 688, na linha 17, substituindo-se a expressão «n.º 3» pela «n.º 4»; • negar provimento aos recursos e confirmar os acórdãos recorridos.

Custas de ambos os recursos pelo recorrente, fixando-se as respectivas taxas de justiça em 5 (cinco) UC (art.os 513.°, n.o I e 514°, n.º 1 do Código de Processo Penal e 8.°, n.o 9 - De novo inconformado, vem o arguido recorrer para este Supremo, apresentando as seguintes conclusões na motivação de recurso: I.

O arguido foi condenado pela prática de um crime de homicídio simples, p. e p. no artigo 131.º do Código Penal, na pena de 12 anos de prisão, pena essa confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto.

II.

Sucede que as instâncias não deram a relevância adequada aos elementos de facto dados como provados e tiveram outros indevidamente em consideração, interpretando e aplicando incorrectamente o disposto nos artigos 40.º e 72.º do Código Penal.

III.

Com efeito, o Tribunal da Relação, tal como já o tinha feito o tribunal da 1.ª instância: a) Considerou indevidamente na medida da pena circunstâncias que fazem parte do tipo de crime; b) Desconsiderou que o ato foi praticado em retorsão a uma agressão anterior e no âmbito de um envolvimento físico com a vítima, com agressões mútuas; c) Desconsiderou que o ato foi praticado com dolo eventual; d) Desconsiderou a ausência de antecedentes criminais; e) Desconsiderou o arrependimento sincero da vítima e o seu pedido de desculpas aos familiares da vítima; f) Desconsiderou a idade e as condições pessoais e sociais do arguido, com relevância para a ausência de necessidades de reinserção social.

IV.

Partindo da moldura pena] abstracta do crime de homicídio simples - 8 a 16 anos de prisão - o tribunal teria, para determinar qual a pena justa no caso concreto, ou seja, qual a pena necessária, adequada e proporcional dentro na margem de 8 anos de prisão que a moldura penal abstrata comporta, de acordo com o disposto no artigo 72.º, n.º 2, do CP, de atender a "todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele" (sublinhado nosso).

V.

Assim, não pode ser utilizado como argumento para situar a pena em concreta num nível elevado dentro da moldura penal do crime de homicídio doloso a circunstância de ter sido posto em causa o bem vida ou de o agente ter atuado com dolo, uma vez que tais elementos constam já do tipo objectivo e subjectivo do crime.

VI.

Por esse motivo, o tribunal da relação desrespeitou a norma do artigo 72.º, n.º 2, do CP. ao afirmar, concordando com o tribunal de 1.ª instância, que ((importava levar-se em conta que (o arguido) atingiu o bem mais valioso da ordem jurídica".

VII.

Contraria ainda o mesmo segmento normativo do artigo 71.º, n.º 2, do CP, ao afirmar para efeito de justificar a medida da pena, que o arguido "revelou a particular intensidade da culpa por ser dolosa".

VIII.

Não só o Tribunal confunde a culpa com o elemento subjectivo do tipo legal de crime, como apela à atuação dolosa para determinar a pena em concreto.

IX.

Os fatos dados como provados, tanto no que se refere ao facto como à pessoa do arguido, impõem. de forma evidente, que a pena justa para o caso concreto se deve situar claramente no limite inferior da moldura penal, não sendo necessário um período tão longo de privação da liberdade para se atingirem as finalidades da punição.

X.

Uma pena tão longa, face à idade do arguido, terá um efeito contrário, de o afastar definitivamente da sociedade, sendo certo que se trata de alguém que, como os factos provados o comprovam, nunca mais irá praticar qualquer ato similar, apenas explicável por uma situação de envolvimento numa rixa completamente extraordinária.

XI.

As instâncias desconsideraram, na medida concreta da pena, a circunstância do ato ter sido praticado logo após a vítima se ter dirigido ao arguido e lhe ter desferido uma pancada com uma parte metálica que o atingiu de forma violenta no antebraço esquerdo, mas cuja perigosidade era acrescida por se ter dirigido à cabeça (facto 17).

XII.

Tratou-se assim de um claro gesto de retorsão que, como sabemos. atenua a sua i1icitude, como decorre desde logo do regime previsto no artigo 143.º. n.º 2, do CP, no que se refere à ofensa à integridade física simples.

XIII.

O tribunal não só desconsiderou, desrespeitando o artigo 71.º, n.º 3, b) do CP, este enquadramento da agressão que o arguido foi vítima como a tensão decorrente de ambos se terem envolvido em agressões mútuas, caindo ambos de cabeça (facto n.º XIV.

O seu gesto de atingir a vítima com a navalha não foi um acta gratuito, praticado de forma serena, mas envolvido num confronto entre arguido e vítima, após aquele ter caído no solo de cabeça e de ter perdido os seus óculos graduados, e como retorsão a uma agressão dirigida à cabeça com uma peça metálica de uma mangueira de abastecimento.

XV.

Podemos assim concluir, ao contrário do afirmado pelas instâncias, que a ilicitude concreta se encontra atenuada, apontando para uma medida da pena situada nos limites inferiores da moldura penal abstracta do crime em análise.

XVI.

O tribunal aplicou indevidamente o artigo 14.2 do Código Penal, ao considerar que, pelos factos provados, se conclui que "o dolo foi de grau máximo, pois que direto".

XVII.

Na verdade, ficou provado -facto 45 - que "o arguido atuou com o propósito de atingir o ofendido CC numa parte vital do seu corpo e provocar-lhe, deste modo, as lesões e ferimentos passíveis de causar a morte" (sublinhado nosso).

XVIII.

Ou seja, não ficou provado - e de facto não foi isso que sucedeu - que o arguido quisesse matar a vítima, mas que apenas quis causar-lhe lesões e ferimentos, lesões e ferimentos estes que, por serem passíveis de causar a morte, permitem a imputação de um crime doloso ao arguido, na vertente de ter agido apesar de admitir que o falecimento poderia ocorrer.

XIX.

Estamos assim, ao contrário do afirmado pelas instâncias, perante o dolo na sua forma menos intensa - dolo eventual, previsto no artigo 14.2, n.2 3, do CP.

XX.

Também assim a intensidade do dolo é, ao contrário do entendido pelas instâncias, diminuta, levando também aqui à medida da pena se dever situar no limite inferior da moldura penal.

XXI.

Ficou evidente do acórdão que a morte não se ficou a dever ao estacionamento do veículo da vítima na rampa do arguido, mas precisamente de uma escalada de violência que ambos não conseguiram, infelizmente, controlar, motivo pelo qual a medida concreta da pena, no âmbito do homicídio simples, se deverá situar nos seus limites inferiores.

XXII.

As instâncias desconsideraram completamente as condições pessoais...

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