Acórdão nº 17/13.5TCGMR.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução20 de Maio de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA e marido BB (A.A.) instauraram, em 18/01/2013, junto das Varas de Competência Mista de Guimarães, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra a CC - Companhia de Seguros, S.A., agora designada DD - Seguros, S.A. (R.), alegando, em síntese, que: .

Os A.A. negociaram com a Caixa Geral de Depósitos (CGD) a concessão de um empréstimo para aquisição de habitação própria permanente, o qual veio a ser formalizado em 20/06/2002, no valor de € 78.560,67; .

Na mesma data, a CGD concedeu aos A.A. outro empréstimo no valor de € 16.210,93; .

Para a concessão desses empréstimos, a CGD exigiu que, além da garantia real e/ou pessoal, fosse efetuado um seguro de vida, por via do qual, em caso de morte ou invalidez total e permanente, o credor instituído tivesse direito ao pagamento imediato do valor correspondente ao capital mutuado e seguro, ainda não amortizado; .

Nessa base, em 20/06/2002, foram subscritos seguros do ramo vida, para cada pessoa a segurar, conforme a apólice n.º ..., sendo cada um deles no valor dos empréstimos concedidos; .

Em virtude da doença, a A. não exerce qualquer atividade profissional nem aufere qualquer rendimento, tendo-lhe sido diagnosticada, em 11/ 05/2012, uma incapacidade permanente global de 68%, decorrendo o processo de concessão de reforma por invalidez; .

O A. marido encontra-se desempregado e aufere um subsídio de desemprego no montante de € 500,00; .

Em 05/07/2012, foi feita participação à R. da situação de doença da A., com a apresentação do documento comprovativo da mesma e do atestado multiuso a atestar a incapacidade permanente global de 68%; .

A R., em agosto de 2012, enviou à A. uma cópia das cláusulas gerais e particulares da apólice do seguro, mais não fazendo do que solicitar informações e documentação.

Concluem os A.A. a pedir a condenação da R.: a) – a pagar ao beneficiário instituído, CGD, S.A., nos termos contratuais, o capital em dívida à data do trânsito em julgado da decisão condenatória ou de homologação de acordo; b) – a pagar aos A.A. os valores correspondentes ao capital seguro por eles pago mensalmente ao beneficiário, CGD, correspondente às prestações dos financiamentos concedidos, desde a data da incapacidade da 1.ª A, em 11/05/2012, até à data indicada, acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal; c) - a restituir aos A.A. o valor dos prémios mensais pagos por estes referentes aos contratos identificados pela apólice n.º …, desde a data da participação do sinistro, 05/07/2012, até integral pagamento do capital seguro, acrescido dos juros vencidos e vincendos à taxa legal.

  1. A R. contestou, alegando que: .

    O objeto do seguro compreende os riscos de morte ou invalidez total e permanente ligados a contratos de mútuo de crédito à habitação, garantindo ao beneficiário designado o pagamento do capital seguro, em caso de morte ou invalidez total e permanente; .

    A A. tem uma incapacidade permanente global de 68%, mas não obteve, por parte da instituição de segurança social, o reconhecimento da sua situação de invalidez total e permanente, porque ainda não foi declarada reformada, tal como exige o contrato de seguro.

    Concluiu assim pela improcedência da ação.

  2. Os A.A. replicaram a sustentar que, tanto no ato da celebração dos contratos como posteriormente, não lhes foi explicado ou entregue qualquer documento com as condições gerais e particulares da apólice, pelo que se devem ter por excluídas dos contratos de seguro em referência as cláusulas contratuais ínsitas nos documentos juntos com a contestação.

  3. Findos os articulados, realizou-se a audiência preliminar, no decurso da qual, foi fixado o valor da causa, proferido saneador tabelar e selecionada a matéria de facto tida por relevante com a organização da base instrutória, conforme a ata de fls. 134-142.

  4. Realizada a audiência final, foi proferida sentença (fls. 187-199), em 03/03/2014, na qual foi integrada a decisão de facto e a respetiva motivação, julgando-se a ação procedente e condenando-se a R. em tudo o que fora peticionado. 6.

    Inconformado com tal decisão, a R. apelou dela para o Tribunal da Relação de Guimarães, que julgou a apelação improcedente e confirmou a decisão recorrida, embora por fundamento diverso, conforme o acórdão de fls. 261-270, de 15/09/2014.

  5. Novamente inconformada com aquela decisão, veio a R. interpor recurso de revista, a título excecional, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - Não obstante a confirmação pelo Tribunal da Relação de Guimarães da decisão de 1.ª instância, confirmação esta feita "sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente", o presente recurso de revista excecional é admissível por, no caso, estarem preenchidos os pressupostos referidos na alínea c) do n.º 1 e na alínea c) do n.º 2 do art.º 672.º do CPC, ou seja, por o acórdão recorrido estar em contradição com o acórdão do STJ, de 25/06/2013, proferido no âmbito do processo n.º 24/10.0TBVNG.P1. S.1, da 7.

    a Secção; 2.ª - No acórdão recorrido, adotou-se o entendimento de que, embora e quando se está perante uma situação de seguro de grupo, o ónus da prova relativamente à obrigação de comunicação ao aderente/pessoa segura de determinada ou determinadas cláusulas contratuais gerais impenda sobre o tomador do seguro, nos termos do que dispõe o artigo 4.º do Dec.-Lei n.º 176/95, de 26-07, vigente à data da respetiva adesão, essa obrigação e esse ónus não desonera a seguradora de cumprir a sua obrigação de igualmente comunicar e explicar as condições gerais do contrato de seguro ao aderente, nos termos e em cumprimento do que dispõe o artigo 5.º do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25/10; 3.ª - Porém, no acórdão-fundamento, entendeu-se que o regime legal aplicável nestes casos é o do Dec.-Lei n.º 176/95, de 26-07 e não o artigo 5.º do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25/10, por aquele primeiro diploma estabelecer um regime especial, que se sobrepõe e prevalece sobre o regime regra das cláusulas contratuais gerais, pelo que é efetivamente ao banco/tomador do seguro quem compete, exclusivamente, a obrigação de comunicação e explicitação adequada ao aderente acerca do teor das cláusulas do seguro de grupo, pelo que a seguradora não pode ser responsabilizada pela omissão desse dever, assim podendo opor ao aderente certa cláusula, ainda que esta não lhe tenha sido comunicada e explicitada pelo tomador do seguro, nem por ela própria seguradora.

    1. - Ambos os acórdãos são idênticos no que se refere ao caso apreciado em cada um deles, estando também neles versada a mesma questão fundamental de direito, como é a questão de saber sobre quem compete, no âmbito dos seguros de grupo do ramo vida a que aderem os mutuários nos contratos de empréstimo ou crédito para habitação, a obrigação de comunicar e explicitar as respetivas contratuais gerais; se o Banco/tomador do seguro, se a seguradora, ou eventualmente até ambos - e, bem assim, se a omissão por parte do banco/tomador do seguro se repercute na esfera jurídica da seguradora, ao ponto de esta não se poder prevalecer da cláusula contratual geral em causa perante o aderente/pessoa segura.

    2. - Ambos os acórdãos foram produzidos no domínio da mesma legislação, mais concretamente as normas do CC e as dos Dec.- Leis n.º 176/95, de 26/07 e n.º 448/85, de 25/10, não se tendo identificado qualquer AUJ versando sobre a questão em causa.

    3. - Verificam-se, assim, os pressupostos e requisitos previstos na alínea c) do n.º 1 e alínea c) do n.º 2 do art.º 672.º do CPC, pelo que deverá ser admitido presente recurso de revista excecional, para efeitos do seu julgamento.

    4. - No acórdão recorrido entendeu-se que a R., aqui recorrente, não cumpriu com o seu ónus de prova do cumprimento do dever de comunicação e explicitação das cláusulas contratuais gerais, em especial da cláusula das condições gerais do contrato de seguro em discussão que define os requisitos que devem cumulativamente estar preenchidos para que a pessoa segura - no caso, a A. mulher - se possa considerar, para efeitos do funcionamento da cobertura do mesmo seguro, numa situação de incapacidade total e permanente, e mais particularmente ainda, o terceiro desses requisitos, o qual seja o de essa incapacidade total e permanente estar "reconhecida previamente pela ISS, pela qual a pessoa segura se encontra abrangida ou pelo tribunal de trabalho ou, caso a pessoa segura não se considere abrangida por nenhum regime ou ISS, por Junta Médica (cfr alínea V dos factos assentes), dever esse que sobre a mesma R. impendia por força do n.º 1 do art.º 5.º do DL n.º 446/85, de 25/10, pelo que muito embora sobre o banco/tomador do seguro impendesse também similar dever de comunicação por força do artigo 4.º do DL n.º 176/95, de 26/07, vigente à data das respetivas adesões ao seguro, a R. seguradora não fica desonerada também desse dever e, por isso, não pode prevalecer-se da cláusula em causa, que se tem por excluída como determina a alínea a) do artigo 8.º do referido DL n.º 446/85.

    5. - No entanto, tal não é o entendimento mais correto, pelo menos no que a casos como o presente diz respeito, pois o mesmo não toma em linha de conta a especificidade e peculiar estrutura do contrato de seguro de grupo que aqui se discute, sendo antes de ser perfilhado o entendimento e tese exposta no aqui acórdão-fundamento, isto é, que, por causa estrutura peculiar do contrato de seguro de grupo, é ao tomador do seguro que compete, exclusivamente, o dever de comunicar e esclarecer as cláusulas contratuais gerais do seguro, não se repercutindo e eventual omissão desse dever na esfera jurídica da seguradora.

    6. - Embora seja pacífico que a cláusula das condições gerais do contrato de seguro em causa e reproduzida sob a alínea V-) dos factos assentes, seja uma cláusula contratual geral e, por isso, sujeita ao regime previsto no Dec.-Lei n.º 446/85, de 25/10, designadamente ao dever de informação e esclarecimento à parte em relação à qual essa cláusula...

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