Acórdão nº 269/12.8TCFUN.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Fevereiro de 2015
Magistrado Responsável | SALAZAR CASANOVA |
Data da Resolução | 05 de Fevereiro de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.
AA, Lda. propôs ação declarativa com processo ordinário contra BB, Lda. pedindo a condenação da ré a pagar à A. a quantia de 150.000 euros, acrescida de juros legais, neste caso contados à taxa comercial, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
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Alegou que no contrato-promessa outorgado no dia 29-8-2007 entre a ré, enquanto promitente vendedora, e CC, enquanto promitente comprador, adquiriu, por cessão, a posição contratual deste último.
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O contrato-promessa respeitava a fração habitacional sendo o preço de venda de 200.000 euros, alterado por aditamento de 30-8-2007 para 270.000 euros; foi entregue a título de sinal a quantia de 75.000 euros.
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No contrato de cessão da posição contratual de 15-7-2010 foi alterada a cláusula quarta.
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De acordo com essa cláusula, a CC, ora ré, logo que se encontrem reunidas as condições documentais para outorga da escritura de compra e venda, " o que se prevê até dezembro de 2010" deve notificar a autora para a escritura; "se, reunidas as ditas condições até à referida data, a terceira [promitente vendedora] não proceder à prevista notificação, a mesma faculdade poderá ser exercida pela segunda" [promitente-compradora] que pode notificar aquela " desde que com respeito por igual forma e prazo".
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Estipulava-se ainda o seguinte: "No caso da segunda [promitente-compradora] não comparecer à escritura de compra e venda, no dia e hora estipulados, de acordo com o acima mencionado, constitui-se em incumprimento definitivo, pelo que a terceira [promitente-vendedora] terá a faculdade de resolver o presente contrato mediante notificação dirigida à outra parte, por correio registado com aviso de receção, sem necessidade de qualquer outra interpelação" 7.
A promitente compradora foi avisada no dia 2-8-2010 para comparecer no dia 11-8-2010 no cartório notarial para outorga da escritura.
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Não compareceu à escritura.
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Disso avisou a promitente vendedora no dia 3-8-2010 referindo, na carta, para além do mais, que " na data da marcação da escritura" não lhe era possível estar presente "uma vez que o sócio-gerente[…] não se encontrará para dar seguimento ao vosso interesse". E que " a gerência só estará cá em finais de agosto para poder atender V.Exªs, e combinar pessoalmente entre ambas as partes, os vossos interesses, uma vez que no contrato a data prevista é até dezembro de 2010 […].
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Alegou que a escritura não podia ser celebrada sem que fosse cumprida a cláusula quinta do contrato- promessa onde se estabelecia " que antes da escritura, as partes efetuarão uma vistoria à fração objeto da compra e venda ora prometida, para verificar da existência de algum defeito ou vício de construção […]. Não havendo defeito ou vício, o segundo [promitente-comprador] assinará uma declaração atestando esse facto".
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No entanto, não obstante não ter sido cumprida essa cláusula, a autora recebeu uma carta da ré, datada de 25-8-2010, notificando-a de que " na sequência da não comparência de V. Exªs à escritura de compra e venda da fração […] consideramos, com efeitos imediatos, o contrato de cessão da posição contratual, entre nós outorgado, aos 15-7-2010, rescindido por incumprimento da vossa parte e que com base no parágrafo terceiro, da cláusula quarta, do contrato prometido, objeto da cessão, considero perdido […] o valor pago a título de sinal".
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A A., por sua vez, mais tarde, notificou a ré por carta de 18-7-2011 para comparecer no cartório notarial no dia 4-8-2011 para outorga da escritura. A ré respondeu por carta de 21-7-2011 lembrando a autora de que a tinha notificado " da rescisão do contrato, por incumprimento contratual […] com base na não comparência para a outorga da escritura de compra e venda".
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Alegou a A. que a ré ao declarar que não quer cumprir, " incumpriu em definitivo […] o contrato-promessa em causa". Daí ser-lhe devido o valor do sinal em dobro.
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A ré, na contestação, sustentou que o contrato-promessa foi resolvido por incumprimento definitivo imputável à autora e a aludida vistoria nunca foi solicitada pela autora, vistoria que também não solicitou quando, por sua vez, interpelou a ré para outorga de escritura no dia 4-8-2011. Considera que a autora incorre, pela sua conduta, em abuso do direito.
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Finaliza a contestação nestes termos: "[…] Sem prescindir, e caso assim não se entenda, deve ser julgada procedente por provada a exceção perentória de abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium e, consequentemente, ser a ré absolvida do pedido.
Caso assim se não entenda, o que apenas se coloca por mera cautela de patrocínio, deve a presente ação ser julgada improcedente por não provada e, consequentemente, ser a ré absolvida do pedido" 16.
A ação foi julgada procedente por sentença de 27-1-2013 que, considerando resolvido o contrato-promessa" condenou a ré no pagamento aos AA da quantia de 150.000 euros acrescidos de juros de mora, à taxa legal, contados da citação até integral pagamento.
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Interposto recurso pela ré, a apelação foi julgada procedente e, consequentemente, revogada a sentença recorrida, julgando-se, em sua substituição, a ação não provada e improcedente, absolvendo-se a ré do pedido.
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A A. recorre, de revista, para o Supremo Tribunal de Justiça.
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Conclui a minuta nestes termos: 1- Estamos, em princípio, perante um comum contrato de promessa de compra e venda de fração de imóvel, em que a A., ora recorrente, assumiu a posição de promitente compradora, por via de cessão da posição contratual, por parte do primitivo contratante (CC), e em que é promitente vendedora a ré, ora recorrida.
2 - A ré, sociedade do ramo imobiliário, viu o imóvel em que se integra a fração objeto do contrato de promessa de compra e venda, ficar sob a alçada do Banco …., entidade que financiara a respetiva construção, circunstância que perturbou o normal desenvolvimento da relação contratual estabelecida entre A. e ré 3 - À data do acordo de cessão da posição contratual, a ré, recorrida, impôs como prazo limite para a celebração da escritura de compra e venda - dezembro de 2010 - ultrapassado que estava, de há muito, o limite anteriormente fixado - maio de 2008.
4 - Todavia, quinze dias passados sobre a celebração do acordo de cessão da posição contratual, a ré, nos termos da cláusula 4a do contrato de promessa, notificou a A. para comparecer no Cartório Notarial da Dr.ª. GG, no Funchal, no dia 11 de agosto de 2010, para a celebração da escritura.
5 - Acontece que a ré estava vinculada à cláusula 5ª do mesmo contrato, ou seja, tinha de promover a vistoria do andar, para obter da A. declaração no sentido de que a fração não registava quaisquer defeitos ou vícios, que exigissem reparação ou impedissem a celebração da escritura.
6 - A pressa da ré, em surpreender a A., contrariando a expectativa por ela própria criada de deferir a escritura para dezembro de 2010, levou-a a não cumprir a cláusula 5a, para fugir às dilações que as situações previstas nos vários parágrafos daquela cláusula poderiam ocasionar.
7 - Tal notificação ocorreu, quando estava ausente da Madeira, o gerente da A., Sr. DD, comprovadamente a pessoa que, de facto, geria a sociedade A., e tinha sempre a última palavra em todos os negócios, tendo subscrito o acordo de cessão da posição contratual, no contrato de promessa em causa nos autos em presentação da recorrente.
8 - A A., cordialmente, por carta, informou a ré de que, atenta a ausência do seu gerente, Sr. DD, estava impedida de comparecer na data designada para a escritura, mas que no fim do mês de agosto (período generalizado de férias), regressaria do continente e contactaria a ré para se fixar data para a celebração da escritura.
9 - A ré que, num meio pequeno como o Funchal, e atuando no mesmo ramo, sabia bem da ausência do gerente da A., Sr. DD, não atendeu às razões da A., e ao interesse que esta lhe transmitiu no sentido de manter a vontade e propósito de celebrar a escritura, tendo-lhe respondido por carta, por via da qual considerou resolvido o contrato, nos termos da cláusula 4a.
10 - A A. e o seu advogado, apesar disso, prosseguiram contactos junto da gerência da ré, com vista à celebração da escritura, sendo remetidos por esta, para o Banco ... (Dr.ª EE) que foi adiantando que tudo se resolveria, mas que tal dependia de Lisboa, protelamento que a A. não pôde aceitar por mais tempo, desencadeando a presente ação.
11 - A ré quando tomou a iniciativa de notificar a A. para celebrar a escritura em 11 de agosto de 2010, além de calculista e premeditadamente, pretender gorar a expectativa criada na A.
, quinze dias antes, ao exigir prazo até dezembro de 2010, para concluir a obra e reunir os documentos e demais condições para a celebração da escritura, não o podia fazer, porquanto não dera cumprimento a todas as suas obrigações contratuais, designadamente, não promovera a vistoria e, subsequente obtenção da declaração da A. a que se refere a cláusula 5ª.
12 - Ora, o contraente que se encontre em situação de incumprimento de obrigações convencionadas, que são prévias da marcação da escritura, não está em condições de desencadear a interpelação para a sua outorga e, muito menos, se encontra em situação de poder resolver o contrato (mesmo que haja cláusula contratual nesse sentido), por se encontrar, ela própria, em incumprimento.
13 - A carta da A. à ré a justificar a sua não comparência no Cartório Notarial dia 11 de agosto de 2010, tem implícita a invocação da "exceptio non adimpleti contractus" (não cumprimento da cláusula 5.ª e não fornecimento de elementos para a liquidação do I.M.T., por parte da ré) o que obstaria sempre, à resolução do contrato por iniciativa da ré, incumpridora.
14 - A par do ventre contra factum proprium (a exigência de prazo até dezembro de 2010 para a celebração da escritura) a ré, por ação e omissão, impossibilitou, na altura, a A, de emitir a declaração a que se refere a cláusula 5a, bem como de proceder à liquidação do I.M.T. e, em consequência...
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Acórdão nº 27800/15.4T8PRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Maio de 2018
...para a discussão em causa, diga-se que neste Supremo Tribunal de Justiça já se concluiu (acórdão de 5 de Fevereiro de 2015, processo nº 269/12.8TCFUN.L1.S1, relator Salazar Casanova, disponível em www.dgsi.pt) que “não se reconhecendo a validade da resolução fundada na (…) cláusula resoluti......
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