Acórdão nº 2368/12.7JAPRT.P1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelFRANCISCO CAETANO
Data da Resolução07 de Maio de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça: I.

Relatório No processo comum com intervenção do tribunal colectivo nº 2368/12.7JAPRT, do extinto 1º juízo do Tribunal Judicial de Peso da Régua, por acórdão de 09.04.2014, foi o arguido AA condenado pela prática de: - Um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artºs. 131.º e 132.º n.

os 1 e 2 al. e) do Código Penal, com a agravação prevista no n.º 3 do art.º 86.º do Regime Jurídico das Armas e Munições (aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção introduzida pela Lei n.º 12/2011, de 27 de Abril, também designada por Lei das Armas), na pena de 20 anos de prisão; Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256.º n.º 1 al. d) do Código Penal, por referência ao art.º 255.º al. a) do mesmo diploma, na pena de 10 meses de prisão; Um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º n.

os 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, por referência aos art.ºs 121.º n.º 1 e 123.º do Código da Estrada, na pena de 6 meses de prisão; Um crime de receptação, p. e p. pelo art.º 231.º n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos art.ºs 2.º, n.º 1, al. az), 3.º, n.º 4, al. a), 6.º, 12.º, al. a), 13.º e 86.º, n.º 1, al. c), do Regime Jurídico das Armas e Munições (aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção introduzida pela Lei n.º 12/2011, de 27 de Abril), na pena de 2 anos de prisão.

Em cúmulo jurídico dessas penas foi o arguido condenado na pena única de 22 anos de prisão.

Mais foi condenado pela prática das seguintes contra-ordenações: - Transposição da linha longitudinal contínua, p. e p. pelos art.ºs 60.º n.º 1 (marca M1) e 65.º, al. a), do Regulamento de Sinalização de Trânsito (aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro), por referência também ao art.º 146.º, al. o), do Código da Estrada, na coima de € 100,00; Detenção ilegal de arma de alarme, p. e p. pelos art.ºs 2.º n.º 1 al. e), 3.º n.º 9 als. g) e h), 11.º e 97.º do Regime Jurídico das Armas e Munições (aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção introduzida pela Lei n.º 12/2011, de 27 de Abril), na coima de € 600,00.

E, na parte cível, a título de danos patrimoniais, foi condenado no pagamento aos demandantes nos seguintes termos: - € 301.200,00 à viúva BB; € 10.800,00 à filha CC; € 46.800,00 ao filho DD; € 61.200,00 ao filho EE.

E, a título de danos não patrimoniais, nas seguintes importâncias: - € 60.000,00 (perda do direito à vida), quantia a ser repartida entre os demandantes de acordo com as regras da sucessão; € 80.000,00 (danos próprios sofridos), sendo € 20.000,00 à viúva e € 15.000,00 a cada um dos quatro filhos.

Quantias, essas, acrescidas de juros de mora legais, desde a data de notificação para a contestação quanto aos danos patrimoniais e desde a data do acórdão quanto aos não patrimoniais.

Desse acórdão e quanto à parte crime, por discordar da agravação de 1/3 da moldura legal do crime de homicídio por força do n.º 3 do art.º 86.º da Lei 5/2006, de 23.02 e considerar excessivas quer as penas parcelares, quer a pena única, recorreu o arguido para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 14.01.2015, negou provimento ao recurso.

De novo inconformado, recorreu o arguido para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões, elas próprias delimitadoras do objecto do recurso (art.º 412.º, n.º 1, do CPP): a) – O arguido vem interpor recurso para o STJ por entender que foram violadas diversas normas e porque quer que sejam apreciadas as questões referentes: a) - à possibilidade de agravação de 1/3 da moldura legal do crime de homicídio qualificado, por força do disposto no n.º 3 do art.º 86.º da Lei n.º 5/2006 de 23 de Fevereiro; b) – ao quantum da pena de prisão de 20 anos que foi aplicada ao arguido pelo crime de homicídio qualificado, por entender que é exagerada; b) – Diz o art.º 86.º, n.º 3 do RJAM (Lei das Armas) “…as penas aplicáveis a crimes cometidos com armas são agravados de um terço nos seus limites mínimo e máximo, excepto se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação”; c) – Esse n.º 3 do art.º 68.º não pode ser aplicado ao tipo de crime de homicídio qualificado do art.º 132.º do Código Penal, assim sucedendo independentemente da circunstância ou do exemplo-padrão de que a qualificação resultar ser ou não o previsto na alín. e); d) – Desde logo assim o impõem exigências de compatibilização lógico-valorativa; e) – E, no fundo, se virmos bem a letra da lei, parece ser esse o escopo da norma agravante do art.º 86.º, n.ºs 3 e 4 do RJAM: o de evitar a dupla qualificação; f) – Nos presentes autos foi violado o princípio da dupla valoração, que constitui clara violação do princípio “non bis in idem” e da igualdade consignados nos art.º 29.º e 13.º da Constituição da República Portuguesa; g) – A norma do n.º 3 do art.º 86.º da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na redacção introduzida pela Lei n.º 12/2011 de 27.04, é uma norma geral; h) – E tem sempre de ceder face ao regime especial previsto pelo Código Penal para o crime de homicídio qualificado; i) – Também nos parece sufragar essa opinião Artur Vargues, em anotação ao art.º 86.º do RJAM, quando refere que “o n.º 3 com o escopo de especialmente reprimir a utilização de armas na prática de crimes e dar resposta tida como adequada e proporcional à criminalidade violenta e mais grave, consagrou a agravação especial de um terço, nos seus limites mínimo e máximo para os crimes cometidos com recurso a arma (…), mas estabelece uma cláusula de subsidiariedade ao referir que “esta agravação só funciona se outra mais grave não estiver consagrada para o crime em causa em função do uso e porte da arma ou se estes não forem já elementos desse tipo de ilícito”, afastando-se, por isso, desde logo, desta agravação os crimes de furto qualificado e roubo agravado em que a qualificação e agravação ocorram por vias de circunstância “trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta; j) – Para realidade reveladoras de maior ilicitude (o que é o caso dos autos) e/ou culpa, o CP prevê uma pena específica, logicamente a mais grave (homicídio qualificado); l) – E sendo esta já a pena aplicável a uma determinada realidade, não haverá lugar à aplicação do n.º 3 do art.º 86.º da Lei das Armas (a incidir sobre o tipo-base), pois já ocorreu agravação por via do próprio tipo (qualificado); m) – Veja-se neste sentido o Ac. RE de 07.01.2014; n) – O Tribunal da Relação do Porto violou, assim, as normas dos art.ºs 131,º, 132.º, n.ºs 1 e 2 do CP, e 86.º, n.ºs 3 e 4 da Lei das Armas, pelo que deverá ser dada sem efeito a aplicação dessa circunstância agravante; o) – No que diz respeito à pena de prisão aplicada ao arguido pelo crime de homicídio qualificado do art.º 132.º, n.ºs 1 e 2, alín. e) do CP, a pena de 20 anos de prisão é exagerada; p) – As finalidades da punição são, de acordo com o art.º 40.º do CP, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade; q) – O art.º 40.º consagra que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é “a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, ou seja, a reintegração social do agente do crime, o seu retorno ao tecido social lesado; r) – Em consonância com estes princípios, dispõe o art.º 71.º, n.º 1, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”; o n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o n.º 3 que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, injunção com concretização adjectiva no art.º 375.º, n.º 1, do CPP ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada; s) – Está subjacente ao art.º 40.º uma concepção preventivo-ético da pena; preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa; t) – Para efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no referido art.º 71.º; u) – De acordo com o Ac. STJ de 29.04.2009, processo n.º 6/08.1PXLSB.S1-3.ª, pela prática de um crime de homicídio do art.º 132.º, n.º 1 do CP, foi aplicada a pena de 16 anos de prisão a um arguido com 20 anos de idade; v) – Porque é exagerada, deverá baixar-se a pena ao arguido para próximo do mínimo legal em virtude de estarmos perante um jovem de 21 anos de idade que está na flor da vida, vai “perder” os melhores anos da sua vida enclausurado e quando for colocado em liberdade já estará perto da casa dos 40 anos, sendo neste caso específico (de um jovem) muito difícil se não quase impossível integrar um ex-recluso na sociedade e no mundo em geral; x) – Desta forma e porque foram violados os art.ºs 40.º, 41.º, 42.º e 70.º, do CP deverá repensar-se e baixar-se a pena de prisão que foi aplicada.

O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto junto do Tribunal da Relação do Porto respondeu concluindo: a) – Não há fundamento para afastar a agravação do crime de homicídio prevista no n.º 3 do art.º 86.º do Regime Jurídico das Armas e Munições, uma vez que a mesma não é valorada nem a sua razão de ser é considerada na agravação determinada pelo art.º 132.º, n.º 2, alín. e), do CP, pela qual o arguido foi condenado; b) – A dosimetria da pena aplicada mostra-se adequada, justa e razoável, tendo em conta a moldura abstracta aplicável e as demais circunstâncias a considerar, enunciadas em ambas as instâncias e, bem assim, os critérios legais definidos nos art.ºs 40.º e 71.º, do CP; c) – Deverá, pois, o recurso ser julgado...

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