Acórdão nº 919/09.3TJPRT-F.P3.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelANA PAULA BOULAROT
Data da Resolução05 de Maio de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I Por apenso aos autos de insolvência de M veio F, SOCIEDADE ANÓNIMA deduzir contra a MASSA INSOLVENTE acção de impugnação da resolução de negócio em benefício da massa insolvente, pedindo, a título principal, a impugnação efectuada pelo administrador de insolvência quanto à transmissão da fracção predial V correspondente à habitação X e seu recheio, transmissão essa efectuada do ora insolvente para B e mulher, bem como, a título subsidiário para a hipótese de se vir a entender que a resolução opera os seus efeitos, que tal resolução seja considerada inoponível em relação à Autora.

Alegou para o efeito e em síntese que era portadora de uma letra de câmbio no valor de 220.000€, aceite por YY, e avalizada pelo Insolvente e mulher, a qual se venceu em 31 de Maio de 2007, sendo que no âmbito da cobrança judicial da letra, a autora logrou em 30 de Outubro de 2007 o arresto dos únicos bens conhecidos ao Insolvente e à sua mulher, os quais eram aqueles que tinham sido declarados como vendidos, na escritura pública de 21 de Maio de 2007, a B e a E B.

Em seguida, a Autora demandou no processo … o Insolvente, a sua mulher, B e E B, pedindo que fosse declarada nula a compra e venda declarada na escritura de 21de Maio de 2007, com fundamento em simulação e na invocação, subsidiária, de impugnação pauliana, e em 27 de Abril de 2009, nesse processo …. foi alcançada transacção entre as partes, nos termos da qual o Insolvente e mulher reconheciam dever 250.000€ à Autora, ao passo que B e E B, em satisfação integral dessa dívida, procederam à dação em cumprimento à Autora de um dos prédios versados como vendidos na escritura de 21 de Maio de 2007, a fracção V, como do respectivo recheio, também versado como vendido na mesma escritura, o que foi homologado por sentença do mesmo dia 27 de Abril de 2009, já transitada em julgado.

Ás datas em que decorreram o procedimento de arresto e de acção declarativa …., incluindo aquele dia 27 de Abril de 2009, não existia qualquer indício de que M iria incorrer em insolvência, a qual só veio a ser declarada em 2011.A Autora é um transmissário ulterior de um dos prédios versados na escritura de 21 de Maio de 2007 e do correspondente recheio, tendo como título de aquisição a dação em cumprimento, sendo esta concedida por pessoas distintas daquele que viria a ser declarado insolvente e da mulher deste, só podendo a resolução – comunicada à autora na carta do administrador de insolvência, recebida em 17 de Junho de 2011 – ser operante se a Autora tivesse agido de má-fé na transacção judicial e nos procedimentos judiciais que antecederem essa transacção, má-fé essa que não ocorreu, uma vez que a Autora agiu de boa-fé na aquisição operada por via da transacção judicial, como demonstram as diligências judiciais e os fundamentos que aí invocou, tendo por objectivo a cobrança de uma dívida primária de 220.000€.

A comunicação enviada pelo administrador de insolvência à Autora não obedece aos requisitos previstos no artigo 120º e ss. do CIRE, uma vez que remete para a carta enviada a B, além de existirem aí imputações de conhecimento que não são transmissíveis de B para a Autora, bem como pelo facto de a comunicação dirigida a B se reportar a um conjunto de bens mais amplo do que a fracção V e o respectivo recheio, sendo falso que a aludida fracção V tenha continuado a servir como habitação permanente do Insolvente após a transacção judicial, facto que só tinha acontecido entre 21 de Maio de 2007 e a própria data em que foi outorgada a transacção, sendo a Autora a possuidora da fracção.

Não ocorreu prejuízo para a massa insolvente, na medida em que a dação em pagamento cumpriu valores de mercado na avaliação dos bens entregues.

A Ré contestou, concluindo que a acção de impugnação deveria ser declarada improcedente, tendo formulado pedido reconvencional.

Houve réplica e tréplica.

Foi proferida sentença a julgar inoponível à Autora a resolução declarada pelo AI, tendo sido declarado que perdia a utilidade o conhecimento do restante objecto da acção, estando assim satisfeito o interesse legitimo daquela e não se admitiu o pedido reconvencional formulado, cfr 249 a 258.

Recorreu a massa insolvente, tendo vindo a ser proferido Acórdão a anular a decisão proferida, nos termos do artigo 712º, nº4 do CPCivil, com a ampliação do julgamento quanto à matéria de facto, cfr fls 293 a 312.

Após a repetição do julgamento, foi proferida nova sentença, cfr fls 386 a 408, onde se julgou procedente a acção julgando-se inoponível em relação à Autora a resolução declarada pelo AI, tendo sido declarado que perdia a utilidade o conhecimento do restante objecto da acção, estando assim satisfeito o interesse legitimo daquela.

De novo recorreu a massa insolvente, tendo na sequência desta nova impugnação recursiva o Tribunal da Relação do Porto produzido Acórdão, fls 494 a 515, a julgar procedente a Apelação, revogando a sentença e ordenando o prosseguimento dos autos apenas para a apreciação do objecto (resolução do negócio) que se não mostrava prejudicado, porquanto declarado ficou que a resolução operada era oponível à Autora.

Produzida nova sentença, de fls 564 a 566, foi julgada inoponível à Autora a resolução declarada pelo AI.

Desta decisão apelou a Massa Insolvente, tendo o recurso sido julgado procedente e em consequência foi declarada nula a sentença e o Tribunal da Relação, substituindo-se ao primeiro grau, proferiu decisão julgando improcedente o pedido de impugnação da resolução, com improcedência total da acção, tendo determinado a entrega pela Autora ao administrador de insolvência da fracção predial V e o respectivo recheio – nos termos em que este recheio esteve identificado no auto de arresto do apenso A do processo …. – no prazo de 15 dias a contar do trânsito em julgado do Acórdão, sob pena das consequências previstas no artigo 126º, nº 3 do CIRE e o cancelamento dos registos prediais incidentes sobre o imóvel.

Inconformada com este Aresto recorreu a Autora, agora de Revista, apresentando as seguintes conclusões: - A Autora, ora Recorrente, não se conforma com o Acórdão proferido nos autos na medida em que, salvo o devido respeito, o mesmo padece de vícios no âmbito do direito aplicável no caso concreto.

- No acórdão posto em crise, o Tribunal da Relação do Porto propôs-se apreciar a apelação deduzida pela Ré, com substituição do tribunal recorrido, sem dar, no entanto, cumprimento ao dever de assegurar o contraditório a que alude o n.º3 do artigo 665.º do CPC.

- Esta omissão constitui uma nulidade processual, por traduzir a omissão de uma formalidade que a lei prescreve, sendo certo que a irregularidade cometida influiu no exame ou na decisão da causa, ao abrigo do disposto no artigo 195.º, n.º1 do CPC; - A nulidade do acórdão recorrido ora arguida, por vício decorrente da inobservância da formalidade prescrita no artigo 665.º, n.º 3 do CPC, é tempestiva e por quem tem legitimidade para o efeito, pelo que deverá ser julgada procedente, devendo, em consequência, ser anulado todo o processado a partir de fls. ( ... ), incluindo o acórdão proferido em 30/10/2014, e ordenar-se a notificação das partes, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 665.º do CPC; - Caso assim não se entenda - o que, salvo o devido respeito, que é muito, apenas por mera hipótese de raciocínio se concede -, importa começar por esclarecer que a declaração de resolução levada a cabo pelo Senhor Administrador da Insolvência não foi objecto de impugnação por parte do Insolvente, da sua mulher, do Dr. B nem da sua mulher, pelo que operou quanto a eles plenamente.

- O mesmo não aconteceu em relação ao 2.º transmissário (a Autora), ora Recorrente, que impugnou quanto a si os efeitos desta resolução.

- A má fé do terceiro transmissário não se presume, cabendo a prova deste requisito à Ré, Massa Insolvente, ao abrigo do disposto no artigo 124.º, n.º1 do CIRE; - Sendo a Recorrente uma transmissária ulterior ao negócio realizado entre o Insolvente, sua mulher e o Dr. B e esposa, a resolução pretendida pelo Senhor Administrador de Insolvência apenas lhe poderá ser oponível caso se demonstre que aquela agiu com má-fé.

- Cabia à Ré Massa Insolvente demonstrar a má-fé da Autora, cuja demonstração dependia da verificação de dois requisitos cumulativos: a prejudicialidade para a Massa da transacção celebrada na 3.ª Vara Cível do Porto; e o conhecimento pela Recorrente, na data em que celebrou a transacção judicial. que o Insolvente se encontrava em estado de insolvência iminente, o que a Ré não logrou fazer, nem em sede de alegação na carta resolutiva, e muito menos em face da factualidade provada nos presentes autos.

- Não ficou demonstrada a prejudicialidade do acto, pois sequer foi apurado se o valor que a Autora e os restantes intervenientes naquela acção judicial atribuíram ao bem imóvel (fracção '"V"), e aos bens móveis que compõem o respectivo recheio (valor constante no termo da transacção efectuada entre as partes, e depois na Sentença ali proferida), era inferior ao valor de mercado que aqueles bens teriam, à data de 27 de Abril de 2009 (data da referida transacção homologada judicialmente).

- Também não ficou demonstrada a consciência do prejuízo por parte da Autora/Recorrente, uma vez que não resulta dos autos que esta tivesse, tanto à data da instauração da providência cautelar de arresto e acção pauliana, como à data da transacção judicial transacção, conhecimento da existência de outros credores do agora Insolvente - nem tinha que ter -, nem tão pouco da totalidade do património pertencente ao mesmo, o que a impedia de adivinhar uma eventual situação de insolvência, consequente do alegado prejuízo provocado.

- Com efeito, se o negócio nem sequer era prejudicial, por maioria de razão, também nunca poderia a Recorrente ter consciência de uma prejudicialidade inexistente e, consequentemente, também nunca esteve de má-fé.

- A Ré não logrou igualmente demonstrar que o Insolvente se...

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