Acórdão nº 580/11.5TBMMN.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: I.

AA, LDA propôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra BB, LDA.

Pediu que a ré seja condenada a pagar-lhe as quantias de €167.269,28, a título de capital em dívida, e €9.802,81 a título de juros moratórios vencidos até à data da entrada da presente acção em juízo (31.08.2011), acrescidas dos juros de mora que, contados sobre o capital em dívida à taxa supletiva legal prevista para os créditos das empresas comerciais, se vierem a vencer entre a data de entrada da acção em juízo e efectivo e integral pagamento.

Como fundamento, alegou que celebrou com a ré, em 02.10.2008, um contrato, nos termos do qual a autora apoiou financeiramente (€140.822,97) a remodelação e exploração da loja de conveniência instalada no posto de abastecimento de combustíveis explorado pela ré, em ....

Um ano depois, a autora e a ré renegociaram verbalmente o contrato.

A ré obrigou-se a pagar à autora, até 01.11.2009, as quantias de €176.028,71, correspondente ao valor do investimento efectuado pela autora acrescido de 25% e de €11.499,89, correspondente aos juros remuneratórios vencidos sobre o capital investido, num total de €187.322,86.

A ré fez apenas alguns pagamentos parciais no valor global de €35.205,74.

A ré contestou, alegando que a sua gerência de facto pertencia apenas a CC, falecido a 04.12.2010; não houve renegociação verbal do contrato celebrado, nem o contrato junto se encontra assinado pela ré, pelo que esta não está vinculada ao que aí ficou clausulado; a ré nunca foi instada para efectuar qualquer pagamento.

Concluiu pela improcedência da acção.

A autora respondeu.

Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a ré do pedido.

Inconformada a autora interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou procedente, revogando a decisão recorrida e condenando a ré a pagar à autora as quantias de €167.269,28 a título de capital em dívida e €9.802,81 a título de juros moratórios vencidos até à data da entrada da presente acção em juízo (31-08-2011), acrescidas dos juros de mora que, contados sobre o capital em dívida à taxa supletiva legal prevista para os créditos das empresas comerciais, se vierem a vencer entre a data de entrada da acção em juízo e efectivo e integral pagamento. Discordando desta decisão, vem agora a ré pedir revista, apresentando as seguintes conclusões: (…) 6. O artigo 260º do Código das Sociedades Comerciais refere expressamente no seu nº 1 que os atos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a Lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social ou resultantes das deliberações dos sócios. Ainda assim, ressalva o n.º 2 do mesmo artigo que a sociedade pode, no entanto, opor a terceiros as limitações de poderes resultantes do seu objecto social se provar que o terceiro sabia ou não podia ignorar, tendo em conta as circunstâncias que o ato praticado não respeitava essa cláusula e se, entretanto, a sociedade não assumiu, por deliberação expressa ou tácita dos sócios.

  1. Refere o Tribunal a quo que "o legislador, no Código das Sociedades Comerciais, inclinou-se para uma via de proteção de terceiros, com o objetivo de compatibilizar a via negocial e económica, salvaguardando incertezas sobre a correta representação da sociedade pois, uma constante consulta dos elementos registais não seria consentâneo com o ritmo célere que envolve tal sector".

  2. Salvo o devido respeito, tal entendimento não faz qualquer sentido nos dias que correm, uma vez a simplificação levada a cabo nos últimos 8 anos para acesso à informação jurídica e registral.

  3. Se se admitia esta questão há cerca 20 anos tal argumento já não merece acolhimento nos dias de hoje. Mais, in casu, tal argumento não se coaduna com os fatos concretos uma vez que, conforme se demonstrou, a recorrida sabia e não podia deixar de saber da necessidade das duas assinaturas.

  4. Até porque a aqui recorrida é, também ela, uma sociedade comercial e o contrato em causa não passa por ser uma questão de mera gestão quotidiana da empresa.

  5. E a aqui recorrida sabia da necessidade de assinatura dos dois sócios gerentes porque no contrato assinado em 2008 o mesmo constava.

  6. Nos factos assentes em sede de Audiência Preliminar consta que, em 2008, Autora e Ré celebraram um contrato que denominaram de "contrato de investimento e/ou de prestação de serviços".

  7. No ponto n) dos factos provados em primeira instância consta que a Autora e o gerente da Ré, CC, renegociaram verbalmente o negócio referido em B), tendo alcançado um acordo com o mesmo conteúdo do documento junto aos autos a fls. 13 a 15.

  8. Há aqui uma diferenciação flagrante de matéria provada.

  9. A recorrida não é terceira de boa-fé, não só porque sabia que as duas assinaturas eram necessárias, uma vez que as mesmas foram exigidas no contrato assinado em 2008, mas também porque tinha todos os meios ao seu dispor para o saber.

  10. Referir, como refere, o Acórdão recorrido que, "A vida económica dificilmente se compadeceria com as delongas que envolveria uma busca aos elementos registrais ou com a permanente incerteza quanto à legitimidade dos representantes de uma sociedade" é inconcebível nos tempos que correm. É certo que nos reportamos a uma eventual renegociação do contrato ocorrida em 2009, no entanto, já nessa altura havia acesso à certidão permanente do registo comercial (disponível online desde 2006), pelo que vir alegar, e ainda pior, o Tribunal a quo considerar provado o desconhecimento da necessidade das assinaturas dos dois sócios gerentes é demonstrativo da má fé da aqui recorrida, 17. Estipula o artigo 406,° do Código Civil que o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei".

  11. Em jeito de conclusão, sempre diremos que sufragamos a posição do Tribunal de Primeira Instância que conclui da seguinte forma: "O Acordo Verbal celebrado pelo falecido CC com a Autora, que constitui fundamento da presente ação, vincula especifica e diretamente a Ré sociedade, logo teria que obedecer às formalidades constantes do pacto social, ou seja, teria que ser objecto de acordo expresso por parte da outra sócia gerente - DD. Não tem sido, não vincula a ré, uma vez que sendo o pacto social em causa objecto de registo, não pode a Autora alegar que não sabia que a sociedade apenas se vinculava com a assinatura dos dois sócios gerentes, tanto mais que foi esta a forma adotada para a celebração do primeiro contrato (vide fls. 12 do qual constam ambas as assinaturas de ambos os gerentes").

    A autora contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

    Após os vistos legais, cumpre decidir.

    II.

    Questões a resolver: Trata-se de decidir se a ré ficou vinculada a cumprir o contrato que celebrou com a autora, contrato em que interveio, em representação daquela, apenas um dos seus gerentes, apesar de o seu pacto social prever que a mesma apenas se obriga com a intervenção dos seus dois gerentes.

    III.

    Vêm provados os seguintes factos:

    1. A e R são ambas empresas que se dedicam a actividades comerciais relacionadas com a comercialização de combustíveis (alínea a) dos factos assentes).

    2. Em 2008, A e R, celebraram um acordo que denominaram de “Contrato de Investimento e/ou Prestação de Serviços”, nos termos do qual, a A declarou...

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