Acórdão nº 456/13.1TTLRA.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelFERNANDES DA SILVA
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I.

  1. AA, casado, com os demais sinais dos Autos, intentou, em Junho de 2013, no Tribunal do Trabalho de Leiria, a presente acção, com processo comum, contra BB, também devidamente identificado, pedindo que a mesma seja julgada procedente e, reconhecida a justa causa de resolução invocada, se condene o R. a pagar-lhe a quantia global de € 77.521,00, com juros de mora desde a citação e até efectivo e integral embolso, tudo conforme discriminado no petitório.

Alegou para o efeito, em resumo útil, que celebrou com o R. um contrato de trabalho, e que este deixou de lhe pagar a acordada retribuição, motivo por que resolveu o contrato.

O R. contestou, alegando basicamente que nada deve ao A., uma vez que acertou com este o pagamento de uma quantia global, que lhe foi paga, assinando ambos um documento relativo a esse pagamento, que juntou.

O A. respondeu, pronunciando-se sobre os documentos apresentados com a contestação.

Prosseguiram os autos a sua normal tramitação.

Discutida a causa, proferiu-se sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, bem como improcedentes as excepções peremptórias de pagamento e de remissão abdicativa invocadas pela R., e, em consequência, reconheceu-se a existência da justa causa de resolução do contrato de trabalho, com condenação do R. em conformidade, seja, a pagar ao A. a quantia, a liquidar posteriormente, relativa às retribuições dos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2012, férias, subsídios de férias e de Natal ainda em dívida, depois de descontado o montante de € 1.843,00, já pago pelo R. ao A., acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de citação do R. e até efectivo e integral pagamento; e ainda a quantia, também a liquidar posteriormente, relativa à indemnização pela resolução do contrato de trabalho efectuada pelo A.

No mais, absolveu-se o R. do peticionado.

_____ 2.

Inconformado, o R. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, pelo Acórdão prolatado a fls. 118-127, deliberou unanimemente julgar a Apelação totalmente procedente, revogando a sentença impugnada e absolvendo o R. dos pedidos.

É o A. que se insurge contra o assim decidido, mediante a presente Revista, cuja motivação remata com a formulação da seguinte síntese conclusiva: I - O recorrente/apelante, nas suas alegações e respectivas conclusões, não impugnou a decisão sobre a matéria de facto; II - Não se verifica nenhuma das situações previstas no art. 662.º do CPC para que a Relação pudesse alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto; III - Pelo que, toda a matéria de facto, com a redacção que lhe foi dada na 1.ª Instância, se deverá considerar assente na sua totalidade; IV - E mesmo que a Relação pudesse conhecer de um documento não superveniente, o valor e força probatório do mesmo teria sempre que ser concatenado, complementado e interpretado em linha com a demais prova, não sobre o que lá está escrito, declarado, mas sim sobre se essa declaração foi assinada pelo A.

"como condição" para receber do R. a quantia de apenas € 1.843,00… V - Ao invés, acaba por conhecer de uma questão que não foi impugnada, suscitada pelo recorrente, e de que a Relação não podia tomar conhecimento; VI - Fundamento bastante para se arguir a nulidade dessa decisão, nos termos aplicáveis do art. 615.º, n.º 1, alínea d), 2.ª parte e n.º 4, do CPC, pelo menos na parte em que alterou a redacção daquele facto n.º 11.º e suprimiu uma passagem do mesmo; VII - Por outro lado, nem sequer resulta de tal declaração que a referida quantia de € 1.843,00 tenha sido estabelecida como "uma compensação pecuniária global", nos termos e para os efeitos do art. 349.º, n.º 5, do Código do Trabalho (CT); VIII - Mas tão-só que tal declaração foi assinada pelo A. como condição para o R. lhe pagar a quantia mencionada no recibo, consubstanciando-se nela uma mera declaração de quitação relativamente à quantia nela mencionada e não qualquer renúncia resultante de uma transacção (remissão abdicativa); IX - De resto, tendo isso sido dado como provado (condição para receber a quantia mencionada no recibo) e sendo essa matéria de facto insusceptível de ser conhecida, modificada ou suprimida pela Relação, não só por não ter sido impugnada pelo recorrente, mas também por tal declaração não ser superveniente (cfr. o citado art. 662.º), sempre resultaria ilidida a presunção "juris tantum", constante do n.º 5 do citado art. 349.º do Código do Trabalho; X - Pelo que não se poderá sequer presumir que a quantia mencionada naquele recibo inclua os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude desta; XI - Do facto de tal declaração se encontrar assinada por autor e réu não se pode concluir, sem mais, que tenha havido uma transacção entre ambos no sentido de o Autor abdicar ou renunciar aos demais créditos peticionados na presente acção; XII - E se assinou aquela declaração, em clara viciação da sua vontade, foi porque, de outra forma, nem o valor nela mencionada o Réu lhe pagaria, face à condição que este lhe colocou (…"como condição para que o A. recebesse"…); XIII - O R., na formação e conclusão do contrato, não procedeu segundo as regras da boa-fé (cfr. art. 227.º do Código Civil); XIV - Pelo que não poderá pretender prevalecer-se, em claro "abuso de direito", da alegada remissão abdicativa...

XV- Ao impor ao A., como condição para receber apenas a quantia mencionada no recibo, que assinasse tal declaração e vir, depois, com base nessa declaração, invocar que houve, por parte do A., uma "remissão abdicativa" quanto aos demais créditos reclamados por este, não é mais do que um "venire contra factum proprium", excedendo manifestamente os limites impostos pela boa-fé (cfr. o citado art. 227.º do CC); XVI - Pelo que expressamente se invoca, nos termos do art. 334.º do CC, por manifesto abuso de direito, a ilegitimidade desse alegado direito do R. de vir invocar uma "remissão abdicativa" que nunca houve...

XVII - Aliás, tendo ficado provado que o A. assinou aquela declaração/quitação como condição para que recebesse o valor de € 1.843,00, é manifesta a coacção moral exercida pelo R. sobre o A. para o levar a emitir tal declaração, sob pena de nem aquele valor lhe pagar se não a assinasse… XVIII - Tendo sido o receio deste mal que determinou "a declaração negocial" do A.

XIX - Pelo que tal declaração, extorquida por coacção, é anulável, nos termos dos arts. 255.º e 256.º do Cód. Civil; XX - Não podendo, pois, tal declaração valer como "remissão abdicativa" dos demais créditos peticionados pelo A., mas tão-só como quitação do valor de € 1.843,00; XXI - A tal se reduzindo a validade de tal declaração negocial, nos termos dos arts. 289.º e 292.º do Cód. Civil; XXII - Tal vício, mesmo que a Relação pudesse conhecer, apreciar e interpretar um documento não superveniente (mas já vimos que, nos termos do n.º 1 do art. 662.º do CPC, não pode), invalidaria a referida declaração no sentido de não lhe poder ser atribuída eficácia extintiva, a não ser em relação aos € 1.843,00, nela referidos; XXIII - A "situação de subordinação económica em que o trabalhador se encontra face ao empregador" durante a vigência da relação laboral, não tem só os contornos que se exemplificam no Acórdão (inibição "de tomar decisões verdadeiramente livres, em resultado do temor reverencial …ou do medo de represálias ou de poder ser prejudicado na sua situação profissional"); XIV - A premente e concreta necessidade de receber as retribuições que lhe são devidas, produto do seu trabalho, tendo até sido dado como provado que, no caso concreto, "o A. depende do seu salário para fazer face aos seus compromissos e despesas mensais, vendo-se obrigado a socorrer-se de familiares e amigos" (ponto 6.º dos "Factos Provados" – Resposta ao artigo 17.º e artigo 19.º da Petição Inicial), traduz uma inequívoca situação de subordinação económica do A. em relação ao R., deixando-o à mercê das imposições deste para lhe pagar "as migalhas" que lhe quer pagar, mas, para isso, impõe-lhe aquela famigerada "condição" de assinar a tal declaração, nos termos aí referidos; XXV - Após a...

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