Acórdão nº 182/13.1PAVFX.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Fevereiro de 2015
Magistrado Responsável | HELENA MONIZ |
Data da Resolução | 11 de Fevereiro de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1.
No ... Juízo ... de ..., em processo comum, foi julgado, por tribunal singular, o arguido AA e condenado, por sentença de 10 de janeiro de 2014, pela prática, como autor de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses, substituída pela pena de suspensão da execução da pena de prisão pelo mesmo período.
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Inconformado, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 30 de junho de 2014, transitado em julgado a 2 de setembro de 2014, negou provimento ao recurso e manteve integralmente a decisão recorrida.
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Vem agora o arguido interpor recurso extraordinário de revisão, com fundamento no art. 449.º, n.º 1, al. e), do CPP (de agora em diante, CPP), alegando em conclusão que: «1) O arguido/recorrente foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica p. e p. pelo art.º 152.º, n.º 1, alínea b) e 2 do Código Penal, a uma pena de prisão dois anos e 2 meses, embora suspensa na sua execução; 2) O arguido e a assistente viveram maritalmente, em condições análogas às de cônjuge, como marido e mulher se tratasse e os factos relatados por esta dizem respeito ao tempo em que coabitavam sob o mesmo tecto, nos termos ora definidos no art.º 134.º do CPP.
3) Estabelece o art.º 145.º, n.º 3, do CPP, a prestação de declarações pelo assistente e pelas partes civis fica sujeita ao regime de prestação da prova testemunhal, salvo no que lhe for manifestamente inaplicável e no que a lei dispuser diferentemente.
4) O regime geral de prestação da prova testemunhal está previsto nos art.ºs 128.º a 139.º do CPP e não há disposição legal expressa que impeça o Meritíssimo Juiz de advertir o assistente, no caso de se verificar qualquer das situações previstas no art.º 134.º, n.º 1, do CPP, de que pode recusar-se a prestar declarações.
5) Não é por ter assumido a qualidade de assistente que essa pessoa deixa de ter a relação próxima com o arguido, prevista no art.º 134.º, n.º 1, do CPP e que há menor risco de a mesma tentar proteger o seu familiar ou então ficar com o eterno ónus de suportar o "peso" de ter de contribuir para a condenação do mesmo; 6) Portanto, considerando a intenção do legislador quando criou a prorrogativa prevista no art.
2 134.
2 do CPP, tendo presente igualmente que, nos termos do art.º 145.º, n.º 3, do CPP determinou que as declarações do assistente ficam sujeitas ao regime de prestação da prova testemunhal — ressalvando apenas o que for manifestamente inaplicável e o que a lei dispuser em sentido diferente — é adequado defender-se que essa prorrogativa é aplicável ao assistente.
7) O Tribunal a quo não cumpriu o formalismo legal ali estabelecido, isto é, não foi realizada a advertência a que alude o art.º 134.º, n.º 2, do CPP.
8) A omissão da advertência legal aludida no art.º 134.º, n.º 2, do CPP, configura uma autêntica proibição de prova e a consequente proibição de valoração, aproximando-se mesmo da perturbação da liberdade de vontade da testemunha/assistente pela utilização de meios enganosos, absolutamente proibida pelo art.º 126.º, n.ºs 1 e 2 do CPP.
9) No caso vertente o que está em causa é a própria subsistência do depoimento da assistente, em nosso ver, viciado, por não ter sido efectuada a advertência a que alude o art. 134.º, n.º 2, do CPP, na medida em que a anulação parcial do julgamento visa mesmo respeitar a faculdade legal de as testemunhas recusarem-se a depor, pelo que nada obsta à eventual repetição do depoimento.
10) Pelo contrário, se a assistente não vier a exercer o direito de recusa será então que o seu depoimento se ajustará de pleno ao quadro legalmente estabelecido, uma vez que será prestado sem a ilegítima nota de compulsividade que caracterizou o depoimento inválido.
11) Concluímos, pois, que o depoimento da assistente, ex-companheira do arguido, constituindo prova proibida por omissão do dever de advertência cominado no art.º 134.º, n.º 2, do CPP — que não se encontra sanada por qualquer acto voluntário posterior da assistente ou por outra causa—, não podia ser valorada pela decisão recorrida, como o foi.
12) Verificando-se a apontada proibição de produção da prova e consequente proibição de valoração da mesma, implica que se declare nulo e de nenhum valor probatório o depoimento da assistente e todos os actos subsequentes, incluindo a sentença condenatória, com a consequentemente repetição do acto viciado, desta feita, com o cumprimento do formalismo legal previsto no n.º 2 do art.º 134.º do CPP.
Face à matéria ora alegada e verificado que o Tribunal da 1.ª Instância valorou prova proibida para a formação da sua convicção condenatória (art. 449.º, n.º 1, alínea e), do CPP), deve ser dado provimento ao presente recurso, sendo autorizada a presente revisão de sentença, e que nessa premissa e ao abrigo do art.º 457.º n.º 1 do CPP seja o processo reenviado para o tribunal decisor, a fim de ser sanado e repetido o acto viciado em novo julgamento, ao abrigo do art.º 460.º do CPP.» 4.
A assistente, BB, uma vez notificada da interposição de recurso, veio responder o seguinte: «1 — Até à presente data não foi proferido qualquer douto despacho a admitir ou não o recurso ora requerido.
2 — Entende, por isso, a Assistente que a notificação que recebeu se destina a pronunciar-se, querendo, sobre a possível admissão ou não do requerimento de interposição de recurso de revisão por parte do Arguido.
3 — A Assistente considera que o mesmo não deverá ser admitido, por não estar respeitado qualquer um dos fundamentos previstos no artigo 449° do CPP.
4 — Nem sequer se verifica o preenchimento da previsão da alínea e) desse mesmo artigo 449° do CPP, porquanto não se "descobriu" qualquer prova proibida, pois o que o Arguido vem querer discutir em sede de recurso extraordinário é a mesma questão que já colocara nos autos principais e sobre a qual a Veneranda Relação de Lisboa já decidiu no douto Acórdão de 30/07/2014.
5 — No fundo o Arguido quer voltar a discutir sobre uma prova cuja admissibilidade e legalidade já o foi.
6 — Não se trata de qualquer descoberta a que o Arguido agora tenha chegado a conhecer.
Termos em que a Assistente considera ser inadmissível o recurso que o Arguido pretende interpor, pelo menos nos termos e fundamentos com que o faz.» 5.
Ao motivado e concluído pelo recorrente, o Ministério Público da Comarca de ... (..., Procuradoria de Instrução local-criminal) concluiu que: «1.º O Recurso de Revisão é manifestamente infundado porquanto não dá corpo a qualquer uma das situações previstas nas alíneas a) a g) do n.º 1 do artigo 449.º do C.P.P..
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O arguido e recorrente não ignora nem pode ignorar o quão infundado tal recurso/pedido de revisão se mostra.
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E assim sendo impõe-se a sua condenação quer em custas, quer numa quantia nunca inferior a 10 UC's (art. 456.º do CPP).» 6.
Sobre o mérito do pedido formulado pelo arguido, a Meritíssima Juíza da Comarca de ... (..., Procuradoria de Instrução local-criminal), ao abrigo do disposto no art. 454.º, do CPP, informou que: «AA, veio interpor recurso de revisão da sentença condenatória, objecto de recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que manteve a decisão recorrida.
O recorrente não indica prova testemunhal, fundando o seu recurso, à semelhança do recurso interposto para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa na valoração de prova proibida.
Cumpre emitir informação sobre o mérito do pedido, ao abrigo do disposto no artigo 454.º do Código de Processo Penal.
Pela análise dos fundamentos do recurso, verifica-se que o presente recurso de revisão é interposto ao abrigo do disposto no artigo 449.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal.
De acordo com tal disposição legal, a revisão de sentença é admissível se se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos do n° 1 a n.º 3 do artigo 126°.
Atentos os fundamentos do recurso e suas conclusões, verifica-se, assim, que o recorrente não invoca novos factos ou meios de prova que, de algum modo, possam abalar a justiça da condenação. Com efeito, como facilmente se afere, as invocadas irregularidades não constituem fundamento para o recurso de revisão previstos no artigo 449.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, porquanto não serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos do n.º 1 a n.º 3 do artigo 126.º do Código de Processo Penal, não existindo qualquer outro fundamento previsto pelo artigo 449°, n° 1, do Código de Processo Penal que prevê «1 — A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão; b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo; c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação; d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados comas que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os I a 3 do artigo 126.°; f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação; g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instancia internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.
3— Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.» Não se verificam, pois...
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