Acórdão nº 244/10.7JAAVR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelJOÃO SILVA MIGUEL
Data da Resolução25 de Março de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal coletivo do Círculo Judicial da Figueira da Foz, foram submetidos a julgamento e condenados, nos termos e penas seguintes: a).

AA, identificada nos autos, na pena única de 18 (dezoito) anos de prisão pela autoria, como instigadora, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 26.º, parte final, 131.º e 132.º, n.

os 1 e 2, alíneas b), c), h) e j), do Código Penal (CP).

b).

BB, com identificação constante dos autos, na pena única de 10 (dez) anos e 4 (quatro) meses de prisão, resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas pela prática, como coautor material, dos também seguintes crimes: i.

10 (dez) anos de prisão, por um crime de homicídio qualificado, da previsão dos artigos 73.º, 131.º e 132.º, n.

os 1 e 2, alíneas c), e), h) e j), do CP, e 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro; ii.

6 (seis) meses de prisão, por cada um dos três crimes de extorsão, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 22.º, n.

os 1 e 2, alínea a), 23.º, n.º 1, 73.º e 223.º, n.º 1, todos do CP, e 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro.

c).

CC, também identificado nos autos, na pena única de 14 (catorze) anos e 6 (seis) meses de prisão, resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas pela prática, como coautor material, dos também seguintes crimes: i.

14 (catorze) anos de prisão, por um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelas disposições combinadas dos artigos 73.º, 131.º e 132.º, n.

os 1 e 2, alíneas c), e), h) e j), do CP; ii.

9 (nove) meses de prisão, por cada um dos três crimes de extorsão, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 22.º, n.

os 1 e 2, alínea a), 23.º, n.º 1, 73.º e 223.º, n.º 1, todos do CP.

  1. Do assim decidido, os arguidos e o Ministério Público – este circunscrito à parcela da decisão que não decretara a perda a favor do Estado, nos termos do artigo 111.º, n.º 1, do CP, da promessa de € 150.000,00 –, interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, por acórdão de 16 de julho de 2014, negou provimento ao dos arguidos, confirmando integralmente a decisão recorrida, e concedeu provimento parcial ao recurso do Ministério Público e declarou perdida a favor de Estado a recompensa obtida pelos arguidos com o cometimento do crime de homicídio, bem como declarou perdida a favor do Estado a recompensa prometida pela AA, condenando cada um dos arguidos a pagar ao Estado a quantia de 4.375 euros e a arguida AA a quantia de 132.500 euros.

  2. Inconformados, recorrem agora os arguidos para o Supremo Tribunal de justiça, formulando as seguintes conclusões: a). AA «I- Da valoração das declarações de coarguidos A. O Tribunal a quo relaciona a arguida AA com os factos investigados nos autos, unicamente com base nas declarações dos coarguidos CC e BB, declarações que, também no entendimento que o Tribunal sufragou no Acórdão, contam, à mistura, verdades, mentiras, contradições, ambiguidades e omissões.

    B. Não obstante a, nas palavras do Tribunal a quo, as mesmas consubstanciarem declarações “manifestamente incoerentes, tergiversantes” e “meia verdade”, denotando pouca credibilidade, o douto Acórdão recorrido acolhe-as sem reservas, incorrendo assim numa contradição insanável na fundamentação e erro na apreciação da prova, no que respeita à imputação dos factos em causa à Arguida e ora Recorrente.

    C. Bem como, não fez o douto Tribunal a quo, o “uso” correto e cuidado dos comandos contidos, nomeadamente, nos artigos 126°, 127°, 133° do C.P.P. e 355º e 358º, 359°, 368° e 369º, todos do Código Processo Penal, prejudicando a ora Recorrente na sua defesa, tendo igualmente interpretado de forma não consentânea com a nossa Constituição o estatuído no seu Artigo 32º Acresce que, D. É posição da jurisprudência, que se pode dizer uniforme, e da maioria da doutrina nacional, que nada proíbe a valoração como meio de prova das declarações de coarguido sobre factos desfavoráveis a outro. Contudo, as declarações desfavoráveis aos demais coarguidos, pela sua fragilidade, decorrente de eventual conflito de interesses e de antagonismo entre si, devem ser submetidas a tratamento específico e retiradas do alcance do regime normal da livre apreciação da prova. O STJ vem entendendo, a tal propósito, dever exigir-se cautelas especiais na valoração dessas declarações que, de um modo geral, se reconduzem à exigência de corroboração.

    E. Com efeito, entre as soluções propostas para modular doutrinal e normativamente o particular regime das declarações do coarguido, avulta a doutrina da corroboração, segundo a qual as declarações do coarguido só podem fundamentar a prova de um facto criminalmente relevante quando existe “alguma prova adicional, a tornar provável que a história do coarguido é verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir com base nas suas declarações”.

    F. Na esteira da jurisprudência, “é evidente que, tal como em relação ao depoimento da vítima, é preciso ser muito cauteloso no momento de pronunciar uma condenação baseada somente nas declarações do coarguido, porque este pode ser impulsionado por razões aparentemente suspeitas, tal como o anseio de obter um trato policial ou judicial favorável, o ânimo de vingança, o ódio ou ressentimento, ou o interesse em auto-exculpar-se mediante a incriminação de outro ou outros acusados” (Acórdão do STJ de 12.03.2008, em que é Relator Santos Cabral, in www.dgsi.pt).

    G. Por sua vez, e parafraseando, António Medina de Seíca, “o juiz poderá (deverá) valorar tais declarações e, portanto, considerá-las no interior do próprio itinerário lógico, somente se e quando as mesmas resultem susceptíveis de confronto através de outros elementos probatórios cuja presença e cuja potencialidade corroborativa se ponham como conditio sine qua non para o emprego da própria declaração para fins decisórios” (in O conhecimento probatório do co-arguido, Coimbra, 1999, pág. 219).

    H. Em relação aos depoimentos de co-arguidos, garante Teresa Beleza “[…] trata-se em meu parecer, de uma prova que merece reservas e cuidados muito especiais na sua admissão e valor, dada a sua fragilidade”. Afirmando ainda que “[…] o valor probatório do depoimento de um co-arguido no que aos restantes diz respeito é legítimo objecto de assaz diminuída credibilidade”. Além de que se não é um depoimento “[…] controlado pela defesa do co-arguido atingido nem corroborado por outras provas, a sua credibilidade é nula”. O co-arguido que no seu depoimento seja afectado por outro não pode ser prejudicado quando esse se recuse no exercício do direito ao silêncio a prestar esclarecimentos. “[…] A garantia do contraditório não é assegurada em casos em que o depoimento de um co-arguido seja o elemento de prova essencial no sentido de uma condenação.

    I. Todos os meios de prova apresentados em audiência implicam a obrigatoriedade de submissão ao contraditório, conforme artigo 327.º do CPP, então é impossível cumprir essa disposição legal em caso de co-arguidos, devido ao direito ao silêncio do arguido.

    J. Direito ao silêncio este que a arguida AA fez uso, e pelo qual não pode ser prejudicada.

    K. Aliás, existem situações de co-arguidos que insistem em denunciar os seus ex-colegas com a intenção de poder obter alguma vantagem ou até o perdão da justiça, e neste caso o depoimento do co-arguido poderá ser uma prova proibida no sentido do art. 126.º, n.º 2 al. e). Como diz Teresa Beleza “a promessa de vantagem legalmente inadmissível será certamente um dos processos mais rotineiros de conseguimento de depoimentos de «arrependimento», que do ponto de vista investigatório possam ser considerados «úteis» - isto é que ajudem a descobrir ou a incriminar co-responsáveis” .

    L. Ou seja, e nas palavras de Teresa Beleza, não se trata de um meio de prova em abstracto proibido, é uma prova de diminuída credibilidade, que merece reservas e cuidados muito especiais de admissibilidade e valoração (In “Tão amigos que nós éramos”: o valor probatório do depoimento do co-arguido no processo penal português”).

    M. Foi este também o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo.

    N. Pelo que se impõe averiguar se in casu, as declarações dos arguidos foram corroboradas por algum outro elemento de prova.

    O. Considerou o Tribunal a quo que sim, porém, com o devido respeito, afigura-se que mal andou Mmº Sr. Juiz a quo, incorrendo em erro na apreciação da prova.

    P. Ora, reitera-se que, como bem sustenta o Tribunal a quo, as declarações dos arguidos BB e CC, não são inequívocas nem credíveis. Contam mentiras, ambiguidades, contradições, omissões.

    Q. Por outro lado, afigura-se que as declarações do arguidoBB não são minimamente corroboradas pela reconstituição de fls. 1154 a 1163.

    R. Destarte, conforme resulta do próprio Acórdão em crise, das declarações do CC, mais detalhadas do que as do BB, mas em todo o caso concordantes no essencial, estes confessam apenas que o que foi combinado com a arguida aqui Recorrente foi o assalto à residência do ofendido porque ele lá teria muito dinheiro.

    S. E, por sua vez, note-se que, dos restantes meios de prova, depoimentos das testemunhas, não resulta também terem sido as declarações dos arguidos corroboradas, bem pelo contrário.

    T. No entanto, o Tribunal a quo, considerou que as mesmas, apesar destes apenas confessarem um “assalto”, são corroboradas pela carta constante de fls. 416, carta esta da autoria do arguido CC, e pelo depoimento de DD.

    U. Sucede que, manda a unidade de pensamento que, se se valida as declarações de um coarguido contra outro, tal validação deve ser feita no sentido das declarações prestadas, e não outro.

    V. Ou seja, se o Tribunal a quo considera relevantes as declarações dos Arguidos CC e BB, deveria fazê-lo, no sentido em que as mesmas foram prestadas, e não distorcendo na parte em que entende conveniente.

    W.

    In casu, atendendo a que os...

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