Acórdão nº 9088/05.7TBMTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. EP - Estradas de Portugal, S.A.

, sucessora legal do Instituto das Estradas de Portugal (IEP), recorreu, em 30/11/2005 (fls. 152 e segs. do 1.º vol. destes autos), para o Tribunal Judicial de Matosinhos, do acórdão arbitral reproduzido a fls. 5-12, datado de 30/05/2005, em que, pela expro-priação por utilidade pública da parcela n.º 16, com a área de 8.492 m2, destacada do prédio rústico, inscrito na matriz sob o artigo 152.º, sito na Rua de Linhares da Freguesia de Custóias do Município de Matosinhos, além do mais, foi fixado a indemnização de € 329.021,60, resultante da so-ma da verba de € 295.521,60, respeitante ao valor do terreno, e da verba de € 33.500,00 relativa a benfeitorias, a favor do expropriados AA e BB, respetivamente, proprietário e usufrutuária daquele prédio, alegando, no aqui essencial, que: (i) - Todo o prédio fora classificado como solo apto para construção, quando uma parte dele integra a «Zona Urbana e Urbanizável» e outra a «Zona de Sal-vaguarda Restrita – RAN e REN», não devendo esta última ser qualificada como solo onde fosse permitido construir; (ii) - No que se refere à parte do prédio a considerar como solo apto para construção, deverá ser utilizado o fator corretivo a que se alude no n.º 10 do art.º 26.º do CE e não deve ser considerada a infra-estrutura de abastecimento de água que não consta da VPRM; (iii) - O valor da área urbana deverá ser fixado em € 34,80/m2 x 600m2 e da área agrícola em € 15,00/m2 x 7.892m2, fixando-se a indemnização devida pela parcela em € 139.260,00.

Concluiu, assim, a expropriante pela fixação da indemnização ao ex-propriado no valor de € 139.260,00.

  1. Por sua vez, o expropriado AA contra-alegou e interpôs, simultaneamente, recurso subordinada (fls. 186 e segs. do 2.º vol.), a sustentar que: (i) - Deve ser aplicado o disposto no art. 26.º, n.º 12, do CE, no cálculo da indemnização da parcela, aplicando o índice de construção de 0,5m2/m2, o valor de construção de € 652,19/m2 e a percentagem de 10% para anexos e garagem a metade do preço, 15% nos termos do art. 26.º, n.º 6, e 4,5% pelas restantes a que se alude no n.º 7 da citada disposição; (ii) - A rede de abastecimento de água já existia à data na via contígua ao prédio; (iii) – Se assim não se entender, no que respeita ao cálculo do terreno como solo para outros fins, deverá a indemnização a este título ser fixada em € 209.848,28 (7892m2 x € 26,59/m2), o que somado ao valor da área construtiva no valor de € 40.062,00 (600m2 x € 66,77m2), se cifra em € 249.910,28.

    Concluiu, pois, pela fixação de uma indemnização no valor de € 566.993,01.

  2. Admitido o recurso, procedeu-se à avaliação pericial, em 14/05/2007, tendo os peritos, por unanimidade, calculado a indemnização devida ao expropriado no valor total de € 195.880,00, resultante da soma de € 50.000,00 pelo solo apto para construção, € 112.380,00 pelo solo para outros fins e € 33.500,00 pelas benfeitorias, conforme relatório de fls. 273-282 (2.º volume).

  3. Subsequentemente, foi proferida sentença, em 09/05/2012, a julgar, no que aqui releva, totalmente improcedente o recurso interposto pela expropriante e parcialmente procedente o recurso interposto pela parte expropriada, alterando a decisão arbitral no sentido da fixação do montante € 424.726,44, a título de indemnização a pagar pela entidade expropriante aos expropriados AA e BB, quantia essa a atualizar nos termos do disposto no art. 24.º do CE.

  4. Inconformada com tal decisão, a Expropriante interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do qual, foi profe-rido o acórdão de fls. 513-545, datado de 06/03/2014, a julgar parcialmente procedente a apelação, alterando-se a decisão da 1.ª instância no sentido de fixar a indemnização devida pela expropriação da sobredita parcela em € 191.950,00.

  5. Desta feita, veio então a parte Expropriada interpor recurso de re-vista com o fundamento específico de contradição entre, por um lado, o acórdão recorrido e, por outro, os acórdãos da mesma Relação nos proces-sos n.º 3431/07.1TMMTS.P1, de 21/03/2013, e n.º 10033/06.8TBMTS.P1, de 10/10/2013, bem como o acórdão da Relação de Lisboa proferido n.º 871/09.5TBCSC.L1-7, de 13/03/2012, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - A parcela expropriada já se encontra registada a favor da expropriada e usufrutuária BB desde 14 e 17/02/1974; 2.ª - Por sucessão, foi registada a raiz a favor dos outros expropriados que ocorreu muito antes de 1992, com o óbito do marido da dita BB, pelo que não foi uma aquisição intencional, pois a intenção da norma do art.º 26.º, n.º 12, visa apenas afastar da proteção aqueles que adquiriram de forma onerosa, por compra e venda; 3.ª - Não se pode permitir que, se a aquisição tiver por génese um facto alheio à vontade, como é o da aquisição por morte, este decesso tivesse a virtualidade de poder de comprimir o valor do bem transmitido; 4.ª - Nada impede a aplicação analógica do regime estabelecido no n.º 12 do art.º 26.º do CE/99 à avaliação de solos situados em Reserva Agrícola Nacional (RAN) ou Reserva Ecológica Nacional (REN); 5.ª - Na verdade, aquele n.º 2 destinou-se fundamentalmente a impedir a ocorrência de quaisquer tentativas de "manipulação" de regras urbanísticas por parte da Administração que poderiam traduzir-se na classificação dolosa nos PDM como não passível de edificação, desvalorizando-o, para mais tarde o poder expropriar e pagar um valor correspondendo ao de "solo não apto para construção", em protecção do terreno de proprietário que podia ser considerado como "apto para construção" que depois foi desclassificado e a seguir expropriado; 6.ª - Tal razão justificativa existe tanto para os solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos, como para solos classificados como RAN ou REN; 7.ª - O AUJ n.º 6/2011 de 7/4/2011, publicado no D.R. n.º 95 de 17-05 não abrangeu a matéria respeitante à aplicação do disposto no n.º 12 do art.º 26 do CE aos “solos classificados como RAN ou REN”, mas tão só à questão destes solos poderem ser classificados como “solos aptos para construção”, nos termos do art.º 25.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do CE; 8.ª - A aplicação daquele n.º 12 aos solos integrados em REN ou RAN não viola o princípio constitucional da igualdade ao nível da compensação no domínio da relação externa, com o argumento de que os proprietários dos terrenos vizinhos também integrados em REN ou RAN, não sendo atingidos pela expropriação, não pode-riam ver os seus terrenos avaliados, numa hipotética e futura tran-sação com o critério do n.º 12 do art.º 26.º do CE, mas antes com o critério mais desfavorável do art.º 27.º do mesmo Código como “solo apto para outros fins”; 9.ª - Mas a igualdade não pode aferir-se por situações hipotéticas ou em meras conjecturas; 10.ª - O mercado, funcionando com base numa lógica insuscetível de assimilação a uma realidade que se expressa através de conteúdos normativos não exclui que em função de múltiplos fatores de interação entre a oferta e procura, produza preços equivalentes ou até superiores aos que seriam alcançados com base no n.º 12 do art.º 26.º do CE; 11.ª - Ou seja, em termos hipotéticos, as parcelas de terreno vizinhas da expropriada, podem ser transacionadas por valores inferiores ou valores superiores ao da parcela expropriada; 12.ª - E não há qualquer violação do princípio da justa indemnização estabelecido no n.º 2 do art.º 62.º da CRP e concretizado nos artigos 23.º e seguintes do CE.

    Pede a parte recorrente que, por erro de interpretação e aplicação do disposto no n.º 12 do art.º 26.º do CE e do disposto no n.º 2 do art.º 62.º da Constituição da República Portuguesa, se revogue o acórdão recorrido e se profira, em sua substituição, outro que confirme a sentença da 1.ª Instância.

  6. A Expropriada contra-alegou a sustentar: (i) - Em primeira linha, a inadmissibilidade do recurso por não verificação dos pressupostos legais da revista excecional, quer por inobservância do ónus de motivação e junção de certidão dos acórdãos-fundamento, quer por inexistência de oposição de acórdãos; (ii) – Subsidiariamente, a improcedência em sede de mérito do re-curso interposto.

  7. A parte recorrente, pós convite, juntou as certidões em falta, tendo o recurso sido admitido no Tribunal da Relação, nos termos do artigo 66.º, n.º 5, 1.ª parte, do CE e 672.º, n.º 1, alínea c), do CPC, conforme despacho exarado a fls. 775.

  8. Recebidos os autos no Supremo e inicialmente distribuídos como revista excecional, a formação de juízes a que se refere o n.º 2 do art.º 672.º do CPC considerou que, podendo os recorrentes “lançar mão do recurso de revista desde que concorram os requisitos da revista regra, apresentando-se indiferente a constatada dupla conformidade”, se mostra desnecessário averiguar a verificação dos pressupostos da revista excecional exigidos pelo n.º 1 do art.º 672.º do CPC, cabendo ao relator a quem o processo fosse distribuído aferir a admissibilidade do recurso, pelo que ordenou a remessa dos autos à distribuição normal.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    II – Da admissibilidade do recurso 1. Quadro preliminar Antes de mais, importa reter que estamos no âmbito de um processo contencioso especial para fixação de indemnização emergente de expropriação por utilidade pública, instaurado em 13/10/2005, cuja decisão aqui recorrida foi proferida no dia 06/03/2014.

    Assim, em face do disposto no n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26-06, em vigor desde 01/09/2013, ao presente recurso é aplicável o regime recursal estabelecido no Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24-08, com as alterações introduzidas pela referida Lei, salvo quanto à limitação derivada da ocorrência de dupla conforme, aplicando-se, neste particular, bem como no respeitante às alçadas, as disposições de admissibilidade em vigor à data do início do processo. Ora, o n.º 5 do artigo 66.º do Código das...

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