Acórdão nº 693/10.0TVPRT.C1.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Fevereiro de 2015
Magistrado Responsável | FERNANDA ISABEL PEREIRA |
Data da Resolução | 26 de Fevereiro de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório: AA, Lda., intentou acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra BB, S.L.
, alegando, em resumo, que ajustou com a mesma um contrato de compra e venda de uma grua e pagou o respectivo preço (€ 125.000,00), não tendo, porém, a Ré, ao arrepio do que acordara com a Autora, dado formação ao pessoal desta e não tendo os técnicos que a primeira disponibilizou para a montagem demonstrado conhecer o funcionamento da máquina.
Ao invés do que fora incutido pela Ré, a grua, ao ser colocada em funcionamento, evidenciou vários problemas e não trazia consigo o respectivo manual – o que foi comunicado à Ré –, sendo que aquela máquina fora construída em 1998 - e não em 1999, como havia sido indicado pela vendedora -. Nessa sequência, a Autora veio a perder o interesse na manutenção do negócio e a comunicar àqueloutra a intenção de o resolver, solicitando a devolução do preço pago e o levantamento da máquina, o que até agora não sucedeu. Sustenta que não teria celebrado o negócio nos mesmos moldes se conhecesse o estado de funcionamento da grua e o seu ano de fabrico e refere que a impossibilidade da sua utilização e o seu parqueamento lhe causa prejuízos.
Finalizou, pedindo que se declarasse resolvido o contrato de compra e venda em causa e se condenasse a Ré a restituir-lhe o preço pago (€ 125.000,00), acrescido de juros moratórios, ou, em alternativa, se reduzisse o preço (no mínimo, em € 50.000,00) e se condenasse a Ré a reparar a máquina, em prazo não superior a 30 dias, e a restituir à Autora a diferença do preço, com juros moratórios.
Mais pediu que se condenasse a Ré a indemnizar a Autora pelos prejuízos sofridos, em montante a liquidar.
A Ré contestou, alegando, em resumo, que, face ao disposto no artigo 1484.º do Código Civil Espanhol, aqui aplicável, não está obrigada a indemnizar a Autora por serem manifestos os defeitos invocados à data da realização do negócio, que os direitos exercidos pela Autora já haviam caducado à data da apresentação da petição inicial e que desconhecia os defeitos da grua quando a vendeu à Autora, tendo-se limitado a intermediar o negócio entre o anterior proprietário da grua e aquela e não a examinou.
Impugnou ainda, directa e motivadamente, a maior parte da factualidade vertida na petição inicial, referindo, em resumo, que a Autora não deu resposta a questões que lhe foram colocadas sobre as avarias que se terão registado, que os seus técnicos foram impedidos de efectuar reparações e que é irrelevante o ano de fabrico dos componentes.
Pugnou pela procedência das excepções e, subsidiariamente pela improcedência da acção, concluindo pela absolvição do pedido.
Na réplica, a Autora sustentou, em suma, que os defeitos não eram visíveis, que a Ré, em dois momentos, reconhecera os direitos que assistiam à Autora, que o termo do prazo de caducidade, por terminar em férias judiciais, se transferira para o primeiro dia útil após férias e que a Ré conhecia o estado e os defeitos da grua.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, proferiu-se sentença em que se julgou a acção parcialmente procedente, se declarou resolvido o contrato de compra e venda celebrado pelas partes e se condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 125.000,00, acrescida dos juros de mora vencidos desde a citação, até integral pagamento, à taxa de 5 %, ou outra que venha a vigorar na lei espanhola para os juros moratórios das dívidas civis.
Apelou a Ré impetrando a modificação do decidido em matéria de facto e de direito, mas a Relação do Porto manteve a sentença recorrida sem a alterar.
Irresignada, interpôs a Ré recurso de revista excepcional, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: «1.
ª Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto que julgou improcedente o recurso de Apelação apresentado pela Recorrente e que, desse modo, confirmou a sentença proferida em sede de primeira instância, condenando a Ré no pagamento à A. do montante € 125.000,00 por se considerar validamente resolvido contrato de compra e venda de máquina realizado entre ambas.
(Da admissibilidade da revista excepcional para melhor aplicação do direito) (…) 4.
a À luz do que determina o Regulamento (CE) n.° 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Junho de 2008 - sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I), aplica-se, ao caso vertente, a lei espanhola.
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a À luz do que determina o art.° 1490.° do Código Civil espanhol (CCE), os direitos alegados pela Apelada, ainda que existissem (o que por mera cautela de patrocínio se equaciona), ter-se-iam extinguido por caducidade, inexistindo à data da propositura da presente acção.
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a Na primeira instância, a Mma. Juiz considerou, de forma errada, que o prazo de seis meses previsto no art.° 1490.° do CCE era de prescrição, entendimento secundado pelo Tribunal a quo que afirmou «É nosso entendimento que o defendido pela recorrente apoiada na Jurisprudência do Tribunal Supremo do país vizinho, não tem qualquer correspondência nos textos legais, pois que, não se descortina qual a razão para que o prazo estatuído no artigo 1490.° CCE não seja também de prescrição, não fazendo qualquer referência à caducidade»; «Não se concorda com tal entendimento, pese embora se respeite a opinião do Tribunal Supremo espanhol».
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a Na verdade, à luz da interpretação unânime da doutrina e jurisprudência espanholas, que o Tribunal a quo reconhece existir, «Não há dúvida de que o invocado artigo 1490 estabelece o prazo de seis meses para exercer, entre outras, acções por vícios ocultos, prazo que tem carácter de "disposição especial", como previsto no artigo 1969 EDL Código Civil 1889/1, com o aviso também que, de acordo com pacífica opinião doutrinal e reiterada jurisprudência deste Tribunal, tal prazo é de caducidade e não de prescrição. O "dies a quo"para o início da contagem do prazo ocorre "a partir da entrega da coisa vendida." A simplicidade da regra não se presta a interpretações complicadas para além da literalidade do mesmo no que diz respeito à extinção prazo e cômputo» (decisão do Tribunal Supremo espanhol datada de 14/10/2003, com a referência Sala Ia, S 14-10-2003, n° 965/2003, rec. 3948/1997, Pte: Almagro Nosete, José; entre outra jurisprudência citada no corpo das alegações de recurso, págs. 101 e ss.).
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a Ainda de acordo com a melhor doutrina e jurisprudência espanholas, mister é notar que "o prazo referido é um prazo civil, que não pode ser confundido com um prazo processual, não há lugar para duvidar que, nos termos do artigo 5 ° do Código Civil EDL 1889/1 e ao tratar-se de um prazo fixado por meses, esse período deve computar-se ininterruptamente, sem se excluir os dias não úteis" (Tribunal Supremo aresto datado de 08/07/2010, referência Sala 1a, S 8-7-2010, n° 478/2010, rec. 1348/2006; Pte: O'Callaghan Munoz, Xavier), ou seja, conforme esclarece FRANCISCO Rivero HernáNDEZ os prazos de caducidade «não são susceptível de interrupção: é o dado mais significativo da caducidade (em face da prescrição). Porém: caberá admitir alguma excepção? Haverá algum exemplo na jurisprudência, e não só para os casos de caducidade convencional. A minha posição é contrária à interrupção» [VAZ SERRA, PIRES DE LlMA e ANTUNES VARELA, aduzem «o prazo de caducidade para intentar a acção judicial só é impedido se o reconhecimento tiver o mesmo efeito da sentença» — tese sufragada por Vaz Serra (BMJ 107, 332) e PIRES DE UMA e ANTUNES VARELA (Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 296); abraça a mesma teoria ANA FILIPA MORAIS ANTUNES (Prescrição e Caducidade, anotação aos artigos 296.° a 333.° do Código Civil ("O tempo e a sua repercussão nas relações jurídicas" pág. 178): «O reconhecimento só será impedido se tiver o mesmo efeito que teria a prática do acto sujeito a caducidade (...)»].
9.ª Em face do que tendo os seis meses findado no dia 27 de Julho de 2010, os direitos que a Recorrida pretende exercer na presente acção, ainda que existissem (o que por mero exercício académico se equaciona), já não existiriam à data da propositura da presente demanda, por se encontrarem extintos por caducidade.
Ademais, 10.
a O Direito Civil português estabelece, no art.° 914.° do CCP, que "Sendo possível a eliminação dos defeitos ou a nova realização da prestação, ao comprador ou ao dono da obra só cabe a escolha entre resolver o contrato e reduzir o preço, caso a contraparte tenha recusado qualquer das prestações de cumprimento ou depois de decorrido um prazo suplementar fixado, nos termos do art.° 808.°. para a sua fixação", razão pela qual o Autor tem "o poder-dever de seguir primeiro e preferencialmente a via da reparação ou substituição da coisa sempre que possível e preferencialmente a via da reparação ou substituição da coisa sempre que possível e proporcionada, em nome da conservação do negócio jurídico, tão importante numa economia de contratação em cadeia, e só subsidiariamente o caminho da redução do preço ou resolução do contrato".
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a Tal significa que a opção (do comprador) entre a resolução do contrato, a reparação da coisa e a sua substituição não é arbitrária, "deve ser conforme ao princípio da boa fé, e não cair no puro arbítrio do comprador, sem olhar aos legítimos interesses do vendedor", ou seja, "a reparação ou substituição da coisa que como dever incumbe ao vendedor (artigo 914.° do Código Civil), pode, no caso concreto, por exigências dos ditames da boa fé, funcionar como (contra-) direito de o alienante rectificar a inexactidão do seu cumprimento, se a reparação oferecida ou a substituição oferecida der satisfação adequada e tempestiva ao interesse do adquirente, com a recusa.
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a Na verdade e no essencial, a solução vertida no direito civil português não é distinta da do Direito Civil espanhol (tanto mais que radicam nas mesmas acções edilícias do direito romano clássico), pois, conforme tem decidido o Tribunal Supremo de Espanha, o recurso às medidas...
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