Acórdão nº 62/11.5TBACN.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Maio de 2015
Magistrado Responsável | LOPES DO REGO |
Data da Resolução | 07 de Maio de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA e mulher, BB, intentaram acção declarativa, na forma ordinária, contra CC e mulher, DD, pedindo a condenação dos RR., pelo incumprimento culposo de um contrato-promessa de compra e venda de imóvel, na devolução do sinal de € 50 000,00 em dobro, quantia esta acrescida de juros de mora desde a citação.
Alegaram, para tanto, que, no dia 26 de Setembro de 2007, o autor-marido e o réu-marido assinaram o contrato que denominaram "Contrato-Promessa de compra e venda e recibo de sinal” dele constando a promessa de vender determinado terreno rústico e a edificação urbana, respectivo anexo e logradouro pelo preço convencionado, entregando logo, a título de sinal, o promitente comprador a quantia de €50.000,00; que, após a outorga do contrato-promessa, os réus facultaram as chaves da casa de habitação e do anexo; ulteriormente, ao dirigir-se ao prédio, constatou que o anexo estava demolido, pelo que, a partir desse momento, informou o réu-marido que não outorgaria a escritura de compra e venda, uma vez que o negócio incluía o dito anexo Os réus, na sua contestação-reconvenção, impugnaram os factos alegados pelos autores, afirmando que não fazia parte do contrato-promessa o anexo ali mencionado, correspondendo a sua inclusão no texto do contrato a uma falsificação dos AA.; que, de todo o modo, este mais não era que uma barraca degradada e de construção ilegal; que, no início de 2010, informaram o autor/reconvindo que poderia marcar a escritura e , após sucessivos adiamentos, o autor disse-lhes que perdera o interesse na venda em consequência da destruição do anexo, pelo que, em 10 de Abril, escreveram ao autor a carta de fls. 20, fixando prazo para a marcação da escritura. E, em reconvenção, com base no incumprimento do contrato por parte do A./reconvindo, pedem que lhes seja reconhecido o direito de fazer seu o sinal recebido, no montante de € 50 000,00.
Concluem pela improcedência da acção, pela procedência da falsidade do contrato-promessa junto pelos A.A., por estes nele terem abusivamente incluído o termo «anexo», e pela sua condenação como litigantes de má fé.
Os autores responderam, concluindo como na petição inicial.
Os réus treplicaram, concluindo como na contestação.
Finda a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, que julgou improcedentes, tanto a acção, como a reconvenção.
2. Inconformado, o A./marido apelou, impugnando, desde logo, a decisão da matéria de facto .
Os R.R.-reconvintes contra-alegaram, pugnando pela rejeição liminar do recurso do A., alegadamente por não ter dado cumprimento ao estatuído no art.º 640º do CPC, interpondo, por sua vez, recurso subordinado referentemente à improcedência da reconvenção.
A Relação começou por rejeitar a impugnação deduzida contra a matéria de facto, o que conduziu à estabilização do seguinte quadro factual: 1)- No dia 26 de Setembro de 2007, o autor-marido e o réu-marido assinaram o contrato que denominaram "Contrato-Promessa de compra e venda e recibo de sinal e nele consta: Cláusula Primeira: "O primeiro outorgante é dono e legítimo possuidor de uma terra de semeadura com a área de 44 660 m2, sita na Rua … n° … em Alcanena, freguesia de Vila Moreira, concelho de Alcanena, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcanena sob o n° … e inscrito na matriz sob o art.º rústico n° 99, secção B, onde está construída uma casa destinada a habitação, com a superfície coberta de 148,50 m2 e logradouro com a área de 320 m2 inscrita na matriz sob o art° urbano no 803.": - alínea A) dos factos assentes; 2)- Cláusula terceira: " o preço total prometido é de cento e noventa e cinco mil euros, quantia que será paga pelo segundo ao primeiro outorgante nas seguintes condições: UM: Como sinal e princípio de pagamento no acto da assinatura do presente contrato promessa de compra e venda e recibo de sinal a importância de cinquenta mil euros (...); DOIS: a restante parte do preço no montante de cento e quarenta e cinco mil euros será paga no acto de outorga ca correspondente escritura pública de compra e venda". - alínea B) dos factos assentes; 3)- Cláusula quarta: "A escritura pública de compra e venda será marcada pelo segundo outorgante e será outorgada no prazo de dois meses, após efectuada a separação/desanexação do prédio rústico e urbano na competente Conservatória do Registo Predial obrigando-se o primeiro outorgante a: UM: Custear e a facultar ao segundo ou ao seu representante todos os documentos e elementos necessários para o efeito, logo que lhe forem solicitados, incluindo a licença de habitabilidade do prédio urbano e a procuração de sua esposa para a outorga da escritura; DOIS: Comparecer e a outorgar tal escritura, desde que avisado pelo mesmo ou por quem o represente, com a antecedência mínima de dez dias". - alínea C) dos factos assentes; 4)- No dia 10 de Abril de 2010 o réu escreveu ao autor e este recebeu a carta que constitui fis 20 dos autos. - alínea D) dos factos assentes; 5)- O autor perdeu o interesse na compra após a demolição do anexo. - alínea E) dos factos assentes; 6).- O prédio referido em A) é vedado. - alínea F) dos factos assentes; 7)- Do prédio objecto da promessa de venda e referido em A) faz parte um anexo. - (resposta ao quesito 1º); 8)- Os réus tinham dado ao autor a chave do cadeado para aceder ao prédio rústico. - ( resposta ao quesito 2º); 9)- O anexo foi demolido pelos réus. - ( resposta aos quesitos 3º e 4º); 10)- O anexo era uma construção com cerca de 73 m2. - ( resposta ao quesito 6º); 11)- Em 2008 o réu pediu a EE para legalizar a casa constante da promessa de venda. - (resposta ao quesito 8º); 12)- O anexo também servia para guardar utensílios agrícolas. -( resposta ao quesito 9º).
3. Relativamente ao mérito dos recursos, a Relação, no acórdão recorrido, julgou improcedente a apelação dos R.R.-reconvintes e procedente a apelação do A./reconvindo, revogando, consequentemente, a sentença recorrida e condenando o R.-marido a restituir-lhe a quantia de € 100 000,00 (cem mil euros) correspondente ao dobro do sinal, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação, com base nos seguintes fundamentos: A sentença recorrida, considerando verificar-se uma situação de impossibilidade parcial de cumprimento do contrato decorrente da demolição do anexo pelos R.R., mas que, de acordo com o depoimento da testemunha EE, o valor desse anexo não seria superior a € 1000,00, ou seja, de escassa importância, para efeitos do nº 2 do citado artº 802º do C. Civil, decidiu que não se justificava, por isso, a resolução do contrato, julgando, desse modo, improcedente a acção.
(…) No que concerne á impossibilidade parcial imputável ao devedor, prescreve o artº 802º do C. Civil que: «1. Se a prestação se tornar parcialmente impossível, o credor tem a faculdade de resolver o negócio ou de exigir o cumprimento do que for possível, reduzindo neste caso a sua contraprestação, se for devida; em qualquer dos casos o credor mantém o direito à indemnização.
2. O credor não pode, todavia, resolver o negócio, se o não cumprimento parcial, atendendo ao seu interesse, tiver escassa importância».
Em lado algum, portanto, a norma em referência faz alusão a «valor diminuto», como sugere o A. apelante. No que fala o nº 2 do preceito é antes em «escassa importância».
Daí que não faça qualquer sentido o argumento do apelante de que o Código Civil vigente se «apropriou» ou «absorveu», para efeitos da dita norma, o conceito jurídico-penal de «valor diminuto», ainda que fosse possível um Código (o Civil) ter acolhido no seu seio o conceito de um outro Código (o Penal) quase vinte anos mais novo.
O A. apelante não tem, pois, razão quando defende que o tribunal errou na interpretação do artº 802º nº 2 do C. Civil, pelo simples facto de ter enquadrado no conceito de «escassa importância» uma coisa de valor superior ao da «unidade de conta» a que faz referência aquele mencionado artigo do C. Penal.
Mas tal não significa, por outro lado, que seja de acompanhar a sentença recorrida, quando...
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