Acórdão nº 1235/10.3TBTMR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. Relatório No Tribunal Judicial de Tomar, “AA Ld.ª”, instaurou contra BB e mulher, CC e DD, acção declarativa, na forma ordinária, de processo comum, pedindo que fosse declarado nulo e ineficaz em relação à demandante o negócio de dação em cumprimento celebrado entre os RR, titulado por escritura pública celebrada a 18 de Dezembro de 2009 no Cartório Notarial de EE, na cidade de Tomar, e estes condenados a reconhecerem o direito da autora à restituição do imóvel ali identificado ao património dos RR. BB e mulher, e ainda o de executarem o mesmo imóvel no património do 3.º Réu, na medida bastante e até satisfação integral do seu crédito de 85.911,45 € e juros moratórios à taxa legal de 8%, contados desde a data de vencimento de cada uma das letras de câmbio identificadas no art.º 1.º da petição inicial, e ainda a praticarem, se disso for caso, todos os actos de conservação desta garantia patrimonial autorizados por lei.

Em fundamento alegou, em síntese útil, ser a legítima portadora das sete letras de câmbio, que identifica, titulando a quantia global de 85.911,45 € (oitenta e cinco mil, novecentos e onze euros e quarenta e cinco cêntimos). Tais letras foram sacadas pela demandante e aceites por “FF – sociedade Unipessoal Lda.

”, encontrando-se todas elas avalizadas pelo sócio gerente da sacada, o 1.º réu BB. Encontrando-se os títulos vencidos, nenhum dos identificados obrigados procedeu ao pagamento das quantias nelas inscritas, nem tão pouco à respectiva reforma, motivo pelo qual foram os aludidos montantes debitados pelo Banco à aqui autora e os títulos devolvidos.

A dívida subjacente à emissão das referidas letras de câmbio emerge de transacção comercial que se inscreve na actividade desenvolvida pelo 1.º réu marido e da qual resultam proventos que afecta à sua vida familiar, tratando-se por isso de dívida comunicável, por ela respondendo também a ré mulher.

Alegou ainda que, tendo por fundamento os identificados títulos de crédito, instaurou acções executivas contra a sociedade sacada e o 1.º réu (com pedido de citação da ré mulher a fim de estabelecer a comunicabilidade da dívida), tendo em vista a cobrança coerciva das quantias de que é credora, processos nos quais foi constatada a insuficiência de bens dos executados para responderem pela dívida.

Instaurado contra a sociedade FF, sociedade unipessoal, L.da processo de insolvência, nele foi a devedora declarada insolvente por sentença de 7/7/2010, devidamente transitada, sem que, também aqui, tenha sido possível apreender qualquer bem.

Acresce que, sabedores do crédito da autora e visando frustrar a sua cobrança, os 1.ºs RR declararam-se devedores ao 3.º réu, seu filho, da quantia de € 85.000,00, que dele disseram ter recebido a título de empréstimos particulares, não titulados, dando em pagamento a fracção identificada na escritura celebrada a 18 de Dezembro de 2009, no Cartório Notarial de EE, na cidade de Tomar. Acontece que o declarado não corresponde à verdade, sendo seu único escopo subtrair ao património dos 1.º e 2.º RR o único bem de que eram proprietários, assim inviabilizando em absoluto, dada a inexistência de outros bens, a satisfação do crédito da demandante.

Mais alegou que os, 1.º e 2.º RR., não quiseram celebrar com o 3.º R qualquer contrato, ou operar por qualquer forma a transmissão do imóvel identificado na escritura, tratando-se de um negócio absolutamente simulado e, por isso, nulo, nos termos do art.º 240.º, disposição legal que expressamente convocou. Tal nulidade, todavia, não obsta à impugnação pauliana, cujos requisitos se verificam no caso em apreço, conferindo à autora o direito à restituição daquele bem na medida do seu interesse, conforme peticiona.

Regularmente citados, os RR defenderam-se nos termos da peça que consta de fls. 158 a 170 dos autos, dizendo serem as letras de câmbio em causa “inexequíveis, inexigíveis e inexistentes”, porquanto, tendo tais títulos sido entregues em branco, apenas com a assinatura e o aval do 1.º réu, procedeu a autora ao respectivo preenchimento, o que fez sem autorização do subscritor, actuação que configura um verdadeiro abuso.

Em sede de impugnação alegaram que, quer a sociedade, quer o 1.º réu, detinham património suficiente para responder pela dívida, correspondendo ainda à verdade os factos declarados na escritura pública formalizadora do negócio de dação em pagamento entre todos celebrado, que como válido deve subsistir.

Com tais fundamentos concluíram pela sua absolvição dos pedidos.

A autora replicou, assegurando que as letras lhe foram entregues devidamente assinadas e completamente preenchidas, e tanto assim que nas execuções que com base nelas foram instauradas, os executados nenhuma oposição deduziram. Mais impugnou que os devedores tivessem património suficiente para solver a dívida o que, aliás, ficou cabalmente demonstrado, quer no âmbito dos processos executivos, quer no âmbito do processo de insolvência instaurado contra a sociedade sacadora.

Dispensada a realização da audiência preliminar, prosseguiram os autos para julgamento, tendo a final sido proferida sentença que, na procedência da acção, declarou ineficaz em relação à autora a alienação efectuada pelos réus BB e mulher, CC, tendo por objecto a fracção identificada na escritura de dação em cumprimento outorgada a 18 de Dezembro de 2009, na medida do suficiente para pagamento do crédito da autora, podendo a autora executar estes bens no património do réu DD.

Em recurso de apelação, o tribunal de apelação decidiu: “(…) julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, declaram a ineficácia em relação à autora da alienação efectuada pelo réu/apelado BB, através da escritura de dação em cumprimento outorgada a 18 de Dezembro de 2009, no Cartório Notarial de EE, na cidade de Tomar, tendo por objecto a fracção autónoma designada pela letra “S”, correspondente ao 3º andar Direito ..., do prédio Urbano afecto ao regime de propriedade horizontal, sito em …, Rua …, nº …., Freguesia de …, Concelho de Tomar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar, sob o nº … e inscrito na respectiva matriz sob o artigo …., na medida do suficiente para pagamento do crédito da autora, podendo a meação que ao apelado pertence neste bem ser executada no património do réu DD.

” Irresignados com o decidido, recorre, de revista, a demandada, tendo dessumido os fundamentos da revista, com o quadro conclusivo a seguir extractado. I.A. – Quadro Conclusivo.

“1. Tendo em vista a execução instaurada (ou a instaurar), uma acção de impugnação pauliana não pode ser julgada procedente apenas quanto à meação que ao cônjuge devedor poderia caber nos bens comuns alienados, devendo a execução incidir sobre a totalidade de tais bens, ao contrário do que decidiu o Acórdão recorrido.

  1. A impugnação pauliana abrange todos os bens alienados ainda que anteriormente fizessem parte de comunhão conjugal, podendo o credor impugnante penhorá-los na sua totalidade, ainda que um dos cônjuges não seja devedor face ao título executivo.

  2. Com a transmissão válida para o património de terceiro, deixa de poder considerar-se a qualidade que o bem tinha antes da transmissão e de poder ser partilhado para se saber a qual dos cônjuges poderia vir a caber.

  3. Deve o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que declare ineficaz em relação à Autora, ora Recorrente, a alienação efectuada pelos Réus (BB e CC) ao seu filho DD, tendo por objecto a fracção identificada na escritura de dação em cumprimento outorgada a 18 de Dezembro de 2009, na medida do suficiente para pagamento do crédito da autora, ora Recorrente, podendo a Autora, ora Recorrente, executar este bem (na sua totalidade) no património do referido réu DD.

    ” Os recorridos sustentam a decisão recorrida – cfr. fls. 1069 a 1074.

    I.B. – Questões a merecer apreciação.

    Na diegética do recurso importará dar resposta à questão axial proposta, qual seja a de saber se a ineficácia da impugnação pode ser limitada, no concernente ao cônjuge transmitente, salvaguardando a sua meação “(…) dado que não sendo devedora, nada impedia de dispor da sua meação na fracção objecto do negócio translativo”, devendo “nesta parte” o negócio dever ser tido como eficaz. II. – FUNDAMENTAÇÃO.

    II.A. – DE FACTO.

    Para a decisão a proferir, está adquirida a matéria de facto que a seguir queda extractada.

    “1. A Autora é dona e portadora de sete letras de câmbio, a saber: a) A primeira no valor de 1.605,00€, com data de vencimento a 10/06/2009, junta aos autos a fls. 19, cujo conteúdo se considera reproduzido para os devidos efeitos legais; b) A segunda no valor de 1.620,00€, com data de vencimento a 20/06/2009, junta aos autos a fls. 20, cujo conteúdo se considera reproduzido para os devidos efeitos legais; c) A terceira no valor de 1.562,50 € (mil, quinhentos e sessenta e dois euros e cinquenta cêntimos), com data de vencimento a 10/7/2009, junta aos autos a fls. 21, cujo conteúdo se considera reproduzido para os devidos efeitos legais; d) A quarta no valor de 26.385,58 € (vinte e seis mil, trezentos e oitenta e cinco euros e cinquenta e oito cêntimos) com data de vencimento a 10/07/2009, junta aos autos a fls. 22, cujo conteúdo se considera reproduzido para os devidos efeitos legais; e) A quinta no valor de 4.444,00 € (quatro mil, quatrocentos e quarenta e quatro euros), com data de vencimento no dia 20/07/2009, junta aos autos a fls. 23, cujo conteúdo se considera reproduzido para os...

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