Acórdão nº 445/12.3PBEVR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelJOÃO SILVA MIGUEL
Data da Resolução27 de Maio de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, da Instância Central – Secção Cível e Criminal – J2, acima identificados, foi submetido a julgamento: AA, natural de ..., onde nasceu a ..., filho de ... e de ..., residente, no Bairro ..., atualmente preso preventivamente no Estabelecimento Prisional Regional de Beja, à ordem destes autos, a quem foram imputados, além do mais, factos constitutivos de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, vindo o tribunal, a final, por acórdão de 22 de outubro de 2014, a, além do mais, «[c]ondenar o arguido (...), como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 6 (seis) anos de prisão».

  1. Do assim decidido, veio o arguido interpor recurso para o Supremo Tribunal de justiça, formulando as seguintes conclusões: «1. O presente recurso incide apenas sobre a medida da pena de prisão aplicada em concreto no que ao crime de tráfico de estupefacientes diz respeito, por ser manifestamente injusta, desadequada e desproporcionada face à matéria de facto dada como provada e que aqui se dá como reproduzida; 2. Impugna-se a douta fundamentação sustentada pela meritíssima juíza a quo, a qual no modesto entendimento do recorrente deveria ter conduzido à aplicação ao arguido de uma pena de prisão não superior a 4 (quatro) anos, isto é, o mínimo legal previsto na norma invocada e aplicada pela meritíssima juíza a quo, sendo, por isso, merecedora de censura; 3. Na escolha da medida da pena de prisão, em concreto, a meritíssima juíza a quovalorou a circunstância dos crimes terem sido cometidos com dolo directo e por isso intenso, há que ter em conta que estamos face a um tipo de estupefaciente considerado “leve”, que alguma parte da nossa sociedade há muito reclama pela sua liberalização, razão pela qual a pena a aplicar não deverá ser tão severa; 4. A meritíssima juíza a quo invocou as elevadíssimas exigências de prevenção geral associadas a ilícitos criminais desta natureza, com a qual se concordará, quando estejam em causa o tráfico de outros tipos de estupefacientes bem diversos dos aqui tratados - as chamadas drogas “duras” - esses sim um flagelo da nossa sociedade, com consequências bem mais graves e nefastas que as do presente caso em concreto; 5. O arguido aqui recorrente não tinha até à data da prática dos factos pelos quais foi condenado quaisquer antecedentes criminais, sendo, por isso, primário; 6. Estava, também, familiarmente enquadrado, como resulta dos autos; 7. E era consumidor do mesmo tipo de estupefaciente; 8. O douto acórdão recorrido violou, assim, o art.º 71.º, n.º 1 e 2 alínea a) do CP, ao não valorar e ponderar a qualidade das substâncias traficadas, consideradas “drogas leves” e as consequências, bem mais leves que as consequências das chamadas “drogas duras”; 9. Mostrando-se, por isso, a pena de prisão aplicada manifestamente injusta, desadequada e desproporcionada; 10. Pelo que ao recorrente não deverá ser aplicada pena superior a 4 anos de prisão».

  2. No tribunal recorrido e em resposta, o Ministério Público pede que seja negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida, por esta se mostrar conforme aos dispositivos legais em vigor, alegando, no essencial, que: «1. Os factos provados revelam que […] o arguido assumiu o tráfico de drogas como fonte certa e habitual de receitas para manter o seu sustento, dão uma imagem global da sua actividade - que se prolongou no tempo por cerca de dois anos, de uma forma regular, ininterrupta, como que no exercício de uma qualquer actividade profissional.

  3. Actividade que não consistia apenas na venda a retalho mas também na divisão do haxixe em pequenas doses, para revenda a terceiros, por forma a obter vantagens económicas e no domínio de todo o processo desde a sementeira, plantação, colheita trituração e venda a terceiros no que respeita à canabis (folhas e sumidades).

  4. O arguido detinha produto estupefaciente pronto a ser vendido a terceiros já com algum relevo (mais de 300g) de canábis (folhas e sumidades) e superior a 50 g de haxixe no dia 24.10.2013 e cerca de 116 g de haxixe no dia 27.03.2014. 4. Tendo agido sempre com dolo directo pelo que a ilicitude do facto tem de se considerar elevada.

  5. No caso verifica-se que a culpa atinge um grau médio uma vez que a arguido agiu com dolo directo, engendrando um plano, que concretizou, com o propósito conseguido de obterem vantagens económicas.

  6. Por outro lado, são prementes as exigências de prevenção geral e as de prevenção especial já são relevantes porquanto embora o arguido não possua antecedentes criminais registados foi completamente insensível à medida de coacção aplicada após a sua detenção no dia 24.10.2013 continuando a desenvolver aquela sua actividade nos mesmos termos.

  7. Atentos tais elementos, a pena concreta de seis (6) anos de prisão aplicada ao arguido no Acórdão recorrido, na metade inferior da moldura penal aplicável, mostra-se ajustada à actividade por este desenvolvida, à sua culpa e às exigências de prevenção geral e especial e, consequentemente, está conforme aos critérios legalmente fixados no artº 71º, nos. 1 e 2, do Cód. Penal, para a determinação da medida concreta da pena.

    (…).» 4. Neste Supremo Tribunal, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer de não provimento do recurso, acompanhando «as razões expendidas na resposta do MP, no tribunal a quo», referindo, em síntese, que «[f]ace à matéria de facto dada como provada e definitivamente fixada, impõe-se a fixação de pena de prisão que satisfaça as exigências de prevenção geral e especial, considerando o tipo de crime cometido e as condições e circunstancialismo em que o arguido vendia e cedia o estupefaciente».

    Protegendo o crime de tráfico de estupefacientes «uma multiplicidade de bens jurídicos, que podem reconduzir-se, afinal, à protecção da saúde pública», «o abastecimento e disseminação da “droga” traduz-se em “doença” que abala os alicerces de uma sã e livre comunidade, arrastando à prática de outros crimes», impondo-se «uma elevada exigência de defesa do ordenamento jurídico em equação com as necessidades de reintegração do arguido», sendo que, no caso, «[a] ilicitude dos factos é elevada e a culpa intensa», e devendo ter-se presentes, na fixação da pena de prisão, «as fortes exigências de prevenção geral relativamente a este tipo de crime, gerador de forte sentimento de insegurança na população e por esta muito reprovado, propondo-se assegurar a confiança da comunidade na validade das normas violadas, sem relegar as necessidades de socialização do arguido, tendo como objectivo a sua futura actuação conforme ao direito».

    Por isso, tendo em conta a moldura penal de 4 a 12 anos de prisão, «os factos dados como provados, [e] os comandos expressos nos arts. 40º, 70º e 71º do CP, mostra-se adequada e proporcional a pena de 6 anos de prisão aplicada ao ora recorrente».

  8. Dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal (CPP), o recorrente, na resposta, reiterou que o Haxixe /canábis é considerado atualmente «pela sociedade “uma droga leve”, cuja disseminação se pode traduzir em doença, mas não com efeitos nefastos e tão gravosos das consideradas “drogas duras”», havendo «uma parte substancial da comunidade internacional e mesmo da comunidade nacional que é de opinião que este tipo de droga deveria ser liberalizado, quanto à venda e consumo», e por isso, «atendendo ao tipo de estupefaciente dos presentes autos, deverá a pena ser reduzida para quatro anos de prisão, por se mostra[r] justa, adequada e proporcionada».

  9. Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o recurso é apreciado em conferência [artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP].

  10. A questão cuja reapreciação é requerida, tal como resulta das conclusões formuladas, respeita ao reexame da medida da pena de prisão, que o recorrente pretende seja reduzida para medida não superior a 4 (quatro) anos de prisão.

  11. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

    1. Fundamentação a. Matéria de facto Quanto ao recorrente e crime em causa, a 1.ª instância deu como provada e não provada a matéria de facto seguinte[1]: «1. Desde pelo menos o dia 30/04/2012 e até 28.03.2014 que o arguido AA, também conhecido por “Cascoso”, entregou diariamente produto estupefaciente designado por haxixe/cannabis a quem quer que lho solicitou, nomeadamente consumidores, mediante a entrega por estes, de dinheiro em contrapartida; 2. Para o efeito, os consumidores que quiseram estupefaciente – entre outros, BB, CC, DD e EE – contactaram o arguido AA, a maior parte das vezes na sua residência sita no ..., receberam dele haxixe/Cannabis e entregaram-lhe, como contrapartida, dinheiro ou outros valores; 3. Concretamente, no dia 30.04.2012, pelas 14.00 horas, no interior da sua residência sita no Bairro ..., o arguido AA tinha em seu poder uma quantidade não apurada de estupefaciente, designado por Haxixe, vulgarmente conhecido por língua, o qual adquiriu em conjunto com FF e ao qual entregou parte; 4. No dia 03.12.2012, em Évora, o arguido AA entregou ao arguido BB 0,86 gramas de produto estupefaciente designado por haxixe – Cannabis (resina) – mediante a entrega por este de dinheiro em contrapartida; 5. No dia 18/05/2013, pelas 22.50 horas, no interior da sua residência supra identificada, o arguido AA entregou a GG 0,523 gramas de produto estupefaciente designado por haxixe – Cannabis (resina) – mediante a entrega por este de € 5,00 (cinco euros) em contrapartida; 6. No dia 11.03.2014, pelas 21.10 horas, no interior da sua residência supra identificada...

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