Acórdão nº 22/12.9TCFUN.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelSEBASTIÃO PÓVOAS
Data da Resolução26 de Maio de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, AA intentou acção, com processo ordinário, para constituição “de direito de servidão de passagem” contra BB.

Alegou, nuclearmente, ser, na qualidade de cabeça de casal por óbito de seu marido CC, proprietária e possuidora do prédio misto, destinado a habitação, localizado na freguesia de ..., mais precisamente no caminho ..., da cidade do ..., inscrito na matriz, sob os artigos urbanos 373 e 2912 e rústico 80 da secção J, e descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º ..., daquela freguesia de ...; que a Ré é legítima proprietária do prédio urbano contíguo ao seu pelo lado oeste, inscrito na matriz sob o artigo 357 e descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º 305.º da mesma freguesia; que o seu falecido marido adquiriu, em 29 de Janeiro de 1976, por contrato de compra e venda, o prédio misto acima identificado, com todas as suas servidões e acessões, tendo ali vivido com a Autora desde a compra, aí feito a casa morada de família, criado os seus filhos, trabalhando a terra, nunca o tendo abandonado, até à data da sua morte, continuando a Autora a, aí, residir, até à data da propositura da acção, ou seja há mais de 36 anos; que a Ré adquiriu o seu prédio (contíguo) por escritura de compra e venda em 12 de Fevereiro de 1982; que o prédio da Autora não tem acesso à via pública; que o acesso pedonal ao seu prédio, desde há pelo menos 36 anos, é feito por passagem pedonal através do prédio da Ré; que, contudo nunca foi celebrada qualquer escritura pública de servidão de passagem a onerar este; que a passagem pedonal referida é feita, desde 29 de Janeiro de 1976, pelo “arruamento desenhado na planta da Direcção Regional de Geografia e cadastro que junta.

Mais refere que a Ré mandou colocar um portão de ferro para impedir o acesso pedonal à residência da Autora, tendo obstruído o acesso com a construção de uma escadaria de betão para acesso à sua parte urbana, destruindo a passagem pedonal, que era de betão e ficou de terra; que, assim, criou um declive pondo em risco a segurança de quem lá passa, designadamente para contagem da electricidade e da água, já que os contadores estão juntos à residência da Autora; que o desnível do piso já provocou a queda da Autora e seus familiares, designadamente em períodos de chuva; que o caminho público de acesso a ambos os prédios é o caminho dos ..., sendo o número de porta para os dois prédios o ...; que sem o acesso pedonal o prédio da Autora está encravado; que o mesmo tem a largura de 1,20 m e o comprimento de 56 m.

Concluindo pedindo o reconhecimento do direito de servidão de passagem, constituída por usucapião e por sentença, com aquelas dimensões, a favor do seu prédio.

A Ré contestou alegando que a Autora não é proprietária do prédio que pretende dominante o qual pertence à herança indivisa aberta por óbito de Álvaro de Freitas, sendo assim parte ilegítima.

A Autora replicou quanto à matéria da excepção e requereu a intervenção principal dos herdeiros ...; ...; ...; ... e sua mulher ...; ... e sua mulher ...; ... e sua mulher ...; ... e seu marido ...; ... e seu marido ... e sua mulher ...; ... e sua mulher ...; ... e sua mulher ....

Os chamados foram admitidos a intervir.

Tal como o foram DD e mulher, que os Autores chamaram como Réus.

Ofereceram contestação tempestiva impugnando os factos do petitório com a alegação, além do mais, que a utilização da passagem pedonal é clandestina e muito esporádica sendo que os Autores sempre procuraram evitar que os Réus se apercebessem da sua presença; que só muito recentemente, e tendo em vista esta lide, é que passaram a utilizar tal caminho; que existe um beco/vereda que conduz directamente à via pública – Rua ... – ; que há muito os Autores e outras casas vizinhas, carteiros e leitores de contadores utilizam esse beco, que existe há, pelo menos, 50 anos.

Deduzem pedido reconvencional com fundamento que, mesmo entendendo que o prédio dos Autores era encravado, já não o é pois, há pelo menos 12 anos (desde 2000) que foi construída a estrada alcatroada (Rua ...), plana, iluminada, e sem declive, servida por recolha de lixo, sendo que a casa dos Autores tem portões de ferro que ligam directamente a um beco/vereda de utilização pública, a cerca de 30 metros (40 degraus) da Rua ...; que assim o prédio dos Autores está desencravado sendo desnecessária a servidão que, caso seja reconhecida, deve ser declarada extinta por desnecessidade.

Pedem, finalmente, a condenação dos Réus como litigantes de má-fé.

Os Autores replicaram impugnando os factos que são causa de pedir da reconvenção pedindo a improcedência desta e insistindo pela procedência do pedido principal.

No despacho saneador a Ré BB foi absolvida da instância por ilegitimidade.

O segmento decisório final da 1.ª Instância foi o seguinte: “Pelo exposto, o Tribunal decide julgar:

  1. Totalmente procedente, por provada, a acção e, consequentemente, reconhecer a servidão de passagem constituída por usucapião, consistindo no acesso pedonal, com largura de cerca de 1 metro e 20 centímetros, por 56 metros de comprimento, sobre o prédio da ré, inscrito na matriz sob o artigo 357 e descrito na Conservatória do Registo Predial do ..., sob o n.º 305, da freguesia de ..., a favor do prédio misto da autora inscrito sob os artigos urbanos 373 e 2912 e artigo rústico 80 da secção J e descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º ... da freguesia de ...; B) Totalmente procedente o pedido reconvencional e, consequentemente, declarar extinta, nos termos do disposto no artigo 1569.º n.º 2 do Código Civil, a servidão pedonal constituída por usucapião sobre o prédio dos RR, descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º 305 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 357 da freguesia de ..., a favor do prédio misto dos AA, o qual está inscrito na matriz predial urbana sob os artigos 373.º e 2912 e a parte rústica sob o artigo 80 da secção J, e descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º 2164.

  2. Totalmente improcedente o pedido de condenação por litigância de má fé.” Os Autores apelaram para a Relação de Lisboa que, em provimento do recurso, revogou a sentença “na parte em que julgou procedente o pedido reconvencional, pelo que, mantendo-se a mesma no mais, julga-se a reconvenção improcedente e absolvem-se os recorrentes desse pedido”.

Inconformados, os Réus pedem revista, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - O Acórdão aqui em crise alicerçou a sua decisão no seguinte entendimento: a) que o desencravamento do prédio dominante, que beneficia da servidão de passagem a pé, constituída por usucapião, pressupõe a qualificação do acesso (à via pública) como caminho público, não tendo os Réus (que deduziram o pedido reconvencional de extinção da dita servidão por desnecessidade) feito prova de que tal acesso desde tempos imemoriais está no uso direto e imediato do público; b) e que “(...) dos factos assentes não resulta que (...) o acesso pelo beco, proporciona precisamente condições iguais ou similares, de utilidade e comodidade de acesso ao prédio dominante, às da servidão que se pretende ver extinta ou (...) não desproporcionalmente agravadas, porquanto “(...) entre um acesso pedonal sem qualquer referência a socalcos ou degraus, com base no qual foi reconhecida a servidão, adquirida por usucapião, e o beco em causa, logo se suscitam obstáculos à tal similitude de utilidades e comodidades pelo modo de progressão diverso que fisicamente cada um permite. Tudo agravado pela pouca sensível diferença de cumprimento entre ambos.” Tendo, ainda, sido referido no sumário de tal acórdão que “para a desnecessidade de uma servidão de passagem a pé para efeitos da sua extinção deve provar-se não só que a mesma deixou de ser indispensável para o prédio dominante, como também que para ele deixou de ter qualquer utilidade” 2.ª - Dispõe o artigo 1543.° do CC que a servidão predial é um encargo imposto num prédio (serviente) em benefício exclusivo de outro prédio (prédio dominante) pertencente a dono diferente.

3.ª - Estamos, assim, perante um direito real de gozo sobre coisa alheia ou direito real limitado, mediante o qual o dono do prédio tem a faculdade de usufruir ou aproveitar as vantagens ou utilidades do prédio alheio (ius in re aliena) em proveito do seu, o que envolve a correspondente restrição ao gozo efetivo do dono do prédio onerado, porquanto este fica inibido de praticar atos que sejam suscetíveis de prejudicar o exercício da servidão.

4.ª - O nosso ordenamento jurídico prevê dois tipos de servidões: - as servidões legais que poderão ser coativamente impostas, ainda que não deixem de ter essa natureza pelo facto de terem os donos dos prédios servientes aceite voluntariamente essas sujeições — e que é o caso, designadamente, das servidões previstas nos artigos 1550.° a 1; - e as servidões voluntárias que resultam da vontade das partes, sem que haja preceito legal que as imponha.

5.ª - Na hipótese dos presentes autos veio a servidão legal de passagem a ser judicialmente reconhecida como tendo sido constituída, por usucapião, porquanto se logrou provar que o acesso pedonal ao prédio dos aqui Recorridos foi, desde há pelo menos 36 anos, feito por um trajeto que passa pelo prédio urbano dos aqui Recorrentes (sendo este contíguo àquele) que desemboca na via pública denominada ..., com o número de porta para os dois prédios (ou seja, o citado n.° ...) e que neste acesso, com a largura de cerca de l,20m (um metro e vinte) e 36 metros de comprimento, se mostra construída uma escadaria para a casa dos Réus — conforme itens 6 a 8 da acima elencada matéria dada como provada, e fotografias juntas aos autos a fls. 48 a 51 e fotografia junta sob as IMG 4397 e IMG 4392, bem como o trajeto desenhado na planta topográfica emitida pela Câmara Municipal do ..., junta esta a fls. 224, e planta cadastral, junta a fls. 46 e, ainda, fotografia aérea de fls. 278 e 279.

6.ª — Mas...

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