Acórdão nº 309/11.8TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelSEBASTIÃO PÓVOAS
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça “AA – Construções, Limitada” intentou acção, com processo ordinário, contra o “Banco BB, SA” pedindo que: – Seja declarada a nulidade do contrato de “swap” celebrado entre as partes; – O Réu seja condenado, nos termos do disposto no artigo 304.º-A do Código de Valores Mobiliários, a pagar à Autora, a título de indemnização, quantia não inferior a 358.851,31 euros, bem como uma quantia, a título de danos emergentes, a liquidar posteriormente; – Subsidiariamente seja declarada a anulação do contrato com fundamento em erro-vício; Alegou, nuclearmente, que, no exercício da sua actividade de construção civil e promoção imobiliária, recorreu, durante vários anos, a financiamentos do Réu, através da agência de ...; que, em Abril de 2008, os gerentes da Autora foram contactados por funcionários do Réu, designadamente pelo gerente daquela agência, que lhe apresentaram um produto, denominado contrato “swap”; que, segundo aqueles lhe traria mais vantagens do que a denominada “conta compensada” de que a Autora era titular; que aqueles funcionários do Réu lhe asseguraram que o produto em causa era isento de risco, protegendo-o de subidas de taxas de juro de referência, através da contratualização de uma taxa fixa, e, além disso, permitia reduzir os custos financeiros mensais que a Autora suportava.

O gerente do Réu garantiu ainda que decorridos dois anos desde a outorga do contrato, a Autora poderia denunciá-lo sem penalizações.

Com base nestas informações, a Autora aceitou outorgar o contrato e, no dia 9 de Maio de 2008, um dos seus gerentes assinou o documento, constituído por uma única página, que o Réu lhe apresentou.

Posteriormente, no dia 13 de Maio de 2008, os dois gerentes da Autora assinaram um documento, com diversas páginas, denominado “confirmação de contrato de permuta de taxa de juros”, junto a fls. 52 ss.

Porém, tal contrato – cujo teor não foi explicado aos gerentes da Autora pelo gerente do Réu – não contempla, nem as garantias, nem os benefícios que – anteriormente – haviam sido verbalmente transmitidos pelo Réu à Autora.

Acresce que, devido à descida das taxas de juros de referência, facto que – à data da celebração do contrato – era já conhecido nos meios bancário e financeiro, nacional e internacional, a Autora, em consequência daquele contrato, e ao contrário do que lhe foi garantido sofreu (até à data da instauração da acção) prejuízos superiores a 320.000,00 euros.

Por outro lado, constatou que não pode denunciar livremente o contrato, tendo de pagar ao Réu cerca de 500.000,00 euros, a título de penalizações.

Conclui sustentando que o Réu violou o disposto nos artigos 7.º, 212.º, 304.º, 309.º, 312.º - 8 e F e 314.º do Código de Valores Mobiliários, além de não ter, como a lei impõe, explicado à Autora ou requer lido as cláusulas contratuais, o que acarreta a nulidade do contrato e a obrigação de indemnizar a Autora pelos prejuízos sofridos.

Porém, e caso assim não seja entendido, defende a anulação do contrato, uma vez que o Réu induziu a Autora em erro (erro-vício), já que a vontade de contratar teve na sua base determinados pressupostos que, afinal, não vieram a verificar-se.

O Réu contestou alegando, em síntese, que os seus funcionários apresentaram detalhadamente à Autora os diferentes modelos de “swap”, os respectivos prazos, o valor nominal, o custo ou benefício e os riscos de perdas e ganhos em cada um deles; que a Autora, após cinco dias de ponderação aceitou o risco decorrente do negócio e optou pelo “swap floating bonificado” em detrimento do “kiko” assinando o documento junto pela Autora designado de “pré-confirmação”.

Esse documento contém todos os elementos essenciais do contrato, designadamente o valor nominal do “swap”, o prazo (com indicação das datas de início e termo) a permuta de taxas convencionadas, isto é aquilo que cada uma pagaria à outra; que, posteriormente, em Junho de 2008 foram assinados o contrato de confirmação, o contrato-quadro (que foram juntos com a petição) e que, no essencial, não contém nada de novo relativamente ao que fora clausulado no documento de “pré-confirmação”; que também foi assinada a livrança – caução, em branco, e o respectivo pacto de preenchimento.

Diz ainda que o objectivo do contrato foi fixar o custo máximo do capital alheio (passivos/financiamentos da Autora junto da banca; que, perante uma subida da Euribor que atingiu o pico dois meses depois da celebração deste contrato) foi atingido o objectivo da Autora que ganhou 6.324,99 euros nos três primeiros fluxos que se venceram.

Que a descida da taxa de juro foi expressamente prevista no contrato, de modo que a Autora só suportasse fluxos negativos quando o Euribor descesse dos 3,80%.

Refere, finalmente, que sempre agiu de boa - fé, prestando à Autora toda a informação e esclarecimentos exigíveis para a formação da sua vontade e que a execução contratual não a podia surpreender.

Quanto ao pedido subsidiário invoca a caducidade do respectivo direito nos termos do artigo 287.º do Código Civil.

Na réplica a Autora alterou este pedido pedindo a anulação por erro vício.

No saneador foi julgada improcedente a excepção de caducidade.

Na 1.ª Instância a acção foi julgada improcedente e o Réu absolvido do pedido.

A Autora apelou para a Relação de Lisboa que confirmou a sentença recorrida.

Veio pedir revista que foi admitida, como excepcional, pela Formação do n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, por entender presente o pressuposto da alínea c) do n.º 1 daquele preceito (contradição/oposição de julgados).

Para além da nota conclusiva tendente a justificar a admissibilidade da revista excepcional, para contornar o impedimento da dupla conforme, a recorrente alinha as seguintes conclusões quanto ao mérito do recurso (e só elas relevam nos termos conjugados dos artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 2 do CPC): “01. Contraposto o Acórdão cuja revista se pede com o Acórdão Fundamento do mesmo Tribunal da Relação de Lisboa proferido no proc. n.° 2587/10.0 TVLSB.L1-6 (cuja cópia se junta) constata-se a existência da contradição sobre a mesma questão fundamental de direito a que alude o artigo 672.° do Código de Processo Civil que possibilita a chamada revista excepcional no caso de “dupla conforme”.

  1. A questão jurídica com solução jurisprudencialmente controvertida que justifica a admissibilidade da presente revista excepcional, subsume-se a saber se um determinado contrato, pelas partes denominado de permuta de taxa de juros (contrato de swap), pode ser declarado nulo por se degradar num contrato de jogo e aposta, nos termos do artigo 1245.° do Código Civil.

  2. É por isso convicção da Recorrente que o Acórdão recorrido andou mal ao não declarar a nulidade do contrato que está na génese dos presentes autos, mal se percebe que, tendo o Tribunal a quo conhecimento da existência do aresto que aqui se apresenta como "acórdão fundamento" e que foi junto com as alegações de apelação, não tenha empreendido um esforço argumentativo numa lógica dialéctica quanto ao mesmo.

  3. A questão essencial a decidir é a de saber se os contratos dos autos são nulos por inexistir cobertura de risco, ou, por outras palavras, o que está verdadeiramente em causa é saber se trata de um contrato de swap ou se, na verdade, se trata de “um produto financeiro abstracto, configurando efectivamente um contrato de aposta” pelas razões e fundamentos que enformam o acórdão fundamento.

  4. Subsidiariamente, e por se tratarem de questões de direito de conhecimento oficioso, colocar-se-á igualmente â superior consideração do Tribunal ad quem a questão de saber se o contrato enferma de outras causas de nulidade.

    06. A recorrente está em crer que o Tribunal a quo não retirou as consequências que se impunha mesmo após ter constatado que um instrumento financeiro derivado o é porque deriva de realidade outras que não o próprio contrato, já que para a sua existência concorre não só o “activo subjacente” entendido como, no caso, a taxa de juros, mas também “os contratos negociáveis em que assentam” / “os fluxos financeiros” / a “dívida” (no teor literal constante do contrato de fls. 50 dos autos) que lhe são associados.

  5. Assim o swap, quando válido, tem na sua génese (i.e., deriva...) não só do índice que serve de referência ao cálculo da prestação pecuniária (a taxa de juro) mas também dos contratos que ontologicamente lhes precedem [rectius: que lhes deveriam preceder] e dos quais não se podem apartar.

  6. No caso dos autos, as instâncias não perceberam que, apesar de no “racional” do contrato constante de fls. 50 dos autos expressamente constar que o mesmo “serve um objectivo de gestão de risco de taxa de Juro da dívida do cliente”, o mesmo não alude nem remete para qualquer operação financeira concreta, i.e., não especifica qual é a dívida do cliente cujo risco de variação da taxa de juro se visava putativamente gerir.

  7. Tão pouco observou o Tribunal recorrido que, de acordo com os factos tidos como provados, as “dívidas” da aqui Recorrente cujo risco o contrato visava gerir em nada se compatibilizam com o clausulado do suposto swap, sendo diferente o capital, as maturidades, os tipos de endividamento, as amortizações, o indexante das taxas de juro, os prazos, etc.

  8. Em face dessa efectiva e patente falta de ligação entre o subjacente (posição creditícia) e contrato dos autos afigura-se-nos que o mesmo não é, na verdade, um contrato de cobertura de risco - caso fosse, verdadeiramente esse o escopo do contrato (e não a mera especulação, reconduzida a aposta nos termos que adiante se desenvolverá), então, por maioria de razão havia de ser identificada a dívida cujos fluxos financeiros seriam servidos pelo objectivo que se diz presidir ao contrato.

  9. O certo é que nada disto decorre do contrato, o que inviabilizada qualquer “juízo de compatibilidade”, ou seja, de efectiva cobertura de risco, entre o swap e seu valor nominal e a maturidade e taxas de juro da realidade económica subjacente, donde...

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